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sábado, 7 de setembro de 2024

Crónica de Maus Costumes 385

 

Setembro

Chegou o setembro e as suas rotinas. Veio envolto na melancolia trazida pela chuva, a lembrar que o outono está próximo e que é tempo de voltar às rotinas ou, nalguns casos, reinventá-las e construir outras.

Associamos a rotina ao aborrecimento, a algo que se cumpre por obrigação, por ter de ser e algumas são mesmo aborrecidas, porém, na verdade, é delas que a vida é maioritariamente feita e não dos pequenos interregnos que fazemos para as quebrar. De modo que quando algumas delas se quebram, por força dos acontecimentos, damos por nós a desejá-las, talvez, a ter a possibilidade de repetir aquele almoço ou o café, de repetir o trajeto para o trabalho, de sentar em silêncio após o jantar, em frente a uma televisão desligada, de pegar tranquilamente num livro para ler, de dar o abraço apertado de sempre ou o beijo a quem se quer bem… Pequenos gestos do quotidiano, esquecidos, que não valorizamos, que muitas vezes nos incomodam, mas quando os perdemos, sentimo-nos desancorados.

Só valorizamos o trabalho que nos aborrece quando o perdemos ou quando não temos saúde para o poder fazer; só percebemos o valor do gesto, quando deixamos de poder abraçar aqueles que sempre tivemos como certos ao nosso lado… Lembro-me ainda, enquanto fui professora contratada, de todos os inícios de setembro serem estranhos. As colocações tardias e a chegada a uma nova escola e, para mim, muitas vezes a uma nova terra, deixavam um certo vazio, uma certa falha, por não estar a cumprir com o que eu era profissionalmente. Tendemos a identificar-nos com o que fazemos, ou seja, a reconhecermo-nos no ofício. Aprendi, com o tempo, que estava errada. Todos nós somos outra coisa. A profissão é o que se faz e não o que se é. Seremos as mesmas pessoas se mudarmos de ofício. Talvez a profissão possa contribuir para o que cada um de nós é, mas não nos define. No entanto, essa ausência de rotina deixava o seu vazio.

Terei de me lembrar deste texto, quando o despertador começar a tocar cedinho e eu o amaldiçoar em silêncio, em pensamento, por incapacidade de verbalização matinal. E lembrar-me das palavras do meu “aborrescente” que, pelos vistos, aprecia a rotina diária de tropeçar com a mãe e a irmã na cozinha, para tomar o pequeno-almoço, trocando apenas um bom-dia quase inaudível. Entenda-se: a mãe saúda e obtém de volta uma espécie de grunhido, que devolve o cumprimento. Os adolescentes rapazes quase não falam. Menos ainda ao pequeno-almoço. Todos agradecemos o silêncio matinal até que o café cumpra com a sua missão de nos ajudar a salvar o dia.

Um dia, sentirei falta desta rotina e até do grunhido… Que fazer na falta delas? Não nos sobra outra alternativa senão a de criar outras…

Chegou setembro, cheio de melancolia trazida pela chuva a lembrar o outono e eu sou primavera/verão… Tempo, para mim, de criar outras rotinas até que as próximas férias de verão nos separem.

Está quase a chegar o outono/inverno e eu sou primavera/verão…

Bom recomeço para todos.

Nina M.

 

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