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sábado, 6 de fevereiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 218

 

O insuportável eterno retorno…

Se alguém me perguntar como está a correr o confinamento, não sei como reagirei, se com uma gargalhada neurótica, se com um profundo suspiro de quem procura escudar-se no estoicismo com vista à vida tranquila.

Está a ser bem pior desta vez, por motivos vários. Em primeiro lugar, há o cansaço que nos abate e a consciência plena de que há os que estão em situação de rutura há meses, a lutar contra este vírus, capaz de nos roubar tudo: saúde, liberdade, afetos, educação, economia e o que mais quiserem… O número de óbitos continua absolutamente assustador. Essa primeira e última linha de combate não pode esmorecer, apesar da exaustão, porque se eles caírem, o que será da população? O meu enorme apreço por todos os profissionais de saúde, sem exceção. Depois, exaspera-me a falta de respeito para com a vida alheia, a ausência de comportamento cívico por parte da população e a vergonha do eterno chico-espertismo português em torno das vacinas. Será que algum dia o português conseguirá compreender que se o país é bastante permeável à corrupção, todos nós temos um papel cívico a cumprir? Será impossível compreender que os governantes são filhos e produto deste país impreparado e tantas vezes desprezível? Será difícil entender que se desejo a mudança devo, em primeira instância, começar por mim?

Os governantes são medíocres porque o povo o permite. Um povo exigente e honesto gera governantes responsáveis, cumpridores e íntegros. Temos um país onde grassa a corrupção, onde se um clube de futebol em particular estiver em crise, gera uma onda de revolta e de apreensão, mas onde se aceita com toda a naturalidade uma série de escândalos perpetrados por gente com a responsabilidade de zelar pelo bem comum. Irrita-me que não saiamos à rua para pormos termo a esses desmandos. Exaspera-me esse sangue morno de quem só discute na taberna, mas não age em prol de uma sociedade evoluída e íntegra. Eu só entendo essa resignação, esse triste encolher de ombros, como sinal de que os aceitamos e compreendemos, porque se fôssemos nós também seríamos capazes de sucumbir perante um preço. E se a dignidade estiver, de facto, à venda não há solução que nos redima. Não somos nórdicos, mas poderíamos ser todos mais zelosos da nossa consciência e da res publica. O entendimento de que se é do Estado pode ser impunemente mal gerido e mal gasto conduz-nos à fatídica ruína ao longo dos séculos.

Este jardim à beira-mar plantado merecia melhor povo! Um povo que é capaz de acolher com simpatia e generosidade, de arregaçar as mangas e de se unir na desgraça, de ser solidário na tragédia, mas invejoso até ao tutano do sucesso alheio, incapaz de reconhecer o mérito e o trabalho do outro. A sorte está muito presente na vida portuguesa. Mais do que o necessário. Uma inveja podre que ao invés de surgir sob a forma de admiração para que cada um se esforce por atingir a excelência, antes aparece sob a forma de desprezo, já que o sucesso alheio expõe a fragilidade e a incompetência pessoais. Um sistema, muitas vezes gerador de injustiças e que não reconhece a excelência onde ela existe. Temos um país onde o conhecimento é desvalorizado, subjugado a uma era digital inculta e à devassidão de Big Brothers televisivos. O voyeurismo deveria ser mais exigente… No outro dia, num documentário sobre o nazismo e os seus campos de concentração (muito bom, no canal dois, dos poucos que se aconselham…), um dos ex-combatentes ingleses referia que um dos guardas do campo, que foi prisioneiro de guerra, após a libertação, conversava com ele sobre literatura e que era difícil imaginar que esse ser humano pudesse ser um monstro. A banalização do mal, conceito oferecido por Hannah Arendt, pelos vistos não escolhe castas. E não pude deixar de me questionar sobre o facto de que se alguém culto se deixa sucumbir pelo mal (e foram tantos, mas tantos, porque o nazismo foi implementado e disseminado por quem sabia o que fazia) para que diabo serve o conhecimento? Não deveria servir para melhorar o ser humano? Assim eu o entendo.

Porém, se no meu país houvesse muita gente capaz de trocar o telemóvel pelo livro, enquanto aguarda numa sala de espera qualquer… Talvez tudo pudesse ser diferente. Talvez os horizontes se alargassem… E apesar disto, talvez eu não queira outro lugar para viver. O solo sagrado da portugalidade que habito não tem responsabilidade no que somos.

De modo que ao olhar particularmente para as discussões e para a troca de galhardetes em torno da educação, há um bocejo inevitável… Um Governo incompetente que não acautelou a situação e temos alunos (muitos) por este país fora sem condições para terem aulas à distância e dizer o contrário é mentir descaradamente. Fazer chegar os trabalhos em papel não minimiza nem resolve absolutamente nada. Serve só para a criança não perder a ligação à escola. Temos encarregados de educação a recusar os computadores por empréstimo do ministério, apenas porque a tutela impôs regras apertadas para a sua utilização (e bem, nesta questão souberam ser nórdicos), o que só mostra que muito provavelmente há meninos com escalão, que não o deveriam ter. Se não o levantam é porque não precisam mesmo. Há meninos que não usufruem de escalão, mas que realmente precisariam do empréstimo e não o podem ter (adivinhem… os escalões são atribuídos pela Segurança Social mediante o IRS… Já todos perceberam, correto? A corrupçãozinha de todos é o que é…). Há professores que tanto queriam o ensino à distância com medo da COVID, mas agora não sabem como fazer para gerir filhos menores de doze enquanto trabalham (estas crianças não podem ir para as escolas de acolhimento, uma vez que os pais não são considerados trabalhadores essenciais). Há professores a irem para as escolas visto que os seus equipamentos ou são insuficientes ou não querem prestar o serviço com os seus bens pessoais (e estão no seu direito, porque o Estado não cumpre com o que obriga aos privados: cabe à entidade patronal fornecer os meios ao trabalhador)… Há uma enorme discussão em torno da razoabilidade ou da falta dela, no que diz respeito à aplicação dos tempos síncronos. Para os especialistas é demasiado tempo em frente aos ecrãs, mas para os pais, que estão em teletrabalho nem tanto assim… Na verdade, os miúdos passam naturalmente imenso tempo nos jogos sem que os pais exerçam a sua parentalidade responsável e os impeçam… Há um Governo impreparado, feito de filhos deste país, que nunca planeia à distância, nunca investe no que é necessário e sempre poupa onde não deve!

Enfim… Temos uma nação valente e imortal às turras, numa casa onde não há pão, mas onde toda a gente ralha e ninguém tem razão!

Eu… Só quero que o maldito vírus se encolha de uma vez e me devolva a vida!

 Nina M.

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