Carta aos meus filhos e outros jovens
Meus caros, o
mundo atual não sofre uma evolução tecnológica, mas antes uma revolução. O
mundo que conhecíamos até ao momento e a sua organização social, possivelmente,
deixará de existir.
Sabemos que
há profissões que se extinguirão e outras novas serão criadas. Aquelas que estiverem
ligadas às novas tecnologias e ao desenvolvimento da Inteligência Artificial terão
futuro assegurado, mas haverá outras que terão um fim. O homem sempre foi capaz
de se adaptar aos novos desafios que a evolução foi trazendo. A minha avó era
tecedeira e, hoje, já não há tecedeiras, a menos que seja um nicho para
preservação do artesanato, tal como já quase não há cesteiros, latoeiros, entre
outras coisas. Estas pessoas tiveram de se adaptar a uma nova realidade, tal
como uma boa parte de nós terá de fazer. No entanto, pelo que parece, a (r)evolução
tem sido tão rápida que se prevê que, efetivamente, surja uma enorme quantidade
de gente que perca o seu ofício e o seu modo de sobrevivência, uma vez que
grande parte das tarefas poderão ser executadas por robôs e maquinismos, fruto
da Inteligência Artificial. Por isso se fala na hipotética criação de uma renda
mensal atribuída pelos Governos àqueles que perderão os seus empregos. Quase
adivinho um sorriso e o vosso pensamento… Esta desocupação não é propriamente positiva,
ao contrário do que possais imaginar, afinal, ser pago para nada fazer e poder
ocupar o tempo consoante se deseja, parece ser o sonho de muitos! A questão é
que sempre se ficará prisioneiro da boa vontade política e dos lobbys
económicos. Se porventura houver recessões, facilmente se pode imaginar onde
serão feitos os cortes: sempre no que são consideradas gorduras do estado,
mesmo que essas sejam o tal rendimento global, espécie de pensão de
sobrevivência. Na verdade, o que pode acontecer é haver uma minoria a produzir
para uma maioria. Não há auxílios que o Estado possa oferecer sem uma economia
forte e produtora. É preciso primeiro produzir para depois distribuir. Acontece
o mesmo na economia doméstica: não se pode distribuir pelos filhos sem antes
ter produzido, porque quem o fizer, abre falência, na certa. Ora, Um dos que veio
a terreiro falar dessa possibilidade foi uma personalidade que tantos de vós
admirais, mas que pouco tem de admirável: Elon Musk. Foi este senhor que veio
recentemente falar do rendimento global. Acontece que este homem não inspira confiança.
Não o imagino a distribuir riqueza por aqueles que não ajudaram a edificá-la, o
que significa que haverá gente nas mãos do critério arbitrário de “meia-dúzia”
de senhores, donos disto tudo.
Confesso que
a ideia me apavora, porque já sou velha o suficiente para vir de outro mundo e
de outro ideal. Sou de uma geração em que cada um de nós sabia que quando
crescesse teria de dar o seu contributo para a manutenção da organização da
sociedade e, se possível, o dever de a melhorar, através do exercício da
profissão e de outros atos de cidadania que cada um possa querer pôr em
prática. Por conseguinte, quando vejo
vídeos de jovens youtubers que dizem aos seus pares que a sociedade está
montada para serem escravos e trabalharem das nove às cinco, todos os dias, e
que não o querem fazer, enfureço! A ira toma conta de mim e só me apetece
distribuir chapadas a estes palonços (um palonço, no Norte, é um aparvalhado,
um estúpido), porque tenho sérias dificuldades em lidar com a estupidez e a
maldade. Quando estas duas se juntam, pior ainda! Lembrem-se de que para terem
comida, alguém a cultivou, colheu, tratou, transformou, distribuiu, vendeu,
cozinhou, até chegar aos vossos pratos. Quando adoecem e recorrem ao hospital
ou clínica ou médico encontram alguém que trabalha para lá das nove às cinco,
imaginem! Trabalham noites inteiras! Para comerem o pãozinho fresco, de manhã,
alguém o fez e distribuiu durante a noite! Para saberem ler e escrever, alguém
vos ensinou das nove às cinco, diariamente… Poderia continuar com os exemplos,
porque eles são infindáveis! Portanto, os meninos gostam de ser fora do sistema,
mas dentro dele! Não querem ser escravos das nove às cinco, mas com os
benefícios que aqueles que o fazem vos proporcionam! Como diria o outro: vai mas
é trabalhar! A
organização social que temos não é perfeita, há que a melhorar, mas é
imprescindível!
Fico
possessa com jovens que fazem meia-dúzia de tretas para imbecis no Youtube e
vêm dizer que ganham quinhentos euros em duas horas e que são uns privilegiados…
Caros jovens… A sorte e a imagem bonita não dura para sempre! Todos vós, se
tiverdes sorte, ireis envelhecer e a velhice não vende! Nem mesmo no Only fans!
Digo eu, que não frequento esses meandros… Portanto, se vos posso deixar alguns
apontamentos em jeito de conselhos futuros são estes: todos nós temos o dever
ético (digo ético em vez de moral, porque deve partir de uma construção pessoal
e não de uma imposição social) de contribuir para a sociedade que nos permitiu
ser aquilo que somos. Ao contrário do que possam pensar, ninguém se faz
sozinho; e uma das formas de fazermos isso é através do nosso trabalho, seja
ele qual for. Depois, estudem! Com a revolução tecnológica da qual comecei por
falar no início da crónica, os mais preparados terão melhores hipóteses de se
readaptarem ao que a nova realidade lhes pedir. Aqueles que nunca quiseram
fazer nada e nada souberem fazer, ficarão à mercê da benevolência de alguns,
sem poderem aspirar a melhorar as suas condições de vida… Não sei se a pseudoprofissão
de youtuber ou de influencer digital para idiotas continuará a
ter sucesso no novo mundo que se avizinha… Quem sabe, porque com tanta gente
desocupada há que lhes dar entretenimento e pela amostra que se vê, o
entretenimento oferecido é deplorável!
Cada um é
livre de seguir o caminho que escolher, evidentemente, só não esqueçam que cada
opção que fazemos traz consigo uma consequência com a qual é forçoso lidar, sem
desculpas nem vitimização, porque a sociedade também só me deve na medida
diretamente proporcional ao que eu contribuo.
Boas entradas para todos. Votos de um feliz ano e
especialmente para vós, meus filhos, duas coisas: sede bons seres humanos, em
primeiro lugar e, em segundo lugar, garanti um bom plano e um bom projeto para
o vosso futuro, com o qual possais retribuir o muito que já recebestes e de que
continuareis a usufruir.
Nina M.
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