Conversas
-
Para
que queres saber?
-
Quero
saber quais os que já cometi…
-
Preguiça,
gula, luxúria, ira, inveja… Faltam dois… Vai ao google, não me lembro, de
momento. E não são mortais, são veniais.
(Faltaram a avareza e a soberba)
- Olha, já cometi dois… Era para saber se
tinha esgotado a lista…
- Então,
quais foram os que cometeste?
- A preguiça e a gula.
- Passas a vida afirmar que não és crente.
Se não acreditas, para que falas em pecados?
- Para os fazer todos… Isto é tão estúpido…
Não há céu nem inferno nem nada disso e as pessoas desperdiçam o seu tempo a
rezar para nada…
- Sei,
então, estás como uma personagem de Dostóievsky, o Ivan Karamazov que diz que “Se
Deus não existe, tudo é permitido”? Eu
acho que deves ser mais kantiano, nesse aspeto. Fazer de modo que a tua máxima se
possa tornar lei universal, independentemente, de haver ou não uma possível
recompensa. Não me parecem bem esses tratados interesseiros. Deve-se fazer o
bem, porque a consciência assim o dita… Olha que ouvir a mensagem de Jesus, que
é de amor, não faz mal a ninguém.
- Eu acho
que Jesus, sei lá, ele devia ser mais avançado do que os outros e, como naquele
tempo, as pessoas não sabiam nada, deviam ficar malucas e achar que Ele era de
outro mundo e olha, pronto, ficou famoso…
- Ficou tão
famoso que ainda hoje falamos Dele… Sem Internet, já viste?
- Sim… Mas
isso do céu e do Inferno, isso não existe, por isso é desperdício de tempo
rezar e fazer o bem para ir para o céu. Não acontece nada, mesmo…
- Não sei…
- De
qualquer modo, também se houver, deve haver mais gente no inferno…
- Bem… A Igreja
e as religiões são feitas de homens e muitos não entenderam a palavra de Jesus,
outros subverteram e outras manipulam-na conforme os próprios interesses. Mas
olha que tenho ouvido um médico falar das experiências de quase morte de vários
pacientes, que relatam sentir a consciência a abandonar o corpo, outros falam
de luz, de sensação de paz, de encontro com um ente querido… Há estudos feitos
que captaram a alteração das ondas cerebrais e uma presença de atividade
cerebral diferente, nessas circunstâncias… Por isso, esse médico afirma perentoriamente
que a vida continua numa dimensão diferente, que somos energia, átomos, fala da
supraconsciência… Não é Lavoisier que diz que “na Natureza, nada se cria, nada
se perde, tudo se transforma?” Nós somos natureza.
…
Ficou por aqui a conversa com o aborrescente
de dezassete anos. Ele não sabe como eu gosto que ele tenha estas
interpelações. O homem é um ser de angústia e o meu pequeno revela que tem as
suas inquietações. Não fala muito, diariamente, mas vai-se saindo com estas
questões. São questões filosóficas que o interpelam e ele nem sabe…
Não lhe disse que a minha relação com
Deus talvez seja diferente e a imagem que Dele possa fazer não se prende com a
que é narrada por homens. Na ideia de Deus não cabe uma entidade autocrática
que manipula e decide cruelmente os destino dos homens, à boa maneira dos
deuses do Olimpo. O Deus que ordena a Abraão que sacrifique o único filho,
Isaac, para testar a sua fé. Tal comportamento é abominável, mesmo tendo enviado
o Anjo para suspender o crime. Nem é admissível que castigue Job, numa
demonstração de força a Satanás, fazendo-o perder a riqueza, mulher e filhos.
Job permaneceu fiel e, mais tarde, foi recompensado com muito mais do que o que
teve. No entanto, os filhos perdidos não se recuperam. É uma recompensa amarga.
A escritura talvez pretenda mostrar que a recompensa não depende unicamente da
fidelidade a Deus. Job era fiel, mas perdeu tudo, no entanto, não perdeu a fé.
Talvez se queira insinuar que é preciso ter fé, mesmo quando o pior acontece.
Porém, certo é que Job voltou a ser recompensado. Não me parece bem este
comportamento discricionário de Deus, parece uma birra e uma demonstração de
poder. Nem gosto da suposta proteção das tribos de Israel que chacinavam todos
os outros povos que encontravam e se autodenominavam o povo eleito de Deus… A
ideia de Deus não pode ser o do Antigo Testamento, onde encontro pontes com a
mitologia grega… De cada vez que o Homem se atreve a desafiar a autoridade,
leva com o castigo divino cruel, desproporcional e arbitrário. Assim determina
Zeus do seu Olimpo luminoso, tal como os outros deuses. A ideia de Deus só
combina com amor e espírito democrático. É o Homem, com a suas ações e
livre-arbítrio que conduz a sua vida, devendo agir de acordo com a sua
consciência, sem esperar recompensa nem castigo. O Homem deve ser o que deve
ser. Humano, apenas. E talvez isto possa explicar a inação de Deus ao longo dos
tempos. E só assim é compreensível, porque quem tem poder para, arbitrariamente,
punir Job, também o poderia fazer com todos aqueles que são o cancro da
humanidade. A imagem do Deus do Antigo Testamento é absolutamente inspiradora
para todos os ditadores da história: sentem-se poderosos, inatacáveis,
superiores, agindo cruelmente e punindo aqueles que lhes desobedecem… Ora,
Jesus trouxe precisamente a Boa Nova. Uma mensagem diferente… De modo que as
palavras e as ações do Filho desmentem a doutrina anterior. O Velho e o Novo
Testamento não são compatíveis, no meu parco entendimento. Escritos por homens
e interpretados por eles.
Portanto, filho, não haverá céu nem
inferno e a nossa energia talvez se espalhe num infinito e se possa encontrar
com outras energias compatíveis, numa outra dimensão ou nem haverá nada e o Lavoisier
ter-se-á redondamente enganado, em relação à matéria humana.
Pelo sim pelo não, sê kantiano na
construção da tua ética e nunca sairás a perder.
Nina M.
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