Professores ainda... Aquela classe estranha
Escrevo novamente em viagem, absorta do barulho, metida em mim.
O motivo é o mesmo. Tempo de contestação. Não me lembro de luta tão arrastada... O ministro João Costa permanece escudado na sua surdez e na sua teimosia, tal como o timoneiro do navio em vias de naufrágio, o seu homónimo.
Procuro olhar para a situação com alguma distância, embora esteja envolvida até ao tutano. Corre-me nas veias a indignação e o ímpeto pelo abismo das lutas justas e imperiosas.
Anos de silencioso marasmo e de apatia foram despertos por uma medida impopular no seio da classe, dada a descrença nos políticos e nas entidades com responsabilidade de gestão a nível local. É grave. Se nalguns países europeus, não se questiona que a colocação de professores seja feita ao nível autárquico e das escolas, aqui, neste jardim à beira-mar plantado, os professores não o desejam. É necessário compreender esta rejeição visceral e pensá-la. Seria a forma mais óbvia para evitar que os professores andassem sucessivamente com a casa às costas, mas eles não o desejam porque desconfiam do "modus operandi". Não é infundada esta rejeição, por força dos exemplos já vividos aquando da criação da Bolsa de Contratação de Escola (BCE), que deu origem a critérios de seleção pouco ortodoxos e, muitas vezes, feitos à medida de quem se pretendia que ocupasse o lugar. O receio que vinguem as influências e as amizades (postura enraizada na cultura portuguesa), a par da dificuldade em estabelecer critérios objetivos e imparciais de seleção fazem com que os professores não queiram a implementação de tal processo. Assim, escolhe-se a justiça cega, mas objetiva e o mal menor. Posso citar-me, a título de exemplo. Trabalho na mesma escola há oito anos. Gosto muito de lá estar, conheço o Projeto Educativo, contribuo para a sua consecução e integro equipas de trabalho que dinamizam a atividade pedagógica. Nem eu nem a escola perderíamos, se lá continuasse a lecionar (pelo menos assim o penso e nunca a direção ou outras estruturas me fizeram sentir que não faço um trabalho válido) e, no entanto, apesar de ser Quadro de Zona Pedagógica, por concurso, estou sempre sujeita a sair, o que, caso venha a acontecer, me entristece. Apesar disto, também eu prefiro o modelo cego. Pode não ser o ideal, mas desconheço outro melhor, que ofereça confiança. Depois, independentemente da filosofia da escola, a generalidade dos professores adaptam-se. Estamos mais do que habituados a essa flexibilidade. Esta situação, o Governo conseguiu compreender e recuou, porém, a insatisfação que grassa na classe, o cansaço que nos ataca e o ressentimento que vivia calado, que apenas era expresso em desabafos entre pares, rebentaram por atacado⁹ e a luta pela carreira alargou-se e, neste momento, não há dique capaz de a suster.
A luta que dizia, inicialmente, respeito às condições de carreira, pôs a nu tudo o que falha na escola, fundindo-se a luta de uma classe na luta por um desígnio nacional: a educação.
Em teoria e no papel, a escola pública portuguesa está entre o melhor que se faz na Europa. Isso mesmo confirma o Domingos Fernandes, presidente da Comissão Nacional da Educação (CNE).
Os problemas surgem quando saltamos para a prática e esbarramos com todos os constrangimentos que são sobejamente conhecidos. Os professores portugueses passam a sua vida profissional a fazerem omeletes sem ovos e cansaram-se. Revoltaram-se contra o parco salário, a impossibilidade de progredirem nas carreiras, a possibilidade de se reformarem com um rendimento miserável, apesar do investimento que fizeram na sua educação e na educação dos outros. Não é justo. Ainda menos quando, no mesmo país, há colegas de profissão que veem os seus direitos reconhecidos (e bem). Que regime democrático temos que usa de dois pesos e duas medidas para a mesma classe profissional?!
Desta forma, os professores defendem, essencialmente, os seus direitos e não há que temer afirmá-lo, mas ao fazê-lo, defendem também a escola pública, porque o pior que lhe pode acontecer é ter gente a pensar que se ninguém lhes reconhece o mérito, então, deixa de haver razão para sacrificar tanto o seu tempo pessoal, para se meterem em projetos e atividades por mera carolice e por entenderem que os seus alunos o merecem, para continuar a colocar tantas vezes os seus meios à disposição da escola... A verdade é que muito do que se faz na escola é por boa vontade e sem esperar retorno. No dia em que as coisas deixarem de funcionar desta forma, o ensino público será cinzento e acabará por perecer. A luta dos professores não deverá ser inócua para a sociedade, porque sem eles, ela ficará votada à ignorância e à estagnação.
Chega! Sem medo da palavra e das venturices a ela associada. Chega de tanto desmerecimento!
Por estas razões, os docentes voltaram a Lisboa. Por isto e para beber um descafeinado servido em chávena de meia de leite, feito com pó solúvel à discrição, a pretexto de poder ir à casa de banho. Ficou cara a cevadinha, que em Lisboa não se brinca com os preços! Só mesmo para a carteira de professor!
Um bom domingo de repouso a todos os que se atreveram, mais uma vez, a invadir Lisboa.
Nina M.
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