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sábado, 25 de fevereiro de 2023

Crónica de Maus Costumes 314

 

Sindicatos e democracia

            Aconteceu, hoje, mais uma manifestação de professores e também uma manifestação em prol da vida justa. Na verdade, se pensarmos bem, ambos os grupos lutavam pelo mesmo, ainda que em trajetos separados: uma vida mais justa.

            Desta vez não estive presente por impedimentos familiares. A primeira a que falho, desde o início da luta. Hoje culminou como começou: com a presença de cerca de cinquenta mil professores. Quero agradecer, antes de mais, aos colegas corajosos que se prontificaram a ficar em Lisboa para os três dias de vigília. Teço loas à tenacidade que evidenciam. Logo eu… Nunca apreciei acampar e nem tenho tenda…

Tenho, porém, participado nas reivindicações desde o início e tenho estado atenta ao fenómeno. A ação do S.T.O.P. foi importantíssima para desencadear a luta, porque a FENPROF demorou a compreender o acontecimento e a revolta genuína dos professores, que precisavam urgentemente de gritar e de expor a sua indignação. Terão, naturalmente, em sede própria, de refletir sobre a sua atuação e daí retirarem ilações. No entanto, tenho notado, sobretudo nas redes sociais, uma polarização em relação ao tema que me desagrada profundamente. Neste momento, para muitos, o Mário Nogueira não pode sequer respirar para ser já responsabilizado por alguma coisa, ao passo que qualquer observação que possa ser dirigida ao Pestana é entendida como um ataque feroz e absolutamente injusto, como se os professores lhe devessem a própria vida. Tem-me mostrado a experiência que não há assim tantos “Mandelas”, “Gandhis” ou “Madres Teresas” espalhados pelo mundo e tendo sempre a desconfiar dos novos D. Sebastiões que vão surgindo no panorama político. Serei eu que sou demasiado pessimista e que tenho pouquíssima confiança nos agentes políticos deste país. Considero que uma boa maioria não está genuinamente comprometido com uma causa nem com o bem comum, mas defende essencialmente aquilo que lhe poderá trazer alguma projeção mediática, desafogo económico e uma vida bastante confortável. Corro o risco de ser injusta com alguns, mas a esses, se for o caso, também não me custa nada fazer o “mea culpa”, admitir o erro e pedir desculpa.

            Não tenho pejo em revelar que considerei e considero a manifestação de hoje um erro estratégico. Desde que começaram as reivindicações, as manifestações foram em crescendo. Estive em quatro e de uma para a outra o número de presenças aumentou tão exponencialmente que chegou aos cento e cinquenta mil. O maior número de sempre! Ora fica claro que atingir novamente este patamar será dificílimo. Significa que qualquer manifestação com um número de presenças substancialmente inferior pode ser lido como cansaço, desmobilização e desistência, o que é contraproducente à causa. Há algum cansaço, naturalmente, mas não há nem vontade de desmobilização nem de desistência. O que querem os professores? Um acordo que lhes seja favorável: um concurso justo e a recuperação do tempo de serviço efetivamente trabalhado, ainda que seja faseado. Parece-me serem estes os dois pontos fundamentais da luta. Todos os outros problemas a montante e que também são importantes podem esperar um pouco mais, porque como diz o povo, Roma e Pavia não se fizeram num dia. O senso comum sabe disso. Para isso é necessário que haja comprometimento sério nas negociações, de parte a parte. O Governo tem falhado sucessivamente com a sua. Apresenta variantes do mesmo documento, travestido de uma nova linguagem, mas que depois de analisado permanece semelhante. A atual proposta para o novo modelo de concurso é um ultraje à inteligência de qualquer professor! Inadmissível, porque o senhor ministro não tem feito outra coisa além de engonhar o processo, numa atitude pouco séria e pouco honrosa. De modo que nenhum dos representantes sindicais assinou o que quer que fosse e bem. Espero deles que não assinem qualquer acordo, principalmente um mau acordo, como em tempos disse o Senhor João Costa, respaldado por uma maioria absoluta que ainda hoje me deixa agastada…

