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sábado, 4 de janeiro de 2020

Crónica de Maus Costumes 162


Venha 2020 !

                Em cada novo ano que se inicia (ainda que não seja novo ano em toda a parte do Planeta), as pessoas gostam de expressar a esperança e desejo num mundo melhor. Normalmente, seguem os bordões da paz, saúde, prosperidade e felicidade. Não gosto de todos os estribilhos. Aprecio uns e outros, apenas os considero vazios e inócuos.
                Obviamente, também gostaria que a paz reinasse, no entanto, sei que não acontecerá. Há guerra desde que o Homem se conhece e não é o facto de 2020 ser um número redondo e giro que a situação se alterará. Eu sei. É o meu cinismo (faceta que também albergo) a falar, mas absolutamente racional e realista. Posso expressar esse desejo, nada me impede, fica sempre bem e é politicamente correto, mas na verdade, é profundamente ingénuo acreditar que será possível. Não há mudanças drásticas no mundo. Depois, relativamente à saúde… A verdade é que todos a desejamos para nós e para os que nos são próximos, mas nem sempre é possível. Serão muitos os que adoecerão gravemente e morrerão ao longo do ano que acaba de iniciar. É a vida. Não há nada a fazer. Não depende da nossa vontade. Finalmente, a prosperidade bafejará, em princípio, os que trabalham para a alcançar. Quem esperar um euromilhões vale mais que se sente para não se cansar. De modo que estas três vontades, abundantemente propaladas, não são estúpidas, mas são vazias, dada a dificuldade ou quase impossibilidade da sua realização ou pelo facto de não estarem diretamente dependentes da querença do ser humano. Desta forma, prefiro expressar votos de uma ação menos grandiosa, porém mais à dimensão humana e mais exequível.
                Que cada ser saiba olhar para dentro e se procure conhecer. O confronto connosco é difícil, porque nos expõe à miséria e à fraqueza de que é feito o Homem. Todavia, depois de reconhecidas as falhas, reunimos as condições para começarmos a tarefa hercúlea de nos melhorarmos. Não acredito em soluções rápidas e fáceis para o mundo, mas acredito que se cada ser se empenhar em ser melhor, o mundo não ficará perfeito, já que o Homem é feito de imperfeição, mas será um lugar mais aprazível e acolhedor. A renovação não deverá ser feita de fora para dentro mas antes de dentro para fora.
Assim, de facto, (e este bordão aprecio) não é o mundo que tem de mudar, mas cada um de nós, para que o ano possa ser melhor do que o anterior. Haverá variáveis que não controlaremos e teremos de aprender a viver com elas. Talvez assim se chegue à almejada felicidade. Será o que tentarei fazer, certamente com muito tropeção, erros e cansaços, mas com o objetivo de me tornar uma versão melhor em mente. Se cada ser conseguisse ser menos egoísta, menos orgulhoso, menos azedo, menos intolerante e de juízos fáceis…  Se cada ser pudesse operar essa mudança e deixar-se contaminar pela bonomia e pela alegria, o ano estaria bem encaminhado. Tentarei cumprir o meu papel. Também sei que falharei algumas ou até muitas vezes, mas que possa reconhecer o erro e, tal como Sísifo, recomeçar dia após dia, ainda que “veja o logro da aventura”, como diz Torga. Que importa se eu faço e o outro não? Que importa que o Homem falhe a sua humanidade? Que essa pequenez não me retire a consciência e a vontade de evoluir nem a necessidade de apresentar um contributo positivo aos que me rodeiam!
Deixo o meu voto de bom ano, expresso em boa poesia de Miguel Torga. Palavras que não me pertencem, mas que me agigantam a alma e me emocionam.

Nina M.

  
Recomeça....

Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheça...
                                
                                   Miguel Torga










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