Cinquenta anos
A escola que frequentei
como aluna e na qual, atualmente, sou professora, celebrou cinquenta anos de
existência, há uns dias. Nasceu no mesmo ano que eu e é dezoito dias mais velha…
Quando
a conheci, éramos ambas adolescentes, mas ela mais acabada do que eu, porque
deixava entrar água nalguns espaços, havia uma sala onde nasciam pequenos
cogumelos e era gélida e inóspita. Ainda assim, a escola era bem melhor do que
a preparatória, que era mais velha, ainda, e onde havia aulas ao sábado de
manhã, o que me deixava profundamente irritada.
Gostava mais do
liceu (como chamávamos à secundária) do que tinha gostado da preparatória. Era
maior e os miúdos não eram tão grunhos. Não havia um senhor Ferreira com um
molho gigantesco de chaves na mão a distribuir mosquetes a torto e a direito
sobre as cabeças dos petizes encurralados num pátio, enquanto aguardavam pelos
autocarros. « Eiriz, Sanfins da pacense ! » - gritava o senhor Ferreira
a plenos pulmões. A catraiada desse autocarro furava e corria desabrida no
corredor estreito de acesso à rua, guardado pelo funcionário. De cada vez que
vinha ao portão espreitar os autocarros que já tinham chegado, havia sempre meia-dúzia
de atrevidos que avançavam as correntes a servir de gradeamento e se
infiltravam no corredor, atrás do funcionário, que nos queria a todos do outro
lado do perímetro. Era nessa altura que ele se virava, irritadíssimo, com a sua
mão defeituosa, e distribuía cacetadas com o molho de chaves. Ocorre-me, agora,
que ele deveria ser o guardião de todas as chaves da escola ! Eu… Sempre
atenta e com receio de que alguma vergastada me pudesse acertar inadvertida e
injustamente. Lá aguardava, pacientemente, a suportar os encontrões até ouvir : Ferreira e
Vilela, Albano Esteves !… Tudo aquilo me lembrava dos touros prestes a
entrar na arena e eu nunca fui fã de touradas…
A chegada à
secundária, libertou-me da bruteza e até já era crescida o suficiente para
poder vir para o pátio do Star, o café, aguardar a chegada do autocarro, na paz
do Senhor. Não guardo recordações extraordinárias desse tempo. Na verdade, a adolescência é uma fase difícil
e sei que era bem mais feliz a correr os montes, até Ferreiró Fundo, junto ao
rio Ferreira, próximo do atual bosque das Quintãs que, na época, era ladeado
por lameiros cultivados ou a explorar os castelos de madeira encastrada ou a
jogar ao trinta um com a ganapada da aldeia. Uma infância feliz, num meio mais
rural, ainda, do que era a pequena cidade de Paços.
Naquela época, a escolaridade
obrigatória era apenas o sexto ano, o que implicava a seleção de miúdos mais
cedo, um ambiente mais ordeiro, cívico e respirável. Havia a D. Carminda, o
senhor Abel, a D. Conceição e o senhor Nuno, um funcionário mais novo, que gostava
de meter conversa com a ganapada e que brincava connosco. Havia ralhetes, mas
não havia mosquetada e era muito mais tranquilo. Também não havia aulas ao
sábado, o que era um prazer !
Na segunda metade
do século XX , a escolaridade obrigatória era apenas o sexto ano. Comecei a
trabalhar e esta regra ainda se mantinha. Depois, passou a ser o nono até
chegar ao atual décimo segundo ano. Em 1991, apenas 30% da população terminava
o secundário, na região do Tâmega e Sousa. Em 2023, 98,3% terminou a
escolaridade obrigatória. O abandono escolar foi drasticamente reduzido, através
de políticas de inclusão social e de apoios para famílias mais carenciadas. Foi
feito um esforço tremendo pelo país, pela escola e também pelas autarquias para
chegarmos até aqui. O ensino profissional permitiu reduzir o abandono escolar e
é imperioso que nele se continue a apostar, melhorando-o, até porque os estudos
comprovam que os países europeus mais desenvolvidos economicamente, apresentam
um ensino profissional forte. A Criação dos CTESP segue esta política de
investimento na educação. Portanto, não são legítimos os discursos apocalíticos
sobre a educação. Muito tem sido feito e muito continua por fazer. Nem tudo
está péssimo e nem tudo está ótimo. É preciso continuar a caminhada. Neste
percurso, gostaria que os jovens compreendessem a importância da escola, mesmo
que esses tempos possam não ser os mais felizes. Na escola, crescemos ; na
escola, nos educamos ; na escola, adquirimos competências para a vida ;
na escola, criamos laços e afetos. A minha vida foi e continua a ser feita na
escola, que me tem trazido tanto : alegrias e dores, prazeres e cansaços,
afetos e indiferenças, enfim… Tudo aquilo de que uma vida se compõe !
Agradeço à ESPF a
minha formação de base, à UTAD, a minha formação e os anos de alegria, vividos
junto dos melhores amigos que se poderia desejar e onde fui, ingenuamente,
feliz. Agradeço a todas as escolas por onde passei (são muitas, cerca de
dezasseis), porque em todas elas aprendi.
Parabéns, ESPF !
Venham lá outros cinquenta, mas que, entretanto, algures pelo caminho, eu me
possa reformar !
Nina M.