Seguidores

sábado, 27 de junho de 2020

Crónica de Maus Costumes 188


Os Rankings da desvalorização

Hoje, saíram os rankings que posicionam as escolas no que diz respeito aos resultados dos exames nacionais. Quem está bem posicionado fica feliz e quem não se encontra nos lugares cimeiros compreende que esses resultados dependem de muitos fatores externos à escola.
Começo por felicitar todos os alunos que contribuíram para o sucesso das suas escolas e também, obviamente, os professores que os acompanharam e com eles trabalharam. Certamente, os bons resultados permitem o cumprimento dos objetivos dos alunos. No entanto, há muito a dizer sobre esta lista de escolas que induzem muitos em erro. O esforço dos alunos e dos professores é meritório e justamente reconhecido, porém, não é a média obtida em exames que define a pouca ou muita qualidade de um estabelecimento de ensino. Uma palavra de apreço ao senhor Secretário da Educação, João Costa, cujas sinapses parecem funcionar e reconhece precisamente esta falsa impressão que os rankings podem gerar.
Todos os anos, os colégios privados aparecem nos lugares cimeiros. Este ano, a escola pública com os melhores resultados aparece em 34º lugar. O que levará a que tal aconteça? Desde logo, a principal diferença: os alunos que as frequentam. As expetativas que eles e os próprios pais têm em relação ao seu futuro, a valorização do papel da escola, o meio socioeconómico e o investimento que fazem no estudo, estabelecem toda a diferença. Os colégios têm um público-cliente diferenciado e quase escolhido. Muitas vezes, desconhecem a palavra inclusão e, depois, os alunos não respiram e os seus professores também não, numa luta desenfreada, cruel e patética até, pela mediazinha que pouco diz do aluno enquanto ser humano e futuro profissional. Uma das melhores professoras de Português que conheço, de uma escola Secundária que não vem ao caso, coloca os seus alunos a trabalharem que nem doidos… Eles resmoneiam e os pais também, porque os exames que vão fazer este ano são outros que não o de Português e, no entanto, o que esta docente faz comparado com a carga exaustiva de trabalhos dos colégios até é suave… Portanto, o segredo parece residir no empenho e na ajudinha extra, que muitos alunos têm. Não que eu desvalorize os resultados (defeito de profissão e que o digam os meus filhos), mas quando vejo alunos a esgadanharem-se e a desesperarem-se para melhorarem umas décimas de uma média que já de si é brilhante, interrogo-me para onde caminhamos… De que vale uma média altíssima se depois falham outras capacidades? Se depois até se desiste de algo que se estava a fazer longe de casa, porque faltam os pais e o copinho de leite antes jantar? Se depois falham as competências sociais e a inteligência emocional?
A classificação é importante, mas não é tudo. Aliás, as Universidades Públicas servem, mais tarde, para garantir o banho de humildade necessário e os alunos lá se vão interrogando para onde vão as belíssimas classificações do secundário, pois parece que, de repente, tiveram uma qualquer paralisia cerebral. Não acontece, mas a instituição zeladora pelo saber trata de nos mostrar que somos apenas um pequeno ponto neste imenso universo e que alguns dos mais conhecedores sentam-se na sua cátedra, à nossa frente, com um mísero olhar entre o desdém e a comiseração. É a vida… Há que aprender a resiliência e saber lidar com a frustração. Quem anda habituado aos dezassetes não gosta dos dozes e dos trezes que hão de vir, mas tudo se aprende, porque o Homem é um animal de hábitos e desvanece-se a vaidade.
Desta forma, a melhor média obtida pelos alunos em certas escolas não as tornam melhores do que outras. Deve-se atender ao meio socioeconómico em que a escola está inserida e ao perfil dos alunos que as frequentam. O esforço que um aluno de catorze faz para chegar ao dezassete é meritório, mas não mais do que o empenho que o aluno de cinco faz para chegar ao dez! De igual modo, as escolas de meios mais desfavorecidos, onde as famílias desestruturadas abundam, onde a escola não é entendida como elevador social e nem o saber e a cultura são valorizados, porque não faltam doutores desempregados por aí e porque para ganhar dinheiro não é preciso estudar, já cumprem com excelência o seu papel quando conseguem reduzir o abandono escolar, através da sua oferta educativa, quando conseguem colocar miúdos no mercado de trabalho com capacidades para virem a ser bons profissionais, quando está a incluir e não a excluir. Quando consegue que meninos condenados a priori venham a ser cidadãos de primeira! Por estas razões, lamento que o Ministério não faça um investimento sério no equipamento de escolas para cursos profissionais, a iniciar logo nos sétimos anos de escolaridade. Talvez a desmotivação e o insucesso fossem evitáveis! E pensassem também em adequar os programas para estes alunos, porque por muito que eu goste e me entusiasme com Camões e Eça e Pessoa, quem gosta de maquinaria está a borrifar-se para a beleza e grandeza dos versos: “Valeu a pena? /Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena/ (…) Deus ao mar o perigo e o abismo deu/Mas nele é que espelhou o céu”.
Só para mim continua a fazer sentido ano após ano recitá-los com ânsia de contágio… Ou resta-me fazer como dizia Saramago, que considerava que tentar convencer o outro de alguma coisa só revela intolerância…
Nina M.




Sem comentários:

Enviar um comentário