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sábado, 21 de janeiro de 2023

Crónica de Maus Costumes 308

 Indignação e democracia

        Mostrar a Indignação é um direito democrático. Só em democracia se pode mostrá-lo. Esta, em regimes totalitários, é oprimida e abafada.
           Os professores, hoje, encheram o Terreiro do Paço para mostrarem a sua indignação contra os ataques sucessivos à escola pública, aos alunos e aos seus direitos.
         Os professores, ao mostrarem a sua insatisfação e a sua indignação, exercem um direito e dão um exemplo de  cidadania. Assim, se não pretendemos perder a liberdade de nos expressarmos quando a injustiça nos bate à porta, é preciso cuidar da democracia. Este sistema político tem defeitos, não é perfeito, mas ainda assim não conheço outro melhor. De modo que não posso olhar sem espírito crítico para as manifestações de desagrado que ultrapassam os limites do razoável. Os últimos acontecimentos no Brasil, à semelhança do sucedido no Capitólio, tornam evidente a diferença entre mostrar a indignação e a insatisfação de forma democrática e a arruaça, libertinagem e destruição de património. Sucede que sou apologista da rua para mostrar descontentamento, desde que feito com ordem e respeito pelos direitos dos outros. A democracia só pode funcionar plenamente desta forma, de modo que de cada vez que alguém passa linhas vermelhas, deve refletir sobre esse comportamento e a forma como este pode fazer perigar um regime democrático. É desse caos e dessa desordem que os populismos se aproveitam para promover a necessidade de um regime opressor que garante segurança. Neste contexto, é preciso cuidado com os discursos  polarizadores da sociedade e que extremam posições. Exemplo concreto: é legítimo, dentro do direito democrático, manifestar o desagrado; não será legítimo nem sensato afirmar que se vive em ditadura. Não passa de uma hipérbole incendiária. A prova cabal de que não se vive em ditadura é a possibilidade que as  pessoas têm de se manifestar. Essa verborreia não  passa de uma técnica discursiva usada por quem quer mover massas,  mas que deve ser questionada e  repensada. É esse tipo de discurso insano e persistente que fez com que os brasileiros desrespeitassem a democracia para supostamente defenderem essa mesma democracia. Por isso, quando pessoas com responsabilidade política afirmam que "é necessário um parênteses na democracia" ou que "esta democracia é uma vergonha" entendam que estão a colocar em causa a sua existência. Não é a democracia que é vergonhosa, mas o comportamento de certos elementos com responsabilidade política e ou social que é desrespeitador do país e dos seus cidadãos, mas entendamos que só temos conhecimento disso, porque vivemos em democracia. É por ela existir que sabemos dos múltiplos escândalos que têm afetado este (des)governo.
       Assim, cuidem os deputados e os membros do Governo da nossa casa democrática, sem demagogias nem extremismos, usados apenas para arregimentação de massas, com lisura e com responsabilidade.
       Lembremo-nos nós, cidadãos, que também temos uma responsabilidade individual e o dever de defender a democracia, regime conquistado, mas que não é, de todo, um dado adquirido, mas antes um bem imperfeito que importa preservar e aperfeiçoar. Para isso,  devemos ser esclarecidos e informados, saber ler os microdiscursos e vigiar-nos, porque mesmo o mais cuidadoso pode incorrer neste pecadilho.
       Hoje, os professores deram um enorme exemplo de como exercer o direito à indignação. Povoaram a capital com palavras de ordem e de luta, de forma ordeira e cívica. Mostraram aos cidadãos como se faz, pelo enorme exemplo. Espero que após esta movimentação o Governo queira efetivamente dialogar, encontrar soluções com os professores para a escola pública. Se é certo que não há escola sem alunos, não é menos verdadeiro afirmar que ela também não existe sem professores. Ninguém exige nada que não lhe pertença: reconhecimento do tempo efetivamente trabalhado, ausência de  quotas e de uma avaliação injusta, porque admite a excelência, mas castiga-a ao travar a progressão na carreira e os concursos com o critério único de nota de licenciatura ou mestrado e o tempo de serviço.
       Um agradecimento a todos os colegas que invadiram Lisboa, um agradecimento especial aos colegas da minha escola, onde ainda é possível ser feliz, também por causa deles, à direção, nossos superiores hierárquicos, mas também amigos. Grata pela solidariedade. Fizeram do trajeto longo um convívio sadio e animado. Obrigada defenderem a educação e dela fazerem bandeira.
Democracia sempre e sem parênteses!

Nina M.







 

 

 

 

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