Sindicatos e democracia
Aconteceu, hoje, mais uma manifestação
de professores e também uma manifestação em prol da vida justa. Na verdade, se
pensarmos bem, ambos os grupos lutavam pelo mesmo, ainda que em trajetos
separados: uma vida mais justa.
Desta vez não estive presente por
impedimentos familiares. A primeira a que falho, desde o início da luta. Hoje
culminou como começou: com a presença de cerca de cinquenta mil professores.
Quero agradecer, antes de mais, aos colegas corajosos que se prontificaram a
ficar em Lisboa para os três dias de vigília. Teço loas à tenacidade que
evidenciam. Logo eu… Nunca apreciei acampar e nem tenho tenda…
Tenho, porém,
participado nas reivindicações desde o início e tenho estado atenta ao
fenómeno. A ação do S.T.O.P. foi importantíssima para desencadear a luta,
porque a FENPROF demorou a compreender o acontecimento e a revolta genuína dos
professores, que precisavam urgentemente de gritar e de expor a sua indignação.
Terão, naturalmente, em sede própria, de refletir sobre a sua atuação e daí
retirarem ilações. No entanto, tenho notado, sobretudo nas redes sociais, uma
polarização em relação ao tema que me desagrada profundamente. Neste momento,
para muitos, o Mário Nogueira não pode sequer respirar para ser já
responsabilizado por alguma coisa, ao passo que qualquer observação que possa
ser dirigida ao Pestana é entendida como um ataque feroz e absolutamente
injusto, como se os professores lhe devessem a própria vida. Tem-me mostrado a
experiência que não há assim tantos “Mandelas”, “Gandhis” ou “Madres Teresas”
espalhados pelo mundo e tendo sempre a desconfiar dos novos D. Sebastiões que
vão surgindo no panorama político. Serei eu que sou demasiado pessimista e que
tenho pouquíssima confiança nos agentes políticos deste país. Considero que uma
boa maioria não está genuinamente comprometido com uma causa nem com o bem
comum, mas defende essencialmente aquilo que lhe poderá trazer alguma projeção
mediática, desafogo económico e uma vida bastante confortável. Corro o risco de
ser injusta com alguns, mas a esses, se for o caso, também não me custa nada
fazer o “mea culpa”, admitir o erro e pedir desculpa.
Não tenho pejo em revelar que
considerei e considero a manifestação de hoje um erro estratégico. Desde que
começaram as reivindicações, as manifestações foram em crescendo. Estive em
quatro e de uma para a outra o número de presenças aumentou tão exponencialmente
que chegou aos cento e cinquenta mil. O maior número de sempre! Ora fica claro
que atingir novamente este patamar será dificílimo. Significa que qualquer
manifestação com um número de presenças substancialmente inferior pode ser lido
como cansaço, desmobilização e desistência, o que é contraproducente à causa.
Há algum cansaço, naturalmente, mas não há nem vontade de desmobilização nem de
desistência. O que querem os professores? Um acordo que lhes seja favorável: um
concurso justo e a recuperação do tempo de serviço efetivamente trabalhado,
ainda que seja faseado. Parece-me serem estes os dois pontos fundamentais da
luta. Todos os outros problemas a montante e que também são importantes podem
esperar um pouco mais, porque como diz o povo, Roma e Pavia não se fizeram num dia. O senso comum sabe disso. Para
isso é necessário que haja comprometimento sério nas negociações, de parte a
parte. O Governo tem falhado sucessivamente com a sua. Apresenta variantes do
mesmo documento, travestido de uma nova linguagem, mas que depois de analisado
permanece semelhante. A atual proposta para o novo modelo de concurso é um
ultraje à inteligência de qualquer professor! Inadmissível, porque o senhor
ministro não tem feito outra coisa além de engonhar o processo, numa atitude
pouco séria e pouco honrosa. De modo que nenhum dos representantes sindicais
assinou o que quer que fosse e bem. Espero deles que não assinem qualquer
acordo, principalmente um mau acordo, como em tempos disse o Senhor João Costa,
respaldado por uma maioria absoluta que ainda hoje me deixa agastada…
Ora sucede que se o Mário Nogueira
tem o que se lhe possa apontar (também aos anos que anda nisto não será de
admirar), o André Pestana também ainda não provou muito. Tem todo o mérito de
ter cavalgado o descontentamento e de ter desencadeado a luta, de ter
conseguido unir os professores em torno da causa comum, mas não está, a meu
ver, isento de críticas ou observações e questões que lhe possam ser colocadas.