            Ora sucede que se o Mário Nogueira tem o que se lhe possa apontar (também aos anos que anda nisto não será de admirar), o André Pestana também ainda não provou muito. Tem todo o mérito de ter cavalgado o descontentamento e de ter desencadeado a luta, de ter conseguido unir os professores em torno da causa comum, mas não está, a meu ver, isento de críticas ou observações e questões que lhe possam ser colocadas. A título de exemplo… Quando diz que não tomará decisões sem consultar os professores, no exercício de uma prática democrática direta, interrogo-me como o poderá fazer, porque se levantam algumas questões: nem todas as comissões de greve foram eleitas em Plenário. Muitas funcionarão à conta do voluntarismo de colegas mais dinâmicos. Mesmo que sejam eleitas, elas só representarão todos os professores da escola se estes se pronunciarem relativamente às questões debatidas ou, então, representar-se-ão apenas a si próprios. Acontece que o André, no fim das negociações, adiantou desde logo a data possível para uma nova manifestação a vinte e cinco de fevereiro. A consulta às comissões de greve foi feita a posteriori e estas votaram a decisão a favor da última manifestação sem consulta prévia aos pares… Ora como se pode inferir tratar-se isto de um processo democrático direto e não um processo democrático por representação? Processo que apresenta falhas, pois há comissões que não foram eleitas por ninguém… Não podemos falar em processos democráticos se depois não os cumprimos. Por outro lado, tenho muitas reservas quanto à democracia popular… Pilatos também perguntou à multidão quem preferia que ele soltasse na Páscoa, uma espécie de amnistia romana, e ela não teve pejo em escolher a libertação do sanguinário Barrabás e de condenar Jesus à cruz…

            Acontece que com a escolha da data e a sobreposição de manifestações também li muitas críticas ao Nogueira por não se ter aliado à manifestação organizada pelo S.T.O.P., mas não vi críticas ao Pestana por propor essa data sabendo da existência da outra manifestação que contava com elementos da FENPROF como subscritores, a título pessoal. Esta sobreposição poderia e deveria ter sido evitada, no meu entendimento, pois seria sempre interpretada como uma espécie de provocação…

            O susto, hoje, foi maior, após ler o texto e as questões levantadas pelo Luís Sottomaior Braga. Este senhor é sobejamente conhecido e sabe-se que não gera propriamente consensos, mas não é de fazer afirmações gratuitas. De defensor e até sócio do S.T.O.P. levanta a questão legítima que deverá interessar mais aos associados do que aos outros sobre a questão de se tratar de uma associação sindical apartidária, quando na sua direção, ao que parece, todos eles estão ligados ao MAS, partido pelo qual o próprio André foi candidato às eleições europeias. Ora, o André tem o direito à sua escolha política e ao seu exercício, mas quando um sindicato se afirma apartidário e na sua direção (afiança o Sottomaior e a revista Sábado) todos estão ligados ao mesmo partido, mas ocultam essa informação… É de estranhar. Assegura também o Sottomaior haver mais pluralidade partidária na FENPROF. Dá que pensar e já me tinha ocorrido algo semelhante, precisamente porque numa das manifestações, esse partido fez-se representar com uma tarja e a distribuição de panfletos. Eu fiquei com um que entretanto já foi para o lixo… Na altura, pus a possibilidade de ser aproveitamento político e tentativa de colher simpatia dado o carisma de André, também afeto a essa organização. Porém, hoje, o alerta soou mais estranho, até porque vem de dentro da organização. O que me preocupou verdadeiramente foi o facto de Sottomaior Braga equacionar com certo grau de certeza a falta de vontade de negociar de Pestana, a troco da ideologia trotskista e da sua revolução permanente… Eu estou interessada em paz permanente, desde que não seja podre, e não numa revolução permanente… Assim como o Luís tem razão quando afirma que as estruturas sindicais existem para negociar e não para se negarem às negociações. Disse-lhe mesmo que esperava e espero sinceramente que ele esteja completamente enganado, porque se o S.T.O.P. agarrar no descontentamento geral dos professores para servir de interesse ao ideário de um partido, em vez de lhe tentar resolver os problemas, seria uma grande canalhice! O Mário Nogueira tem saído, por diversas vezes, muito chamuscado, mas se esta desconfiança se confirmasse, o S.T.O.P. perderia toda a credibilidade, apesar das boas ações que já levou a cabo. Pode ser também que Sottomaior Braga esteja aborrecido por não terem dado grande crédito às suas sugestões, dentro da associação sindical, mas parece-me que não… Uma pesquisa pelo “facebook” coloca-nos a par da discórdia. Ele, que se filiou neste sindicato por ser uma associação apartidária, sente-se enganado. Já pediu uma Assembleia Geral e foi recusada… Alega ter descoberto os tentáculos do partido no sindicato, através da imprensa.

Certo é que quem lidera movimentos destes tem que ter sempre em conta que está a lidar com a vida de colegas, que tem uma responsabilidade tremenda em cima dos ombros… Não os pode levar para zonas escuras ou buracos de onde, depois, não possam sair. Como já tenho dito, no meio deste processo polarizado não há nem apenas santos nem apenas pecadores. Estejamos atentos e mantenhamos o espírito crítico sempre aguçado. Agradeço, sim, o trabalho que tem vindo a ser feito e a luta desencadeada, mas para mim tanto faz que seja desencadeada pelo S.T.O.P. como pela FENPROF, porque o meu reconhecimento não me torna refém de nenhum.

            Espero que sejam os professores a vencerem e a conseguir um bom acordo. Há que pensar em novas formas de luta, porque a procissão ainda vai no adro e os professores precisam de uma verdadeira negociação!

           

Nina M.

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