Política e
sacanices
Portugal deveria ser um caso de
estudo. Eça de Queirós e Ramalho Ortigão fizeram um retrato sociológico do país,
com as suas “Farpas”, que continham um traço caricatural que primava pelo exagero
(há que o dizer, garantindo a comicidade), mas que deixava a descoberto o Portugal
oitocentista da Regeneração. Ora a regeneração era precisamente do que o país
precisava e o que a Geração de 70 pretendia alcançar. As farpas, sem obedecer a
qualquer estratégia partidária, resultam de um ensejo com um propósito cívico e
crítico. Constituíram um jornalismo de crítica social e cultural, um jornalismo
das ideias.
Perante os
acontecimentos recentes do país, imagino imediatamente o que Eça escreveria,
com riso despudorado, sobre o Governo e as situações políticas que o próprio
vai criando. Não seria muito diferente do que já deixou registado, apesar do
salto temporal. Imagino como os outros líderes europeus acompanham estas
vergonhas e os pensamentos que os assaltam. Pouco me espanta que o holandês,
certa altura, tivesse considerado que nos países do sul da europa, os homens
(entenda-se políticos) só quisessem vinho e mulheres generosas que os consolassem
com carícias pagas, quer nas horas amargas quer nas de alegria. Só me lembro do
Craft, impassível, a observar a bravata entre João da Ega e Tomás de Alencar,
com desdém, sabendo de antemão que as disputas entre portugueses, depois do chorrilho
de insultos e de ataques pessoais que sempre substituem a argumentação sólida e
inteligente, culminaria em abraços e elogios, como se nada se tivesse passado.
Pois bem, depois de uma demissão por conta de umas notas de uma reunião, supostamente
secreta e que não deveriam existir, mas que o demitido considera ter de dar a
conhecer, caso seja chamado à Comissão Parlamentar, gera-se um enredo digno de
telenovela mexicana de baixíssima qualidade. Desde a confiscação do computador
do estado e da proibição de o funcionário retirar documentos pessoais, à
agressão que este comete e fuga, após tentativa de o reter, ao envolvimento do
SIS e da PJ, tudo nos parece surreal. Após ouvirmos o comunicado do senhor
ministro das infraestruturas, mais desconfiados e incrédulos ficamos e com dúvidas
também. Ninguém percebe por que razão o senhor ministro e o PS quiseram reunir
secretamente com a ex-presidente da TAP, antes da Comissão de Inquérito, todos gostaríamos
de saber o teor das notas que motivaram a polémica, e o que continha de tão
precioso o computador usado pelo senhor adjunto, para que ele não o pudesse
manejar nem mais um segundo, a partir da sua saída. O senhor ministro pede a
demissão, mas não assume qualquer responsabilidade no imbróglio vivido e nem
explica cabalmente os motivos do despedimento do seu adjunto. O senhor
Presidente da República, indignado com a falta de sentido de Estado e com o
comportamento de rufias, aborrece-se e sugere a demissão do ministro, numa tentativa
de pôr cobro à “galambice”. Eis que o senhor primeiro-ministro, porque pode,
faz ouvidos de mercador e, apesar de considerar inqualificável o sucedido,
reitera a plena confiança no homem da pasta, em claro desafio ao senhor
presidente. O país perdeu-a toda, mas haja alguém crente! O máximo
representante dos portugueses terá gelado, certamente, mas considerando a
maioria absoluta obtida há cerca de apenas um ano, engoliu em seco o desaforo,
descansou por umas horas e comunica ao país o seu desacordo, rasgando duramente
a ação governativa de quem o encurralou…
O país assiste a todo este filme, sem
saber se chora ou se ri, impassivelmente e sem desdém, mas com preocupação.
Confiar a gestão de dossiês fundamentais para o país a um ministro metido, já
por várias vezes, em contendas de contornos estranhos e obscuros aos olhos de
quem observa de fora, não parece ser o melhor a fazer.
O senhor presidente promete atenção
aos atos do Governo e marcação cerrada, enquanto o primeiro-ministro António Costa
pensa fazer exatamente o mesmo que o youtuber Tiago Paiva fez com ele:
mandar o senhor presidente para o cesto da gávea, mais conhecido por caralho, a
título de castigo.
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário