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sábado, 29 de abril de 2023

Crónica de Maus Costumes 323

 

Vinte e cinco de abril, sempre!

               Numa crónica lúcida, Clara Ferreira Alves traçou o retrato do país, antes do vinte e cinco de abril, como a lembrar a alguns saudosistas que por cá sobejam a vida miserável que os portugueses tinham.

               Assim, desde o país analfabeto, às poucas mulheres que tinham uma licenciatura e direito ao voto, à necessidade de pedir autorização ao marido para viajar, à proibição do divórcio, ao alcoolismo, aos filhos criados com açúcar na chupeta para os acalmar, dada a ignorância sobre os malefícios do ingrediente, às cheias que deixaram inúmeros sem teto, tudo foi lembrado. Não falou a cronista nas crianças que ao pequeno-almoço ou ao lanche ingeriam sopas de vinho ou sopas de cavalo cansado, mas falou na mortalidade infantil. Não falou da Guerra Colonial… Há quarenta e nove anos o país pareceria um enorme acampamento de refugiados. Vivia sob uma mão férrea que impunha a miséria como virtude. Não havia acesso livre à cultura. Esta era interdita, por ser perigosa e o modo de vida europeu, nos países já democráticos, não chegava cá. Orgulhosamente sós, como acreditava o ditador. A imprensa era controlada e a coca-cola era proibida. Um país pequeno, miserável e inculto, cheio de gente a trabalhar de sol a sol, sem esperar nada mais da vida do que a sua sobrevivência. Quanto aos filhos, era como Deus queria… Da ninhada de dez, às vezes, havia oito vivos. Rara seria a mulher que não tivesse perdido um…. Viaja mais, hoje, um remediado (se o pretender fazer) do que o maior rico daquela época. Os que suspiram pelo retorno do ditador não sabem nada da História do país, caso contrário, evitariam pronunciar tais dislates. Era o país da moralidade, mas em simultâneo, dos filhos de pais incógnitos e do caso “ballet rose”. Era o país do medo e da hipocrisia.

               O vinte e cinco de abril foi, portanto, o que de melhor nos poderia ter acontecido. Planeada, nasci no junho do ano seguinte. Se viesse rapaz, já não iria para a Guerra, foi o pensamento dos meus pais. Cresci e vivi em liberdade, o maior bem que um povo pode ter e do qual deve cuidar. Nunca vivi em ditadura, mas sei ler e leio o suficiente para saber que qualquer regime autocrático é pavoroso. A democracia, mesmo que nos pareça doente, ainda é um bem de que dispomos, pelo que é necessário zelar pela sua permanência. Nada é adquirido e a liberdade custou a vida de muitos para ser desbaratada. É devido a esta consciência que me irrita a hipocrisia de uma classe política que muito celebra abril, mas que pouco faz para cuidar da democracia que temos, abrindo espaço para os extremismos. Não podemos admitir que as instituições que em primeira instância deveriam zelar pela democracia a façam perigar, pois são as suas ações ou inação que incitam descontentamentos que conduzem à expressão num voto extremista e populista.

               Na segunda década do século XXI, o país não pode esperar dez anos ou mais por um julgamento ou, pior ainda, deixar que o caso prescreva! A quem interessa o mau funcionamento da justiça e por que razão não é esta uma das preocupações fundamentais da Assembleia? Os parlamentares têm de olhar definitivamente para o problema e encontrar uma solução. Ela existirá. Se noutros países é possível, cá também o será! Haja vontade política e exigência dos cidadãos. O mau funcionamento das instituições democráticas e a desconfiança em relação a membros do Governo ou de partidos alavancam extremismos, tanto mais quanto mais casos surgirem. A César o que é de César. À justiça o que é da justiça, ao poder executivo e ao poder legislativo o que deles forem da sua competência e à Presidência da República a regulação do funcionamento das instituições. Porém, é preciso lembrar que não é suficiente alegar que compete à justiça o que ela deve tratar, se esta não for célere nem competente. Quanto à rapidez, estamos todos entendidos e quanto à competência, esta fica comprometida, se o primeiro pressuposto falhar.

Assim, olhando para o país, inteirando-me do que sucedeu na Assembleia, no vinte e cinco de abril e nos episódios subsequentes, seja com a conversa supostamente particular entre os três representantes máximos da nação, seja com as novas galambices, só me apetece correr todos à espadeirada perante a falta de compostura institucional e desejar, como o João da Ega, uma invasão! Não a espanhola, que esse povo é tão bruto e bárbaro quanto o português, mas um banho de civilidade e bons princípios democráticos, precisa-se! A festa coletiva tornada bravata de rapazotes, com as comadres a comentar, mais tarde, os incidentes.

 Seria cómico se não fosse triste, mas como a comicidade e a tragédia andam, por vezes, a par, deixemos fluir tranquilamente os acontecimentos, neste reino do faz de conta, onde desde sempre uma montanha pariu um rato!

 

Nina M. 

 

 

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