O que seguirá após uma ditadura?
No final do ano de 2024, o mundo
deparou-se com a queda do regime de Bashar al-Assad. Houve celebrações, naturalmente.
Quando uma autocracia se desmorona, a alegria invade o povo.
Bashar al-Assad manteve-se no poder
ao longo de 24 anos, mas o poder está concentrado nas mãos da família há mais
de cinco décadas. O pai de Assad, Hafez al-Assad, foi governante durante 30 anos,
após o golpe de estado que o levou ao poder, em 1971. Morreu em 2000 e o
sucessor deveria ser o seu filho mais velho, Basil, mas este tinha morrido num
acidente, em 1994. Foi assim que Bashar se tornou o herdeiro do poder na
família. Para tapar olhos, foram sendo realizados referendos populares que
ratificavam o poder de Assad, porém, também Salazar organizava eleições, que
sempre ganhava, apesar da insatisfação reinante, mas que era reprimida pela
perseguição política e pelo medo. Também o regime de Assad foi tudo menos
democrático e, por isso, durante a Primavera Árabe, em 2011, os dissidentes
tentam derrubá-los. O país mergulharia numa guerra civil interminável com os
rebeldes a acusarem Assad de usar armas químicas contra o seu próprio povo. A
Comunidade Internacional tentou perceber o que se passava. Os Estados Unidos da
América eram governados por Obama, que teve de lidar com este dossiê com pinças,
após a polémica das supostas armas químicas do Iraque que nunca apareceram. A
guerra civil prolongou-se, deixando um manto de destruição e uma Damasco,
outrora bela e imponente, em escombros, entulho e sangue. Assad, como qualquer ditador,
era exímio em eliminar os seus inimigos. O apoio da Rússia e do irão foi-lhe
imprescindível para se perpetuar no poder. De modo que a derrocada de gente
assim não deixa pena e ainda fica aquém no que concerne à vontade de saciar a
fome de justiça. Também como qualquer ditador, foi descoberta a riqueza, o
luxo, a ostentação pornográfica da sua riqueza num país devastado, o que também
não surpreende ninguém, porque essa escória é assim que vive. No entanto,
pressentindo o perigo, o déspota fugiu célere para junto de quem sempre o amparou.
Talvez os rebeldes tenham conseguido tomar Damasco porque quer a Rússia quer o Irão,
dada a conjuntura, deixaram de poder prestar-lhe o apoio necessário. Têm as suas
próprias contendas. Os telejornais abriam com o derrubar das estátuas, símbolo
do culto ao ditador, e criava-se um certo júbilo.
Não festejei em demasia, porque a
primeira coisa que me ocorreu foi interrogar-me sobre quem o sucederia e quais
as intenções. O médio-oriente sempre foi e há de continuar a ser um território
conturbado. Dou por mim a pensar que aquela gente não é capaz de viver em paz…
Não sei… Talvez a vida lhes pareça demasiado monótona e precisem da adrenalina
de andarem num jipe, a fazer gincanas pela rua fora, de metralhadora em riste a
disparar para o ar. Tudo aquilo nos parece surreal, uma cena improvável de
filme…
Assumiu o
poder Ahmad al-Charaah, que esteve, no passado, ligado à Al- Qaida, que afirma
ter renunciado ao “jihadismo”. O novo Governo sírio tenta tranquilizar a
comunidade internacional, assegurando o respeito pelos direitos das minorias,
numa Síria multiconfessional e multiétnica. Porém… Creio que não oferecem qualquer
segurança. A União Europeia prepara-se para, gradualmente, aliviar as sanções
económicas, numa perspetiva de ajudar na recuperação económica e como incentivo
à mudança. Convém, no entanto, não esquecer que Charaah dirige o grupo islamita
radical Hayat Tahrir al -Sham (HTS). Esperemos que não seja a substituição de
um regime ditador por outro de cariz religioso fundamentalista e os sinais
estão aí: na ONU, o novo Governo pediu o fim da ingerência de atores externos,
referindo-se especificamente a Israel, 131 pessoas foram executadas desde a
queda do anterior regime, encontrando-se entre as vítimas mulheres e crianças,
o líder sírio recusou apertar a mão à ministra alemã, mas apertou a do seu
homólogo francês… Os próprios líderes europeus estarão a jogar na defensiva,
porque ninguém sabe muito bem o que esperar dali, apesar das promessas de boas intenções.
Cautelas e caldos de
galinha nunca fizeram mal a ninguém. É uma situação que merece a atenção da
comunidade internacional e a qual iremos, certamente, acompanhar ao longo do
novo ano.
Nina M.
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