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sábado, 6 de maio de 2023

Crónica de Maus Costumes 324


Política e sacanices

               Portugal deveria ser um caso de estudo. Eça de Queirós e Ramalho Ortigão fizeram um retrato sociológico do país, com as suas “Farpas”, que continham um traço caricatural que primava pelo exagero (há que o dizer, garantindo a comicidade), mas que deixava a descoberto o Portugal oitocentista da Regeneração. Ora a regeneração era precisamente do que o país precisava e o que a Geração de 70 pretendia alcançar. As farpas, sem obedecer a qualquer estratégia partidária, resultam de um ensejo com um propósito cívico e crítico. Constituíram um jornalismo de crítica social e cultural, um jornalismo das ideias.

            Perante os acontecimentos recentes do país, imagino imediatamente o que Eça escreveria, com riso despudorado, sobre o Governo e as situações políticas que o próprio vai criando. Não seria muito diferente do que já deixou registado, apesar do salto temporal. Imagino como os outros líderes europeus acompanham estas vergonhas e os pensamentos que os assaltam. Pouco me espanta que o holandês, certa altura, tivesse considerado que nos países do sul da europa, os homens (entenda-se políticos) só quisessem vinho e mulheres generosas que os consolassem com carícias pagas, quer nas horas amargas quer nas de alegria. Só me lembro do Craft, impassível, a observar a bravata entre João da Ega e Tomás de Alencar, com desdém, sabendo de antemão que as disputas entre portugueses, depois do chorrilho de insultos e de ataques pessoais que sempre substituem a argumentação sólida e inteligente, culminaria em abraços e elogios, como se nada se tivesse passado. Pois bem, depois de uma demissão por conta de umas notas de uma reunião, supostamente secreta e que não deveriam existir, mas que o demitido considera ter de dar a conhecer, caso seja chamado à Comissão Parlamentar, gera-se um enredo digno de telenovela mexicana de baixíssima qualidade. Desde a confiscação do computador do estado e da proibição de o funcionário retirar documentos pessoais, à agressão que este comete e fuga, após tentativa de o reter, ao envolvimento do SIS e da PJ, tudo nos parece surreal. Após ouvirmos o comunicado do senhor ministro das infraestruturas, mais desconfiados e incrédulos ficamos e com dúvidas também. Ninguém percebe por que razão o senhor ministro e o PS quiseram reunir secretamente com a ex-presidente da TAP, antes da Comissão de Inquérito, todos gostaríamos de saber o teor das notas que motivaram a polémica, e o que continha de tão precioso o computador usado pelo senhor adjunto, para que ele não o pudesse manejar nem mais um segundo, a partir da sua saída. O senhor ministro pede a demissão, mas não assume qualquer responsabilidade no imbróglio vivido e nem explica cabalmente os motivos do despedimento do seu adjunto. O senhor Presidente da República, indignado com a falta de sentido de Estado e com o comportamento de rufias, aborrece-se e sugere a demissão do ministro, numa tentativa de pôr cobro à “galambice”. Eis que o senhor primeiro-ministro, porque pode, faz ouvidos de mercador e, apesar de considerar inqualificável o sucedido, reitera a plena confiança no homem da pasta, em claro desafio ao senhor presidente. O país perdeu-a toda, mas haja alguém crente! O máximo representante dos portugueses terá gelado, certamente, mas considerando a maioria absoluta obtida há cerca de apenas um ano, engoliu em seco o desaforo, descansou por umas horas e comunica ao país o seu desacordo, rasgando duramente a ação governativa de quem o encurralou…

O país assiste a todo este filme, sem saber se chora ou se ri, impassivelmente e sem desdém, mas com preocupação. Confiar a gestão de dossiês fundamentais para o país a um ministro metido, já por várias vezes, em contendas de contornos estranhos e obscuros aos olhos de quem observa de fora, não parece ser o melhor a fazer.

O senhor presidente promete atenção aos atos do Governo e marcação cerrada, enquanto o primeiro-ministro António Costa pensa fazer exatamente o mesmo que o youtuber Tiago Paiva fez com ele: mandar o senhor presidente para o cesto da gávea, mais conhecido por caralho, a título de castigo.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

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