Palavra dada, palavra honrada
O Natal foi regado com Moët & Chandon, espécie de promessa antiga que o
meu mano decidiu pagar porque alguém o terá presenteado com uma. Não foi
egoísta ao ponto de a beber sozinho e decidiu partilhar o néctar, sugerindo o
assunto para a crónica.
As reações não
foram consensuais. Uma das cunhadas estremecia. Sabia-lhe a amargo. O pai
declarava que preferia o seu Contemporal ou Raposeira meio-seco. Eu declarei logo
que aprecio o meio-seco, mas que este bruto era bom, até porque não aprecio o
espumante doce, do género Asti Gancia (acho que deveria cobrar publicidade
nesta crónica). O champagne era brut e, como se sabe, deveria acompanhar
refeição e não o doce, mas a garrafa era única e nós muitos, logo para acompanhamento
de refeição, nem para um singelo bochechar chegaria. Eu já não me lembro como
surgiu a promessa. Sei que num jantar qualquer em que nos encontrávamos todos,
eu lá soltei qualquer coisa como se fosse uma Moët & Chandon é que era bom
e o mano mais velho lá disse que não era coisa que não se pudesse experimentar
e declarou, solenemente, que um dia traria uma. Ora… Se fosse um Dom Pérignon
era bem mais caro, acrescentei, mas ainda assim, engolir trinta e tal euros,
num pequeníssimo instante que rapidamente se esvai, era coisa que me custava.
Isso e comida… Deus me livre! Não como que se justifique tal! Muito menos de
momento, com as minhas intolerâncias! Eu faço logo as contas em livros (o mais
barato) e em viagens (o mais caro).
Se andar atenta… Ainda por estes dias
poderia ter comprado quatro livros por vinte euros. Não o fiz. Comprei um há
pouco por esse valor, mas não o arranjava mais barato. Se usasse a Vinted, com
jeitinho, conseguia cinco ou seis livros pelos trinta euros. Garantem-me horas
de prazer e conhecimento e são peças únicas que enfeitam as minhas estantes e por
lá permanecem. Se me apetecer, posso revisitá-los, enfim… Os livros são coisas
sólidas e perenes. De modo que entre gastar dinheiro em vinho ou em livros, eu
fico com os livros! Além disso, como dizia o senhor Claudino: É vinho!
Certo é que
quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré, logo, meus caros familiares,
tendes é jeito para pobres, porque quem experimenta Moët & Chandon e faz
caretas ou prefere Raposeira, está bem como está. É o pé que puxa para o
chinelo… Nada a fazer… E se eu fosse o caco Antibes do Sai de Baixo, diria: “Detesto
pobre!”, “Tenho horror a pobre!”
Agora, que a
promessa foi cumprida, tarde ou nunca voltarei a beber do mesmo, pelo menos que
seja eu a comprar… Enfim…
O meu irmão mais velho tem destas
coisas. Gosta de agrados e, por isso, para todos os sobrinhos, o tio Paulo é
que é fixe. Também cumpriu a promessa de lhes fazer a francesinha, no dia 23,
quando se celebrava os 58 anos de casados dos avós. Não sei que lhe deu para
cumprir tudo de enfiada… Eu acho que foi para pagar a penitência do que me
agastava quando éramos pequenos! Era uma melga que me arreliava fortemente.
Andávamos sempre pegados e era certo e sabido que a mãe, já sem paciência e
farta de nos aturar, distribuía uns chapotes a cada um para resolver a questão.
Irritava-me sobremaneira! Chateava-me a cabeça e ainda levávamos por cima! Se
fosse hoje, eu haveria de ficar caladinha, sem pestanejar, mas quê… Inocência…
Éramos o cão e o gato, mas sempre um atrás do outro. O mais velho e a do meio.
O mais novo não entrava nestas guerras.
Esse meu irmão
mais velho dá-lhe para pancas! Ainda solteiro, comprou uma moto, apesar de ter
carro. Não sei se uma Susuki ou Kawasaki, mas era daquelas que se deitam nas
curvas, a parecer moto de pista e queria levar-me a dar uma volta. Nunca!
Primeiro, sabia que ele gostava de dar
gás e, depois, lembrava-me bem dos dois grandes tombos que tinha dado com ele
na bicicleta e que me deixaram toda arrebunhadinha! Ainda hoje tenho os joelhos
impróprios de uma “lady” à conta dos tombos! Um deles foi nos pavilhões (assim
designávamos), o largo da escola primária em que andámos e que era um pavilhão
de madeira provisório, constituído por duas salas, que perduraram mais de vinte
anos, talvez. Imediatamente atrás da escola, era monte, com eucaliptos enormes
que deixavam o terreno cheio de bugalhas. Claro que o meu irmão teve a ideia de
jerico de me levar com ele na sua bicicleta, que tinha um selim comprido, onde
cabiam dois rabos magros de petizes. Éramos ambos escanzelados, portanto,
cabíamos perfeitamente… Bem lhe gritava para ir devagar, mas quanto mais lhe
dizia, mais ele pedalava… Logicamente, uma derrapadela nas bugalhas foi a morte
dos dois artistas! Joelhos, cotovelos e mãos numa desgraça! A outra vez foi em Fundo de Vila. Não sei que
recado foi levar ao senhor Claudino, mas não queria ir sozinho e lá me
convenceu a acompanhá-lo, mais uma vez de bicicleta. Fi-lo jurar que ia
devagar, mas claro que depressa se esqueceu e, mais uma vez, houve tombo e
arranhadelas em barda. Não admira que em pouco tempo rasgasse as calças que a
minha mãe lhe comprava. Era catraia, admite-se, agora, moça já nas casa dos
vinte, já não me apanhou na moto. Nunca! Nem uma única vez! Não fosse o Diabo
tecê-las... Deixei isso para a minha cunhada que é corajosa ou inconsciente, vá
lá saber-se! A fronteira entre ambos é ténue…
À medida que
o tempo foi passando, desapareceram as implicâncias e sobrou a irmandade.
Quando um chegava a casa e o outro não estava a primeira pergunta que se fazia
à mãe era: O João Paulo? (no meu caso)
ou a Sónia? (no caso dele). Hoje, é o irmão que me vai levar e buscar ao
aeroporto, por morar a 10 minutos dele, e ainda me oferece almoço ou jantar.
Sempre amigo de fazer vontades.
Acho que deve estar a pagar por todas
as arreliadelas causadas… Se pensar bem… Com jeitinho, mano, só com uma Dom
Pérignon te podes redimir!
Nina M.
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