“Cá nesta Babilónia…”
Vi, durante
a semana, a reportagem do programa Linha da Frente, que passa no final do
telejornal da RTP1, sobre a noite de Lisboa. Intitulava-se “Lisboa Infernal”,
mas se o título da reportagem fosse “Lisboa, uma nova Babilónia”, não lhe
ficaria mal.
Imediatamente
me ocorreram os versos de Camões (é mais do que justo que o vá lembrando,
quando comemoramos o V centenário do nascimento do príncipe dos poetas):
Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;
[…]
Leiam o soneto, porque vale a pena.
No soneto, a Babilónia (cidade de referência bíblica, criada no pós-dilúvio) é
referente ao Oriente, para onde Camões foi desterrado, numa espécie de
autoexílio, mas onde a vida também não lhe correu bem. Todas as misérias e
azares aconteceram ao enorme poeta de génio destemperado, já o próprio dizia,
numa autorreflexão, “Erros meus, má-fortuna, amor ardente/ Em minha perdição se
conjuraram…” No soneto, o Oriente é plasmado como terra de vícios, onde o bem
não frutifica e onde o mal grassa e se sobrepõe à honra, onde o amor puro é
substituído pela luxúria e lascívia, associada à “Mãe”, que representa Vénus, a
deusa do amor sensual. Enfim, uma terra viciosa, corrupta, em que a Nobreza e a
Monarquia cedem à tirania e à vileza. Porém, na Chave de ouro (último terceto),
Camões revela esperança de redenção e fé no regresso à terra de Sião, mais uma
referência bíblica, lida como Terra Prometida ou Jerusalém. Simbolicamente,
poderia representar o seu desejo de regresso à pátria amada.
Se Camões
regressasse à sua Lisboa, talvez constatasse que não andará longe da Babilónia
descrita, por isso, me lembrei deste seu soneto enquanto via a reportagem.
A noite de Lisboa está tomada por um
turismo selvagem, de massas, de catraiada miúda que nada oferece à capital a
não ser confusão, barulho, vandalismo, violência e muito lixo. O Cais do Sodré
e o Bairro Alto perdem a sua identidade ao serem invadidos por milhares de
estrangeiros, num turismo de massas de curta duração, muitas vezes de fim de
semana, apenas, afastando as gentes que ali viviam (agora, tudo está
transformado em alojamento local) e afastando aqueles que pretendem um turismo
de qualidade, que procuram a cidade pela sua beleza, pela sua tradição e pela
sua cultura que, na verdade, é aquele que deve interessar ao país. Assim, a
capital é invadida por jovens que vêm para cá com um único intuito: beberem até
cair, sem gastar muito dinheiro. As ruas do Bairro Alto ficam à pinha, até de
madrugada, com jovens que andam de bar em bar a emborcar shots e cerveja. As
ruas transformam-se em salas, por falta de capacidade de os estabelecimentos
conseguirem albergar tanta gente e a festa faz-se na rua. Os bares têm os seus
relações-públicas, que não passam de aliciadores que arrastam os jovens para o
bar que representam e lhes oferecem uma quantidade tremenda de bebida por poucos
euros. Deixam as ruas imundas, cheias de lixo, urinam em todas as esquinas,
fazem uma barulheira infernal. Muitos compram bebidas nos supermercados, levam-nas
para a rua e fazem a festa até à hora que lhes apetece, sem regras nem proibições.
O policiamento é parco, porque não há agentes suficientes e a criminalidade
relacionada com este fenómeno de invasão temporária, mas constante, porque saem
uns e entram outros, aumenta. A par do álcool andam as drogas, vendidas e
compradas à descarada, num negócio insano e lucrativo e também as constantes
rixas violentas entre uma juventude desregrada, alcoolizada e drogada.
A reportagem era sobre Lisboa, mas pelo
que vou sabendo, a noite do Porto não está muito diferente. Na verdade, estes
miúdos vêm para cá fazer o que não lhes é permitido fazer nos seus países de
origem. Na nação vizinha, em Madrid e Barcelona, ninguém pode beber álcool na
rua, a partir das 22h00. Pelos vistos, aqui, vale tudo, incluindo a venda de
álcool a miúdos de catorze ou quinze anos, sem que ninguém se incomode com a
tenra idade dos catraios.
É sabido que a juventude é dada a
excessos, não é necessário abrirem as portas de par em par, porque os jovens já
têm tendência para as arrombar, por natureza, mas vir gastar dinheiro numa
passagem aérea e em estadia para se embebedarem e drogarem à vontade, sem
apreciar ou sequer conhecer a cidade ou beber da sua cultura, é tão-somente
estúpido. Estar em Lisboa e não ir aos Jerónimos, à Torre de Belém, ou ao Castelo
de S. Jorge, no mínimo, deveria ser proibido!
Não deixa de ser curioso… Lisboa, já
no tempo de Camões, era uma cidade cosmopolita, pejada de estrangeiros, uma das
maiores Metrópoles europeias e também, reza a História, imunda e fétida, mas
isso… Naquele tempo, ainda era o “água vai”, gritado das janelas para esvaziar
os penicos cheios dos líquidos noturnos… Quem sabe, afinal, Camões nem
estranhasse tanto, ele, que tanto frequentava os serões nobres como o mais
baixo bordel… Não terá sido por acaso que morreu de sífilis.
Quanto a nós, talvez seja necessário
definir o tipo de turismo que se quer atrair e seria bom que as edilidades
impusessem algumas regras de conduta aos que nos visitam, semelhantes ao que se
faz noutras metrópoles. Contrariar um pouco os brandos costumes não faz mal a
ninguém…
Nina M.
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