Indignação e democracia
Mostrar a Indignação é um direito democrático.
Só em democracia se pode mostrá-lo. Esta, em regimes totalitários, é oprimida e
abafada.
Os professores, hoje, encheram o Terreiro do
Paço para mostrarem a sua indignação contra os ataques sucessivos à escola pública,
aos alunos e aos seus direitos.
Os professores, ao mostrarem a sua
insatisfação e a sua indignação, exercem um direito e dão um exemplo de
cidadania. Assim, se não pretendemos perder a liberdade de nos expressarmos
quando a injustiça nos bate à porta, é preciso cuidar da democracia. Este
sistema político tem defeitos, não é perfeito, mas ainda assim não conheço
outro melhor. De modo que não posso olhar sem espírito crítico para as
manifestações de desagrado que ultrapassam os limites do razoável. Os últimos
acontecimentos no Brasil, à semelhança do sucedido no Capitólio, tornam
evidente a diferença entre mostrar a indignação e a insatisfação de forma
democrática e a arruaça, libertinagem e destruição de património. Sucede que
sou apologista da rua para mostrar descontentamento, desde que feito com ordem
e respeito pelos direitos dos outros. A democracia só pode funcionar plenamente
desta forma, de modo que de cada vez que alguém passa linhas vermelhas, deve
refletir sobre esse comportamento e a forma como este pode fazer perigar um
regime democrático. É desse caos e dessa desordem que os populismos se
aproveitam para promover a necessidade de um regime opressor que garante
segurança. Neste contexto, é preciso cuidado com os discursos polarizadores
da sociedade e que extremam posições. Exemplo concreto: é legítimo, dentro do
direito democrático, manifestar o desagrado; não será legítimo nem sensato
afirmar que se vive em ditadura. Não passa de uma hipérbole incendiária. A
prova cabal de que não se vive em ditadura é a possibilidade que as
pessoas têm de se manifestar. Essa verborreia não passa de uma técnica
discursiva usada por quem quer mover massas, mas que deve ser questionada
e repensada. É esse tipo de discurso insano e persistente que fez com que
os brasileiros desrespeitassem a democracia para supostamente defenderem essa
mesma democracia. Por isso, quando pessoas com responsabilidade política
afirmam que "é necessário um parênteses na democracia" ou que
"esta democracia é uma vergonha" entendam que estão a colocar em
causa a sua existência. Não é a democracia que é vergonhosa, mas o
comportamento de certos elementos com responsabilidade política e ou social que
é desrespeitador do país e dos seus cidadãos, mas entendamos que só temos conhecimento
disso, porque vivemos em democracia. É por ela existir que sabemos dos
múltiplos escândalos que têm afetado este (des)governo.
Assim, cuidem os deputados e os membros do
Governo da nossa casa democrática, sem demagogias nem extremismos, usados
apenas para arregimentação de massas, com lisura e com responsabilidade.
Lembremo-nos nós, cidadãos, que também temos
uma responsabilidade individual e o dever de defender a democracia, regime
conquistado, mas que não é, de todo, um dado adquirido, mas antes um bem
imperfeito que importa preservar e aperfeiçoar. Para isso, devemos ser
esclarecidos e informados, saber ler os microdiscursos e vigiar-nos, porque
mesmo o mais cuidadoso pode incorrer neste pecadilho.
Hoje,
os professores deram um enorme exemplo de como exercer o direito à indignação.
Povoaram a capital com palavras de ordem e de luta, de forma ordeira e cívica.
Mostraram aos cidadãos como se faz, pelo enorme exemplo. Espero que após esta
movimentação o Governo queira efetivamente dialogar, encontrar soluções com os
professores para a escola pública. Se é certo que não há escola sem alunos, não
é menos verdadeiro afirmar que ela também não existe sem professores. Ninguém
exige nada que não lhe pertença: reconhecimento do tempo efetivamente
trabalhado, ausência de quotas e de uma avaliação injusta, porque admite
a excelência, mas castiga-a ao travar a progressão na carreira e os concursos
com o critério único de nota de licenciatura ou mestrado e o tempo de serviço.
Um
agradecimento a todos os colegas que invadiram Lisboa, um agradecimento
especial aos colegas da minha escola, onde ainda é possível ser feliz, também
por causa deles, à direção, nossos superiores hierárquicos, mas também amigos.
Grata pela solidariedade. Fizeram do trajeto longo um convívio sadio e animado.
Obrigada defenderem a educação e dela fazerem bandeira.
Democracia sempre e sem parênteses!
Nina M.
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