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sábado, 22 de abril de 2023

Crónica de Maus Costumes 322


Filhos, pedidos & companhia…

-        Mamã! Vais escrever a tua crónica?

-        Sim, Matilde, vou.

-        Podes escrever sobre mim?

-        Por que razão queres que escreva sobre ti?

-        Estás a dizer que não queres escrever sobre mim?

-        O que queres que escreva?

-        Sei lá… O que quiseres…

Mentira. Se escrevesse o que quisesse e se a Matilde se sentisse lesada ou injustiçada iria ficar triste e ofendida. Ela é assim: um poço de sensibilidade, mas muito responsável e briosa no que faz, desde pequenita. Ainda andava no infantário, quando percebi que os dias em que ela tinha de ir com tio para a escola, porque os pais não tinham horário que a pudessem levar, eram fonte de angústia. Reclamava, pois custava-lhe compreender os motivos de não a podermos levar… Lembro-me de lhe perguntar, já agastada com a choraminguice, qual o problema de ir com tio, se afinal, gostava tanto de estar com os primos!…  A explicação vinha a seguir: quando ia com o tio, às vezes, chegava um pouco atrasada e a professora, aos meninos que chegavam atrasados, dizia-lhes: “Bom-dia, turista!” A minha Matilde detesta dar azo a que se lhe chame à atenção, pela exigência que se impõe a si mesma. Detesta falhar e tem dificuldade em lidar com o insucesso. Tive de lhe explicar que a professora só chamava turista aos meninos que chegavam sistematicamente atrasados, o que não era de todo o caso dela. Fui obrigada a ligar para a educadora e a explicar o sucedido para acalmar a sua angústia. Só serenou depois de me ouvir explicar que ela tinha mesmo de ir com o tio e que se este se atrasasse um pouco, a responsabilidade não seria dela. Aproveito para mandar um beijinho à educadora Denise, que teve um papel importantíssimo no desenvolvimento da Matilde. Uma profissional de excelência, muito carinhosa e preocupada com os meninos, mas também exigente no cumprimento de regras. O gosto pelas atividades manuais, a Matilde ganhou-o com a educadora, porque eu tenho duas mãos canhotas para essas coisas e nem o facto de ser esquerdina me salva! Ainda hoje a Matilde assume as suas responsabilidades. Joga vólei e o que o treinador lhe diz é lei. Se porventura falhar e o treinador ralhar fica possessa com ela mesma. Não se permite errar num ponto crucial para a equipa. Aplicada e responsável, quer chegar sempre a tempo ao treino e só se estiver doente o falha. Na escola, não gosta de dar motivos aos professores para se desgostarem com ela.

Na verdade, a Matilde gosta de se sentir apreciada e reconhecida. Precisa enormemente do reforço positivo e de sentir que os pais gostam do seu desempenho. Talvez estivesse a precisar que a mãe escrevesse sobre ela como forma de sentir concretamente o amor que lhe tenho.

Como negar o pedido a quem no outro dia, muito segura de si e na certeza de me deixar feliz, me diz que quando eu morrer, me enterrará com um livro e uma bandeira do Porto?! Lembrou-se de seguida que a mãe lhes dissera (aos filhos) que queria ser cremada, caso não surja uma opção que lhe agrade mais e logo deixa cair:

- É verdade! Tu queres ser cremada! Não posso queimar um livro nem a bandeira do Porto, pois não?!

Lá lhe disse que seria melhor não o fazer, efetivamente. Ela não se lembrou, mas noutra ocasião, já me tinha prometido arranjar maneira de espalhar as minhas cinzas no Dragão! Comecei-me a rir e disse que seria um bom local para passar a eternidade!

Toda esta conversa porque os proibi terminantemente de venderem a minha biblioteca, após o meu desaparecimento. Se porventura não herdarem o gosto da mãe pelos livros, que os doem a uma biblioteca, mas mostrei-me aborrecida, caso não conservem o espólio que sabem ser tão valioso para a mãe. O aborrescente de serviço (nem sei como) lá afiançou que os conservaria, após me ver desgostosa com a pequena, que entristecida se via a perder uma oportunidade de negócio, acrescentando que eu já nem estaria por cá e, como tal, já não veria nada…

A menina que quer vender os livros após a minha morte é a mesma que me vem trazer um bouquet em miniatura, fruto dos seus trabalhos manuais com que se vai entretendo, para me aquecer o coração.

Vós, leitores, que nada tendes a ver com isto, tende lá paciência, mas há pedidos de filhos que não devem ser recusados. A Matilde ficará feliz e vós podeis sempre ler outra crónica qualquer.

 

Nina M.

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