Filhos,
pedidos & companhia…
-
Mamã!
Vais escrever a tua crónica?
-
Sim,
Matilde, vou.
-
Podes
escrever sobre mim?
-
Por
que razão queres que escreva sobre ti?
-
Estás
a dizer que não queres escrever sobre mim?
-
O
que queres que escreva?
-
Sei
lá… O que quiseres…
Mentira. Se escrevesse o
que quisesse e se a Matilde se sentisse lesada ou injustiçada iria ficar triste
e ofendida. Ela é assim: um poço de sensibilidade, mas muito responsável e
briosa no que faz, desde pequenita. Ainda andava no infantário, quando percebi
que os dias em que ela tinha de ir com tio para a escola, porque os pais não
tinham horário que a pudessem levar, eram fonte de angústia. Reclamava, pois custava-lhe
compreender os motivos de não a podermos levar… Lembro-me de lhe perguntar, já
agastada com a choraminguice, qual o problema de ir com tio, se afinal, gostava
tanto de estar com os primos!… A
explicação vinha a seguir: quando ia com o tio, às vezes, chegava um pouco
atrasada e a professora, aos meninos que chegavam atrasados, dizia-lhes: “Bom-dia,
turista!” A minha Matilde detesta dar azo a que se lhe chame à atenção, pela
exigência que se impõe a si mesma. Detesta falhar e tem dificuldade em lidar
com o insucesso. Tive de lhe explicar que a professora só chamava turista aos
meninos que chegavam sistematicamente atrasados, o que não era de todo o caso
dela. Fui obrigada a ligar para a educadora e a explicar o sucedido para acalmar
a sua angústia. Só serenou depois de me ouvir explicar que ela tinha mesmo de
ir com o tio e que se este se atrasasse um pouco, a responsabilidade não seria
dela. Aproveito para mandar um beijinho à educadora Denise, que teve um papel
importantíssimo no desenvolvimento da Matilde. Uma profissional de excelência,
muito carinhosa e preocupada com os meninos, mas também exigente no cumprimento
de regras. O gosto pelas atividades manuais, a Matilde ganhou-o com a
educadora, porque eu tenho duas mãos canhotas para essas coisas e nem o facto
de ser esquerdina me salva! Ainda hoje a Matilde assume as suas
responsabilidades. Joga vólei e o que o treinador lhe diz é lei. Se porventura
falhar e o treinador ralhar fica possessa com ela mesma. Não se permite errar num
ponto crucial para a equipa. Aplicada e responsável, quer chegar sempre a tempo
ao treino e só se estiver doente o falha. Na escola, não gosta de dar motivos
aos professores para se desgostarem com ela.
Na verdade, a Matilde
gosta de se sentir apreciada e reconhecida. Precisa enormemente do reforço
positivo e de sentir que os pais gostam do seu desempenho. Talvez estivesse a
precisar que a mãe escrevesse sobre ela como forma de sentir concretamente o
amor que lhe tenho.
Como negar o pedido a quem
no outro dia, muito segura de si e na certeza de me deixar feliz, me diz que
quando eu morrer, me enterrará com um livro e uma bandeira do Porto?!
Lembrou-se de seguida que a mãe lhes dissera (aos filhos) que queria ser cremada,
caso não surja uma opção que lhe agrade mais e logo deixa cair:
- É verdade! Tu queres ser
cremada! Não posso queimar um livro nem a bandeira do Porto, pois não?!
Lá lhe disse que seria
melhor não o fazer, efetivamente. Ela não se lembrou, mas noutra ocasião, já me
tinha prometido arranjar maneira de espalhar as minhas cinzas no Dragão!
Comecei-me a rir e disse que seria um bom local para passar a eternidade!
Toda esta conversa porque
os proibi terminantemente de venderem a minha biblioteca, após o meu
desaparecimento. Se porventura não herdarem o gosto da mãe pelos livros, que os
doem a uma biblioteca, mas mostrei-me aborrecida, caso não conservem o espólio
que sabem ser tão valioso para a mãe. O aborrescente de serviço (nem sei como)
lá afiançou que os conservaria, após me ver desgostosa com a pequena, que entristecida
se via a perder uma oportunidade de negócio, acrescentando que eu já nem estaria
por cá e, como tal, já não veria nada…
A menina que quer vender
os livros após a minha morte é a mesma que me vem trazer um bouquet em miniatura,
fruto dos seus trabalhos manuais com que se vai entretendo, para me aquecer o
coração.
Vós, leitores, que nada
tendes a ver com isto, tende lá paciência, mas há pedidos de filhos que não
devem ser recusados. A Matilde ficará feliz e vós podeis sempre ler outra
crónica qualquer.
Nina M.
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