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sábado, 6 de outubro de 2018

Crónica de Maus Costumes 101


Em demanda do amor

   Hoje, a crónica sabe-me a recomeço. Deu a volta e começa de novo. Introduzo uma novidade por sugestão de uma amiga e leitora: tentarei encontrar um subtítulo para cada uma delas, para facilitar a procura, caso a queiram reler, já que os números dizem pouco. Já me tinha ocorrido, todavia, por vezes, o título faz-se tão caro que por preguiça usei o número.
No início era o Verbo que depois se fez carne e homem e trouxe o amor, talvez com a pretensão de que pudesse ser a verdade eterna, o reflexo do pensamento divino e a lei absoluta do ser. Porém, esqueceu-se o divino que o Verbo feito homem já não era o primeiro sobre a terra e que todos os outros se encontravam já manchados pelo pecado original. Adão e Eva, que desobedeceram ao criador e, tal como Pandora não resistiu à abertura da caixa, espalhando todos os males do mundo (vá que a conseguiu fechar a tempo e assim o homem conservou a esperança) também eles sucumbiram à tentação e experimentaram o fruto proibido, manchando a humanidade, que nunca mais se endireitou!
Deveria ter-se acabado aqui a teimosia do homem em se querer igualar ao divino, mas ele é caprichoso, ambicioso e ufano, logo não lhe chega a imagem à sua semelhança, também lhe deseja a prepotência e o absoluto. De maneira que foi necessário que o Enviado chegasse para repor alguma ordem e lembrar o que de mais importante poderá haver no Homem, através dos seus dois mandamentos, síntese da sua doutrina: Amar a Deus sobre todas as coisas e Amar o próximo como a si mesmo. O segredo para uma vida boa e bela está, portanto, no amor!
Não admira que o mundo ande desgovernado se o desamor é abundante. Se há humanos capazes de amar, também os há capazes de lançar o ódio e a desgraça alheia. Assim se tem perpetuado a espécie, nesta ambivalência, com maior peso do lado da desgraça, mesmo que já se tenham passado XXI séculos após a disseminação da boa-nova!  
Vendo que pouco consegue no coletivo, o Homem lança-se à procura do amor na esfera da sua privacidade, no entanto, os exemplos, ao longo dos tempos não são animadores. Orpheu, na sua rebeldia e insistindo na vivência de um amor bem vivo e terreno, bem tenta libertar a amada das garras de Hades, com génio e belas palavras, mas sentiu o sabor acre da derrota, depois de quase ter alcançado a vitória. Não há nada mais penoso do que a perda, depois de quase se alcançar a glória! Não perdeu o amor, antes saiu vitorioso, já que Orpheu sempre o manteve vivo por Eurídice e por essa teimosia foi morto. Os trovadores tangem a sua coita de amor causada pela insensibilidade e distância da sua “senhor”. Romeu e Julieta, impedidos de viver o seu amor, só encontram a liberdade almejada na morte. O nosso Camões vive mortificado apontando o “amor ardente” como uma das causas da sua desgraça, aspirando ao sublime através do amor platónico e, então, no século XIX, a expressão do amor excessivo, por vezes sublimado, ganha expressão doentia.
Assim, o amor romântico idealizado, tido como verdadeiro e absoluto, tem revelado ao longo dos séculos duas características comuns: distância e sofrimento.
Estará o homem sedento de amor condenado ao sofrimento? A ser verdadeiro, o amor não se cumpre, mas mantém-se, apesar da inacessibilidade ou vive na leveza, mas desgraçadamente, porque nunca sentiu o sabor de um amor eterno!
Cada um escolha a fórmula que melhor lhe aprouver. Ou se lamenta por conhecer o amor e não o poder ter ou ambiciona o amor verdadeiro e incomensurável, mas não o alcança!

Nina M.

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