Juízos e injustiças
É muito fácil fazer-se juízos de
valor amiúde sobre os outros e, na maioria dos casos, talvez sejam injustos.
Raramente se pensa na pessoa, apenas se olha ao comportamento que analisamos e
condenamos à luz dos nossos princípios e valores, à luz do que somos e como
atuamos.
Não gosto de
pactuar com julgamentos mesquinhos, até porque não sou juiz, mas quantas vezes
damos por nós a tecer reparos a terceiros. Bem… Se a postura e as opções alheias
não interferem em nada com a minha vida, não tenho o direito de tecer
considerações, precisamente, por ser a vida de outrem e não a minha.
Já assisti,
algumas vezes, a comportamentos que se alastram a pequenos grupos de boicote ou
de maledicência em relação a A ou B, às vezes, por minudências, por falta de
empatia, por entendermos que nós fazemos tudo bem feito e só os outros falham.
Tenho dificuldade em lidar com gente
que não sabe desvalorizar a falha do outro, percebendo que não é propositada
nem de ronha e que lhe exige aquilo que não exige de si mesmo. Obviamente, falo
de pequenas falhas, facilmente resolúveis, mas encaradas por alguns como crime
lesa-pátria. Muitas vezes, um pequeno lembrete seria o suficiente, mas o ser
humano gosta de complicar tudo e aborrecer-se por coisas que não deveriam
retirar a tranquilidade a ninguém. Aprender a relativizar a verdadeira
importância das coisas, priorizando o que deve ser priorizado pede maturidade.
Antes de tudo, deve-se saber que o outro é diferente de si e que deve ser
respeitado nessa diferença; depois, deve-se compreender que a nossa visão de
mundo não coincide com a visão alheia. Há quem seja mais previdente e use de
cautela, mas também há os mais impulsivos e impetuosos. Nem sempre um e outro
acertam e está tudo bem. Há quem se dedique 100% ao trabalho e há quem se
dedique apenas 50%. O mercado de trabalho prefere os primeiros, mas a família
talvez prefira os segundos. Em última instância, que momentos guardaremos
connosco antes de fecharmos definitivamente os olhos? Creio serem as lembranças
dos momentos partilhados com os que amamos, com os que gostamos e não as
memórias do quão fomos bons na resolução de determinado problema, na atividade
profissional. Na verdade, isso perde todo o significado diante de uma
turbulência maior. Esta análise não significa uma apologia à incompetência e à
falta de brio. Pelo contrário, estou sempre a pedi-lo (o brio) aos filhos, exijo-o
de mim quanto baste. No entanto, nunca esqueci as palavras do meu obstetra
quando me obrigou a parar aos sete meses, na gravidez da Matilde, atirando-me
para a cama um mês, na perspetiva de a aguentar até aos oito meses de gestação,
o que aconteceu: “no caso de uma mãe perder o filho, ninguém lho devolverá, mesmo
que seja a melhor profissional do mundo”. Estava certíssimo o meu médico e a
Matilde, com a mãe sem se levantar da cama, lá se aguentou até aos oito meses e
dispensou a incubadora. De modo que se alguém me diz que não se pode querer
exigir aos outros o máximo, apenas que cumpra o mínimo exigível, se esse máximo
(normalmente não remunerado) lhe retira tempo que lhe pertence, nem que seja
para não fazer nada, está no seu direito recusar, porque se há algo que o homem
nunca recupera é o tempo perdido.
A quantidade é inimiga da qualidade e
parece-me que falta ao homem aprender a viver em função da qualidade,
descartando o supérfluo e o ruído. O mundo moderno é avassalador, louco e
consumidor de almas. O excesso tomou conta do ser e distinguir o essencial, no
meio de tanta poluição, nem sempre é fácil. O mercado pede que sejamos ávidos.
Ávidos no trabalho, ambiciosos nos projetos, ávidos na preparação do futuro dos
filhos. Ávidos e rápidos quando tudo o que necessitamos é da desaceleração e da
calma. Tempo para ser, para olhar e reparar, para não nos deixarmos de encantar
com a luz matinal fulva ao nascer do sol de outono ou com a flor que desponta
isolada, no canteiro, nem de nos entristecermos com o homem que pede esmola
numa rua… Custa-me sempre negar a esmola a alguém e, no entanto, também o faço,
por desconfiança, porque não se dá dinheiro para a droga nem para o álcool…
Embrenho-me, tantas vezes, no que não se deve fazer, no juízo fácil e prematuro…
Mea culpa…
Em que parte do nosso trajeto deixámos
de ver o outro?
Nina M.
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