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sábado, 11 de janeiro de 2025

Crónica de Maus Costumes 403

 

               O que seguirá após uma ditadura?

               No final do ano de 2024, o mundo deparou-se com a queda do regime de Bashar al-Assad. Houve celebrações, naturalmente. Quando uma autocracia se desmorona, a alegria invade o povo.

            Bashar al-Assad manteve-se no poder ao longo de 24 anos, mas o poder está concentrado nas mãos da família há mais de cinco décadas. O pai de Assad, Hafez al-Assad, foi governante durante 30 anos, após o golpe de estado que o levou ao poder, em 1971. Morreu em 2000 e o sucessor deveria ser o seu filho mais velho, Basil, mas este tinha morrido num acidente, em 1994. Foi assim que Bashar se tornou o herdeiro do poder na família. Para tapar olhos, foram sendo realizados referendos populares que ratificavam o poder de Assad, porém, também Salazar organizava eleições, que sempre ganhava, apesar da insatisfação reinante, mas que era reprimida pela perseguição política e pelo medo. Também o regime de Assad foi tudo menos democrático e, por isso, durante a Primavera Árabe, em 2011, os dissidentes tentam derrubá-los. O país mergulharia numa guerra civil interminável com os rebeldes a acusarem Assad de usar armas químicas contra o seu próprio povo. A Comunidade Internacional tentou perceber o que se passava. Os Estados Unidos da América eram governados por Obama, que teve de lidar com este dossiê com pinças, após a polémica das supostas armas químicas do Iraque que nunca apareceram. A guerra civil prolongou-se, deixando um manto de destruição e uma Damasco, outrora bela e imponente, em escombros, entulho e sangue. Assad, como qualquer ditador, era exímio em eliminar os seus inimigos. O apoio da Rússia e do irão foi-lhe imprescindível para se perpetuar no poder. De modo que a derrocada de gente assim não deixa pena e ainda fica aquém no que concerne à vontade de saciar a fome de justiça. Também como qualquer ditador, foi descoberta a riqueza, o luxo, a ostentação pornográfica da sua riqueza num país devastado, o que também não surpreende ninguém, porque essa escória é assim que vive. No entanto, pressentindo o perigo, o déspota fugiu célere para junto de quem sempre o amparou. Talvez os rebeldes tenham conseguido tomar Damasco porque quer a Rússia quer o Irão, dada a conjuntura, deixaram de poder prestar-lhe o apoio necessário. Têm as suas próprias contendas. Os telejornais abriam com o derrubar das estátuas, símbolo do culto ao ditador, e criava-se um certo júbilo.

            Não festejei em demasia, porque a primeira coisa que me ocorreu foi interrogar-me sobre quem o sucederia e quais as intenções. O médio-oriente sempre foi e há de continuar a ser um território conturbado. Dou por mim a pensar que aquela gente não é capaz de viver em paz… Não sei… Talvez a vida lhes pareça demasiado monótona e precisem da adrenalina de andarem num jipe, a fazer gincanas pela rua fora, de metralhadora em riste a disparar para o ar. Tudo aquilo nos parece surreal, uma cena improvável de filme…

Assumiu o poder Ahmad al-Charaah, que esteve, no passado, ligado à Al- Qaida, que afirma ter renunciado ao “jihadismo”. O novo Governo sírio tenta tranquilizar a comunidade internacional, assegurando o respeito pelos direitos das minorias, numa Síria multiconfessional e multiétnica. Porém… Creio que não oferecem qualquer segurança. A União Europeia prepara-se para, gradualmente, aliviar as sanções económicas, numa perspetiva de ajudar na recuperação económica e como incentivo à mudança. Convém, no entanto, não esquecer que Charaah dirige o grupo islamita radical Hayat Tahrir al -Sham (HTS). Esperemos que não seja a substituição de um regime ditador por outro de cariz religioso fundamentalista e os sinais estão aí: na ONU, o novo Governo pediu o fim da ingerência de atores externos, referindo-se especificamente a Israel, 131 pessoas foram executadas desde a queda do anterior regime, encontrando-se entre as vítimas mulheres e crianças, o líder sírio recusou apertar a mão à ministra alemã, mas apertou a do seu homólogo francês… Os próprios líderes europeus estarão a jogar na defensiva, porque ninguém sabe muito bem o que esperar dali, apesar das promessas de  boas intenções.

 Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. É uma situação que merece a atenção da comunidade internacional e a qual iremos, certamente, acompanhar ao longo do novo ano.

 

Nina M.

 

 

 

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