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sábado, 12 de outubro de 2024

Crónica de Maus Costumes 390

 

Mulheres

            Han Kang, escritora sul-coreana, ganhou o Prémio Nobel da Literatura 2024. Caso para dizer que filha de peixe sabe nadar. O seu pai é também um reputado escritor. Nunca li nada de Han Kang nem me lembro de ter cruzado com os seus livros, apesar de haver traduções, em Portugal, de alguns deles. Elogiam-lhe a prosa poética e a capacidade de expor a fragilidade humana.

Dois anos depois de Annie Ernaux, o mais prestigiado galardão literário é entregue novamente a uma mulher. Motivo para celebrar. Olho para estes sinais, no mundo ocidental, e penso que possa ainda haver esperança, isto é, que possa servir de exemplo e de estímulo a outros locais onde a mulher ainda é tratada como um ser inferior, uma mercadoria que se compra e vende, que serve de moeda de troca, cujo corpo é usado e abusado conforme os apetites da boçalidade.

Ainda que na sociedade ocidental, ao longo dos tempos, principalmente desde o século XX, o papel da mulher se venha tornando preponderante, a verdadeira igualdade de género permanece por cumprir, para além de não convencer outras realidades e outras culturas a ter um olhar justo e um tratamento digno em relação às suas mulheres. De modo que, de cada vez que uma mulher se destaca, seja em que área for, é motivo de alegria e de apreço. Há quem olhe para a discriminação positiva como uma desigualdade, mas não passa de uma ideia falaciosa. Uma sociedade evoluída e justa entende que é importante trazer a mulher que revela competências para o centro de decisões. Tal como o general Eanes disse, não só é desejável, como também é necessário. Dever-se-á, por isso, atraí-las para certos setores da sociedade, como por exemplo, a política. Se tiver de se criar quotas específicas para a mulher, pois seja feito, até que se normalize a sua presença e ela possa ombrear com o homem nos cargos políticos. É necessário começar a mudança … Estes pequenos passos são sinais de uma eventual transformação. Espero que Kamala Harris possa vir a ser a presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Uma mulher, ainda por cima, filha de pai jamaicano e mãe indiana, liderar uma potência mundial, seria um sinal e um exemplo para o mundo. Já houve uma Tatcher uma Merkel, mas estar à frente dos desígnios da Inglaterra ou da Alemanha, apesar da enorme importância, não tem a mesma carga simbólica que liderar os EUA.

O mundo precisa destes sinais. Portugal precisa destes exemplos. Em cinco décadas de democracia, Portugal apenas teve uma primeira-ministra: Maria de Lourdes Pintassilgo, em 1979. Depois disso, os números não enganam: em 41 anos (até 2015), 25 governos e 15 primeiros-ministros diferentes, foram nomeados para funções governativas 1609 homens e apenas 127 mulheres, 92,7% contra os parcos 7,3%. Depois de Lourdes Pintassilgo, Portugal só voltaria a ter uma mulher ministra, em 1985, quando Cavaco Silva nomeou Leonor Beleza para a pasta da saúde. Após abril de 74, foram feitas apenas 31 nomeações de mulheres para o cargo de ministra (as que frequentam a Assembleia são, na maioria, secretárias ou subsecretárias de estado), o que abre caminho a homens menos qualificados, permitindo que se instalem nos corredores do poder. Segundo o professor de Ciência Política, Michael Baum, há mais mulheres licenciadas e muitas têm doutoramento, logo, são altamente qualificadas, mas a sociedade portuguesa ainda é muito tradicional no que respeita aos papéis familiares.

Atualmente, em 2024, o governo apresenta 24 mulheres, em 59 membros, dez ministros e sete ministras, o terceiro Governo com mais mulheres na história da democracia. Mesmo assim, ficamos aquém do panorama mundial.

É uma questão cultural, como o professor Baum destacou, mas que é preciso combater e contrariar. Prende-se também, naturalmente, com os interesses da própria mulher, mas que me parece essencial uma mudança de paradigma, não tenho a menor dúvida. Plantemos a semente para que a vocação possa surgir.

Mães e pais, eduquem os vossos filhos na igualdade de género. Capacitem as vossas filhas de que tanto podem ser educadoras, médicas ou professoras quanto primeiras-ministras, astronautas ou presidentes da república. Os rapazes já sabem por natureza que podem aspirar ao que quiserem, pois, está na hora de as meninas pensarem da mesma forma. Fala quem se interessa por política, mas nunca sentiu o apelo por esses meandros. Olhai para o que eu digo e não para o que eu faço...

 

Nina M.

 

 

           

 

 

 

           

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