A título de exemplo… Quando diz que não tomará decisões sem consultar os
professores, no exercício de uma prática democrática direta, interrogo-me como
o poderá fazer, porque se levantam algumas questões: nem todas as comissões de
greve foram eleitas em Plenário. Muitas funcionarão à conta do voluntarismo de
colegas mais dinâmicos. Mesmo que sejam eleitas, elas só representarão todos os
professores da escola se estes se pronunciarem relativamente às questões
debatidas ou, então, representar-se-ão apenas a si próprios. Acontece que o
André, no fim das negociações, adiantou desde logo a data possível para uma
nova manifestação a vinte e cinco de fevereiro. A consulta às comissões de
greve foi feita a posteriori e estas
votaram a decisão a favor da última manifestação sem consulta prévia aos pares…
Ora como se pode inferir tratar-se isto de um processo democrático direto e não
um processo democrático por representação? Processo que apresenta falhas, pois há
comissões que não foram eleitas por ninguém… Não podemos falar em processos
democráticos se depois não os cumprimos. Por outro lado, tenho muitas reservas
quanto à democracia popular… Pilatos também perguntou à multidão quem preferia
que ele soltasse na Páscoa, uma espécie de amnistia romana, e ela não teve pejo
em escolher a libertação do sanguinário Barrabás e de condenar Jesus à cruz…
Acontece que com a escolha da data e
a sobreposição de manifestações também li muitas críticas ao Nogueira por não
se ter aliado à manifestação organizada pelo S.T.O.P., mas não vi críticas ao
Pestana por propor essa data sabendo da existência da outra manifestação que
contava com elementos da FENPROF como subscritores, a título pessoal. Esta
sobreposição poderia e deveria ter sido evitada, no meu entendimento, pois
seria sempre interpretada como uma espécie de provocação…
O susto, hoje, foi maior, após ler o
texto e as questões levantadas pelo Luís Sottomaior Braga. Este senhor é
sobejamente conhecido e sabe-se que não gera propriamente consensos, mas não é
de fazer afirmações gratuitas. De defensor e até sócio do S.T.O.P. levanta a
questão legítima que deverá interessar mais aos associados do que aos outros
sobre a questão de se tratar de uma associação sindical apartidária, quando na
sua direção, ao que parece, todos eles estão ligados ao MAS, partido pelo qual
o próprio André foi candidato às eleições europeias. Ora, o André tem o direito
à sua escolha política e ao seu exercício, mas quando um sindicato se afirma
apartidário e na sua direção (afiança o Sottomaior e a revista Sábado) todos
estão ligados ao mesmo partido, mas ocultam essa informação… É de estranhar.
Assegura também o Sottomaior haver mais pluralidade partidária na FENPROF. Dá
que pensar e já me tinha ocorrido algo semelhante, precisamente porque numa das
manifestações, esse partido fez-se representar com uma tarja e a distribuição
de panfletos. Eu fiquei com um que entretanto já foi para o lixo… Na altura,
pus a possibilidade de ser aproveitamento político e tentativa de colher
simpatia dado o carisma de André, também afeto a essa organização. Porém, hoje,
o alerta soou mais estranho, até porque vem de dentro da organização. O que me
preocupou verdadeiramente foi o facto de Sottomaior Braga equacionar com certo
grau de certeza a falta de vontade de negociar de Pestana, a troco da ideologia
trotskista e da sua revolução permanente… Eu estou interessada em paz
permanente, desde que não seja podre, e não numa revolução permanente… Assim
como o Luís tem razão quando afirma que as estruturas sindicais existem para
negociar e não para se negarem às negociações. Disse-lhe mesmo que esperava e
espero sinceramente que ele esteja completamente enganado, porque se o S.T.O.P.
agarrar no descontentamento geral dos professores para servir de interesse ao
ideário de um partido, em vez de lhe tentar resolver os problemas, seria uma
grande canalhice! O Mário Nogueira tem saído, por diversas vezes, muito
chamuscado, mas se esta desconfiança se confirmasse, o S.T.O.P. perderia toda a
credibilidade, apesar das boas ações que já levou a cabo. Pode ser também que Sottomaior
Braga esteja aborrecido por não terem dado grande crédito às suas sugestões, dentro
da associação sindical, mas parece-me que não… Uma pesquisa pelo “facebook” coloca-nos a par da discórdia.
Ele, que se filiou neste sindicato por ser uma associação apartidária, sente-se
enganado. Já pediu uma Assembleia Geral e foi recusada… Alega ter descoberto os
tentáculos do partido no sindicato, através da imprensa.
Certo é que quem
lidera movimentos destes tem que ter sempre em conta que está a lidar com a
vida de colegas, que tem uma responsabilidade tremenda em cima dos ombros… Não
os pode levar para zonas escuras ou buracos de onde, depois, não possam sair.
Como já tenho dito, no meio deste processo polarizado não há nem apenas santos
nem apenas pecadores. Estejamos atentos e mantenhamos o espírito crítico sempre
aguçado. Agradeço, sim, o trabalho que tem vindo a ser feito e a luta
desencadeada, mas para mim tanto faz que seja desencadeada pelo S.T.O.P. como
pela FENPROF, porque o meu reconhecimento não me torna refém de nenhum.
Espero que sejam os professores a
vencerem e a conseguir um bom acordo. Há que pensar em novas formas de luta,
porque a procissão ainda vai no adro e os professores precisam de uma verdadeira
negociação!
Nina M.
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