Má-língua
Olho
para o relógio. Só agora terminei o trabalho que tinha destinado para hoje.
Ainda corrigi trabalhos e ultimei avaliações. Amanhã, é domingo. Terei de
preparar a reunião de avaliação da minha direção de turma. Hoje, foram cerca de
quatro horas e meia de trabalho. Amanhã, serão, certamente outras tantas, dada
a burocracia exigida e que o diretor de turma leva pronto, caso contrário, a
reunião, em vez das duas horas habituais, precisaria do dobro.
Significa
que as horas da componente individual de trabalho, quase se esgotam nestes dois
dias de suposto fim de semana. Escusado será dizer que ao longo da semana que
passou, também houve correções e preparação de avaliações e muitas horas
dedicadas à profissão. Esta constatação não é um queixume ou lamento. Muitos de
nós, professores, dependendo da especificidade da disciplina, já conta com os
fins de semana para conseguir orientar o seu trabalho, consoante lhe der mais
jeito. No entanto, não deixa de me apetecer esmurrar a ignorância atrevida dos
que enchem a boca para dizer que os professores só trabalham trinta e cinco
horas semanais, quando não pensam que apenas se trabalha as vinte e quatro
estipuladas no horário! As redes sociais são um depósito de impropérios de
gente mal formada e ignorante que extravasa a sua ira, que destila ódio e
inveja nos comentários que faz questão de deixar. Deram voz a toda a gente,
seres pensantes e ponderados e seres parvos. Porém, o último grupo destaca-se
largamente. Só assim se compreende o desfasamento relativamente à opinião dos
portugueses em relação aos professores. Já ficou esclarecido que a maioria dos
portugueses (não sei precisar a percentagem) considera que os professores têm
razão nas reivindicações que fazem, mas se nos formos guiar pelos comentários
com que nos deparamos nas redes sociais relativamente a notícias que impliquem
os professores, pensamos que a maioria nos ataca e nos despreza. Efetivamente,
a grande percentagem de mensagens denuncia malquerença pelos que exercem esta
profissão! São os “haters” crónicos, sempre dispostos a achincalhar tudo e
todos, libertando todas as frustrações acumuladas ao longo da vida.
Antigamente,
só havia os jogos ao fim de semana para os homens libertarem as tensões
acumuladas, arremessando-as contra os árbitros ou jogadores, ou melhor dizendo,
contra as mães destes, porque o pior insulto que se faz a um homem é sempre
através da mulher e da condição de um nascimento que ele não escolheu, já que o
seu grave defeito é ser filho de uma grande meretriz … Tudo isto baseado numa
suposição, porque quem insulta nem conhece nem sabe quem é ou quem foi a mãe do
árbitro ou do jogador! Só pelo rigor do argumento se verifica a validade de tal
insulto: nenhuma! No caso das mulheres… Estas libertavam as suas energias
enquanto esfregavam a roupa na pedra dos lavadoiros públicos, lugar de
trabalho, mas também o ponto de recolha da coscuvilhice e da má-língua. A
contemporaneidade trouxe algumas alterações a estas dinâmicas. Ninguém precisa
de sair de casa para de dedicar ao enxovalho. As redes sociais estão à
disposição de um clique, a toda a hora e em qualquer lugar.
Curiosamente,
se nos dermos ao trabalho de verificar o perfil de algumas dessas almas,
verificamos que, aparentemente, elas são como os mortos: um poço de virtudes!
De uma candura e de uma integridade que os seus comentários desmentem.
De
uma forma ou de outra, todos temos as nossas máscaras. Ninguém é impoluto e a
hipocrisia, em doses certas, é o preço a pagar pela paz social, mas há ou deveria
haver um limite para a desfaçatez. E esta hipocrisia de tanto se criticar os professores,
mas de ninguém querer abraçar a carreira maravilhosa, prestigiante, bem remunerada,
com direito a tantas férias e tão fácil de executar, já causa náusea.
Neste
momento, foi motivo de notícia o número de alunos que estão sem professor a uma
das disciplinas. Dentro de pouquíssimos anos será a catástrofe. Custa ver uma das
maiores bandeiras de abril, a escola democrática para todos, ser espezinhada até
à sua implosão. Quando tal acontecer, não acusem os professores de não o terem tentado
impedir.
Nina
M.
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