Vinte e cinco de abril, sempre!
Numa
crónica lúcida, Clara Ferreira Alves traçou o retrato do país, antes do vinte e
cinco de abril, como a lembrar a alguns saudosistas que por cá sobejam a vida
miserável que os portugueses tinham.
Assim,
desde o país analfabeto, às poucas mulheres que tinham uma licenciatura e
direito ao voto, à necessidade de pedir autorização ao marido para viajar, à
proibição do divórcio, ao alcoolismo, aos filhos criados com açúcar na chupeta
para os acalmar, dada a ignorância sobre os malefícios do ingrediente, às
cheias que deixaram inúmeros sem teto, tudo foi lembrado. Não falou a cronista nas
crianças que ao pequeno-almoço ou ao lanche ingeriam sopas de vinho ou sopas de
cavalo cansado, mas falou na mortalidade infantil. Não falou da Guerra Colonial…
Há quarenta e nove anos o país pareceria um enorme acampamento de refugiados.
Vivia sob uma mão férrea que impunha a miséria como virtude. Não havia acesso
livre à cultura. Esta era interdita, por ser perigosa e o modo de vida europeu,
nos países já democráticos, não chegava cá. Orgulhosamente sós, como acreditava
o ditador. A imprensa era controlada e a coca-cola era proibida. Um país
pequeno, miserável e inculto, cheio de gente a trabalhar de sol a sol, sem
esperar nada mais da vida do que a sua sobrevivência. Quanto aos filhos, era
como Deus queria… Da ninhada de dez, às vezes, havia oito vivos. Rara seria a
mulher que não tivesse perdido um…. Viaja mais, hoje, um remediado (se o
pretender fazer) do que o maior rico daquela época. Os que suspiram pelo
retorno do ditador não sabem nada da História do país, caso contrário, evitariam
pronunciar tais dislates. Era o país da moralidade, mas em simultâneo, dos
filhos de pais incógnitos e do caso “ballet rose”. Era o país do medo e da
hipocrisia.
O
vinte e cinco de abril foi, portanto, o que de melhor nos poderia ter
acontecido. Planeada, nasci no junho do ano seguinte. Se viesse rapaz, já não
iria para a Guerra, foi o pensamento dos meus pais. Cresci e vivi em liberdade,
o maior bem que um povo pode ter e do qual deve cuidar. Nunca vivi em ditadura,
mas sei ler e leio o suficiente para saber que qualquer regime autocrático é
pavoroso. A democracia, mesmo que nos pareça doente, ainda é um bem de que
dispomos, pelo que é necessário zelar pela sua permanência. Nada é adquirido e
a liberdade custou a vida de muitos para ser desbaratada. É devido a esta
consciência que me irrita a hipocrisia de uma classe política que muito celebra
abril, mas que pouco faz para cuidar da democracia que temos, abrindo espaço
para os extremismos. Não podemos admitir que as instituições que em primeira
instância deveriam zelar pela democracia a façam perigar, pois são as suas
ações ou inação que incitam descontentamentos que conduzem à expressão num voto
extremista e populista.
Na
segunda década do século XXI, o país não pode esperar dez anos ou mais por um
julgamento ou, pior ainda, deixar que o caso prescreva! A quem interessa o mau
funcionamento da justiça e por que razão não é esta uma das preocupações
fundamentais da Assembleia? Os parlamentares têm de olhar definitivamente para
o problema e encontrar uma solução. Ela existirá. Se noutros países é possível,
cá também o será! Haja vontade política e exigência dos cidadãos. O mau funcionamento
das instituições democráticas e a desconfiança em relação a membros do Governo
ou de partidos alavancam extremismos, tanto mais quanto mais casos surgirem. A
César o que é de César. À justiça o que é da justiça, ao poder executivo e ao
poder legislativo o que deles forem da sua competência e à Presidência da República
a regulação do funcionamento das instituições. Porém, é preciso lembrar que não
é suficiente alegar que compete à justiça o que ela deve tratar, se esta não
for célere nem competente. Quanto à rapidez, estamos todos entendidos e quanto
à competência, esta fica comprometida, se o primeiro pressuposto falhar.
Assim, olhando
para o país, inteirando-me do que sucedeu na Assembleia, no vinte e cinco de
abril e nos episódios subsequentes, seja com a conversa supostamente particular
entre os três representantes máximos da nação, seja com as novas galambices, só
me apetece correr todos à espadeirada perante a falta de compostura
institucional e desejar, como o João da Ega, uma invasão! Não a espanhola, que esse
povo é tão bruto e bárbaro quanto o português, mas um banho de civilidade e
bons princípios democráticos, precisa-se! A festa coletiva tornada bravata de
rapazotes, com as comadres a comentar, mais tarde, os incidentes.
Seria cómico se não fosse triste, mas como a
comicidade e a tragédia andam, por vezes, a par, deixemos fluir tranquilamente
os acontecimentos, neste reino do faz de conta, onde desde sempre uma montanha
pariu um rato!
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário