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domingo, 18 de dezembro de 2022

Crónica de Maus Costumes 304

 Ministro, escuta! Os professores estão em luta!

 O subtítulo era um dos gritos de ordem de ontem, na manifestação que juntou entre vinte e cinco a trinta mil professores, a quem o tempo ajudou.

Começo com um agradecimento aos colegas de Vilela, Paredes, que se organizaram para fretar um autocarro e que foram parceiros de viagem e de luta. Foi um dia longo e cansativo, naturalmente, e que começou muito cedo. Não foi fácil para os professores, nesta altura, irem a um sábado a Lisboa, mas foi necessário e bonito de se ver. Finalmente, os professores obtiveram atenção e cobertura televisas. Parece que o país, tal como quem nos governa só vai ouvindo quem se junta em multidão considerável em frente à Assembleia, a casa da Democracia, em protesto e apupo. Cheguei a temer pelo movimento, pois assim que se chegou, havia alguns colegas, mas não em número que permitisse perceber a dimensão da manifestação. À hora marcada, os professores começam a surgir das várias artérias que levam ao Marquês. E assim que se inicia a marcha em direção à Assembleia, com regozijo, começamos a perceber a mole humana que se estendia ordeiramente, em protesto. Passamos pela Mortágua cidadã, que se abeirou no passeio, mas não se contou com a presença dos vários partidos que costumam colar-se a estes movimentos. Talvez pensassem que seria pouco expressivo, dadas as condições em que aconteceu. O S.T.O.P., organização sindical a quem o Governo e as outras associações sindicais prestam pouca atenção e acusam de radicalismo, soube compreender a insatisfação da classe, que é grande, e mobilizar as pessoas. Este sindicato é pequeno, pouco expressivo, mas talvez cresça depois disto. Lembrar que os milhares de professores que ali se encontravam não são todos associados do S.T.O.P. Muitos deles não terão qualquer filiação sindical, outros serão filiados noutras associações e, outros, por certo, pertencem mesmo ao sindicato que ajudou a dar voz ao descontentamento e o galvanizou. O posicionamento dos cidadãos em relação ao panorama político mudou. Continuamos a ter os indefetíveis defensores partidários, mas a quantidade de pessoas que se desliga desses movimentos e se orienta pelo que o seu espírito crítico e consciência lhes ditam tem vindo a aumentar, para a ser a realidade nos próximos tempos. Não há razão para se impugnar a liberdade de escolha face a uma posição partidária com a qual não se concorda. Acredito que os cidadãos, principalmente, as novas gerações, cada vez mais, farão as suas opções sem atenderem a cores partidárias, como acontecia no tempo dos meus pais, nos anos conturbados pós abril. Significa que se assim funciona relativamente à vida política do país, também acontece na mesma medida noutras organizações, portanto, não se pode medir a força de um movimento de sublevação pelo apoio que é dado pelos maiores representantes sindicais. Já em 2008, na famosa manifestação dos cem mil professores e que quase derrubou a senhora ex-ministra cujo nome evito pronunciar pela urticária que ainda me causa (julgo que ainda não surgiu político que me tivesse conseguido espoletar tanta ira), o descontentamento nasce no seio da classe e é, depois, cavalgado pelas organizações sindicais. Porém, a revolta é genuinamente das pessoas, a quem os sindicatos se associaram e bem, pois é para isso que existem: defender a classe profissional que representam e não agendas partidárias ou próprias. Estamos perante uma situação similar e os nossos representantes têm de se habituar a ouvir a voz da população. Ministro, em latim, significa aquele que serve e é para isso que eles são eleitos, para servir os que os elegeram e não para se servirem deles. Ninguém serve bem o outro se não o souber ouvir, acolher as suas preocupações, dialogar e chegar a consensos, de boa-fé. Marcar reuniões que não conduzem a lado algum, porque já se estipulou que “vale mais um mau acordo do que acordo algum”, questiono, para quem?! Para o Governo ou para os reivindicam? Não, senhor ministro, o que vale mais é defender aquilo em que se acredita. Não queremos um mau acordo. Queremos que o Governo e os Sindicatos com maior expressão compreendam isto: os professores não estão dispostos a fazer um mau acordo! Não desta vez. Temos vindo a ter sucessivos mais acordos desde 2008 e estamos fartos! Apetece dizer: Chega! Basta! Quero usar a palavra chega sem qualquer receio de outras conotações. Chega de os professores serem lesados e feridos na sua dignidade! Chega de atropelos! E se surge um sindicato pequeno, mas que é capaz de dar voz ao ditado “vale mais partir que torcer”, pois ainda bem, já que só assim parecem combater a surdez com que se imunizam!

Ontem, o senhor ministro já concedeu entrevista. Estava nervoso. Transpirava. Não creio que fosse apenas pelo calor do estúdio, mas porque percebeu que a contestação engrossa fileiras. Como todos os governantes, o João Costa preferiu cerrar dentes e não mostrar fraqueza antes de negociar, quis estabelecer linhas vermelhas com um microdiscurso orientado para persuadir a opinião pública e não os seus professores. A profissão docente tem as suas especificidades, pelo que não é comparável com outros serviços públicos. Um professor contratado ou de quadro desenvolvem o mesmo tipo de trabalho, independentemente dos cargos que cada um exerce. O cargo de direção de turma é dos que mais trabalho e responsabilidade implicam e é dos que menos importância se lhe atribui e, no entanto, sem ele, as escolas não funcionariam. Ninguém o deseja e quase todos o fazemos, contratados e gente do quadro. Os que não desempenham este desempenham outros, portanto, senhor ministro, há hierarquias, mas não há “chefias” no sentido literal do termo, com papéis absolutamente distintos. Um diretor de turma, um coordenador de departamento, um coordenador de projetos, um coordenador de cursos profissionais, professores que integram grupos de trabalho diferenciados e afins continuam todos a cumprir a principal função e a mais prazerosa: dar aulas. O senhor sabe-o. Tem essa obrigação, pelo que vir falar para a opinião pública, dando a entender que os professores não podem ser diferentes de outros serviços públicos não passa de um sofisma ou não teríamos um Estatuto Próprio a que o senhor quer pôr termo. Depois, mente ao tentar desvalorizar o movimento gerado nas redes sociais, fazendo crer que não passa de populismo. Trata-se de descontentamento, indignação e revolta e ficou o aviso. Por último, talvez fosse bom enviar para as televisões o documento emanado do Conselho de Ministro para que se perceba quem mente. O cerca de trita mil professores que estiveram presentes na manifestação, senhor ministro, não são nem iletrados nem ignorantes. Sabem ler e interpretar. Importa mais o que não está escrito do que o que ficou redigido. A sua garantia verbal de que não haverá professores selecionados pela autarquia vale zero, quando pela redação do documento tudo é possível! E é verdade. É mesmo isso que o senhor está a pensar. Não! Os professores não confiam nem em si nem no seu Governo.

Por último, colegas, é tempo de união. Precisamos de todos, porque só com todos evitaremos a hecatombe. É tempo de unir e não de separar. Professores (do público e do privado) e Associações sindicais é tempo de agirmos coletivamente, pois a luta ainda agora começou. Centremo-nos no que importa: a escola, os alunos e os seus professores.

 

Nina M.

 

 

 

 

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