Autor e obra
Alice Ann Munro foi uma contista
canadiana que venceu o Nobel da Literatura, no ano 2013. A escritora faleceu
este ano, em maio, com 92 anos de idade e vinha a padecer de demência há dez
anos.
Munro foi
distinguida pela qualidade das suas narrativas, destacando-se a capacidade de
criar grandes histórias com o quotidiano. As suas personagens não são heróis ou
heroínas invulgares, mas seres humanos com a suas vulnerabilidades, as suas
lutas e os seus segredos. As suas narrativas surpreendem pela falta de
linearidade temporal, com analepses e prolepses (recuos e avanços temporais). Era,
muitas vezes comparada ao escritor russo Anton Tchekhov. Pessoalmente, não
gosto destas comparações… Ninguém é o outro além de si mesmo. Munro deve ser
conhecida por si, pelo seu trabalho e não porque o seus estilo lembra, de
acordo com algumas opiniões, este ou aquele escritor. Qualquer escritor será,
certamente, uma amálgama de influência da escrita alheia, as suas experiências
e circunstâncias, o seu pensamento e a sua originalidade criativa.
A vida é sempre trágica e nem sempre
bela. Sobre a fama de Munro, abateu-se a tragédia, quando a sua filha denunciou
que tinha sido vítima de abuso sexual, quando tinha apenas 9 anos e ao longo do
tempo, por parte do padastro, Gerald Fremlin, com quem a mãe se casara em
segundas núpcias. Andrea, a filha de Munro, decidiu revelar a verdade ao mundo,
alegando que este facto não podia ser omitido na biografia da mãe, apresentando
queixa do ocorrido, em 2004. Andrea terá contado ao pai biológico, mas este nada
revelou a Munro. Foi a própria filha, que 16 anos mais tarde, escreveu uma
carta à mãe, em que lhe contava ter sido vítima de abuso desde a infância até à
sua adolescência. Quando Munro confrontou o marido, este admitiu o sucedido,
responsabilizando Andrea. A escritora ter-se-á separado do marido, durante uns
tempos, mas voltou para ele, alegando o amor que lhe tinha. O caso acabou por
ser julgado em tribunal e o pederasta declarou-se culpado e foi condenado, aos
oitenta anos, a dois anos, em liberdade condicional.
A filha não terá perdoado a mãe pelo
facto de esta ter protegido o seu malfeitor, por se ter comportado, nas
palavras dela, como uma mulher traída, concentrando-se na própria dor, em vez
de se centrar na proteção da própria filha, cortando os laços entre ambas. Apesar
da gravidade do caso, não houve grande repercussão e o próprio biógrafo de
Munro decidiu ocultar esta informação.
Evidentemente, a reação de Munro ao
sucedido causa estranheza e alguma incompreensão. Seria Munro, emocionalmente,
tão dependente que não conseguisse afastar-se do malfeitor que acabou com a
inocência da filha? Pelos vistos, ter-lhe-á servido de inspiração para a
narrativa “Vandals”. A opinião pública centra-se no comportamento de Munro, que
escolheu ficar com o perpetrador, mas eu também questiono o papel do pai
biológico, que sabendo o que se passava, até mais cedo do que a mãe, não agiu
em conformidade…
Obviamente, a história é arrepiante.
É impossível ficar indiferente ao sofrimento Andrea e não condenar a inação dos
seus pais, no entanto, o comportamento reprovável não altera a qualidade dos
escritos de Alice Munro.
Assim, é importante saber separar o
autor da obra. O autor é e, certamente, Alice foi, tal como as suas
personagens, um ser humano vulnerável, com as suas loucuras e os seus segredos,
com uma vida vulgar como tantas outras, com a tragédia a que condição humana
sempre está exposta.
Poderá ser difícil compreender como a
escritora conseguiu perdoar o marido (para mim é), porque uma vez pederasta,
para sempre pederasta, como foi que ela não sucumbiu ao nojo moral em relação à
figura de Fremlin, mas não me compete julgar e, muito menos, boicotar a leitura
da sua obra pela sua fraqueza e loucura.
Eu também terei as minhas. Cada um
com as suas. Um dia destes, pego em Munro.
Nina M.
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