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sábado, 21 de janeiro de 2023

Crónica de Maus Costumes 309

 Greves e manifestações

            Esta semana, a luta dos professores prosseguiu entre greves distritais, greves ao primeiro tempo, plenários sindicais e reuniões entre as várias organizações sindicais e o Governo.

            A minha escola promoveu um plenário sindical para pessoal docente e não docente de todo o concelho de Lousada. A adesão foi forte e o evento teve cobertura mediática. Fui uma das entrevistadas, pelo que a primeira coisa que os meus filhos me disseram quando entrei em casa, foi: “ó mãe, tu apareceste na televisão!” Como se fosse um feito de outro mundo ou fosse revestido de uma importância extraordinária… Pensei com os meus botões que esta juventude vive para o mediatismo. Respondi: “A sério? Eu falei com uns jornalistas, efetivamente…”

O mais velho lá resmungou que na escola dele ninguém fazia nada… Até parece que os professores não querem defender os seus direitos. Eu bem sei o que ele queria, mas finjo acreditar no seu ativismo e espírito crítico e aproveito para dar uma aula de cidadania e do dever que cada um tem de mostrar a sua indignação, sempre de forma democrática e ordeira, de cada vez que se sente injustiçado. Foram estas as reações mais importantes do dia. Bem desejei que fossem outras, mas o senhor ministro não ajuda.

Creio que respondi por três vezes à mesma questão: se estava disposta a continuar a luta. Respondi afirmativamente, mas esclareci também que os professores querem ser parte da solução e não do problema. Para isso, é necessário que o senhor João Costa saia da surdez e da cegueira em que se enclausurou e passe a ouvir os professores. Porém, depois da reunião, percebeu-se por que razão não houve acordo. Efetivamente, o Ministério não ofereceu nada!

Quero chegar ao máximo de pessoas que conseguir, jornalistas, inclusivamente, para lhes dizer claramente que o senhor ministro, de forma cínica e com uma retórica falaciosa, atribuiu ao seu discurso uma nova roupagem para oferecer o que já tínhamos! A novidade que nos apresenta não só não nos resolve qualquer problema, como ainda nos é prejudicial. Isto que fique bem claro para a opinião pública. Analisemos os presentes envenenados do Ministério: em primeiro lugar, os inúmeros lugares que promete aos contratados, é só para os que este ano letivo conseguiram um horário completo, o que representa, uma vez mais uma medida atabalhoada e capaz de gerar injustiças. Pode haver professores com mais tempo de serviço que tiveram o azar de este ano não terem conseguido um horário completo, pelo que não entram em quadro. Depois, essas vagas serão maioritariamente em Lisboa e no Algarve e os professores que para aí forem quase terão de pagar para trabalhar, porque o preço da habitação é um absurdo incomportável. Ninguém falou de um apoio pecuniário para quem estiver nessas condições… Quanto aos professores de Quadro de Zona Pedagógica (QZP), acontece que estes foram reduzidos, mas os professores são obrigados a concorrer a seis deles, o que, contas feitas, a área abrangida é similar à que temos de momento. Cada QZP dista entre extremidades cinquenta quilómetros, mas ninguém garante que se fique naquele que é do seu interesse, para além de ser obrigado a circular por mais de um agrupamento, em caso de ter horário incompleto. Agora, nem os professores de Quadro de Escola ou de Agrupamento (lugar a exterminar, para que o conceito de mobilidade seja pleno) podem sossegar, porque ter dez horas letivas ou menos, implica também lecionar noutra escola desse quadro, consoante a vontade e necessidade das escolas e dos senhores diretores… Portanto, nada melhorou. Para os que consideram que os professores que têm horário incompleto têm mesmo de acumular ou estariam a ganhar o mesmo trabalhando menos, lembro que há uma série de serviços úteis e necessários que esses professores podem fazer na sua escola, a começar pelas aulas de apoio e a terminar na coordenação de projetos, por exemplo. Os responsáveis sugerem isto, sem subsídio de gasóleo ou deslocação, como se os docentes fossem obrigados a ter veículo próprio ou a conduzir. Se estas intenções não forem travadas, aviso desde já que chamo um “uber”, para ser mais barato, e apresento a conta na secretaria. Veríamos se o Ministério sairia a ganhar, se todos o fizéssemos. O meu veículo não tem que ser posto à disposição da tutela. Quanto à recuperação de tempo de serviço, mesmo que de forma faseada, nem uma palavra! E as quotas, as percentagens faladas correspondem ao que já existia… Os outros problemas… Esses nem foram abordados: a falta de condições, a indisciplina, a burocracia, a avaliação dos docentes e diretores, a aniquilação de programas, entre outros… O senhor ministro teve o desplante de ir para uma reunião sindical e apresentar uma mão cheia de nada, como um jogador de póquer que faz bluff. Acontece que o discurso pode iludir a opinião pública, mas não os professores!

Deixo ainda algumas notas para os senhores comentadores que ou partilham do ideário do governo ou não fazem os trabalhos de casa… Nenhum professor ganha mais de dois mil euros. Nem mesmo o raro que está no décimo escalão! Esses dois mil e tal euros que se podem ver nos recibos de vencimentos são ilíquidos. Significa que quando se aplicam os impostos (e aplicam-se sem misericórdia nem fugas), na maioria dos casos ficam entre os mil e trezentos e os mil e quinhentos euros, dependendo do índice em que o professor se encontre. Há quem chegue aos mil e setecentos, porventura. Lembremos que estamos a falar de pessoas com cursos superiores, mão de obra qualificada, muitos deles com pós-graduações, mestrados e até doutoramentos. Aos que dizem que os professores não precisam de ganhar mais, mas antes que o Governo baixe impostos, respondo que os professores não andam a pedir aumento de salários, apenas que deixem progredir sem os tampões das quotas aqueles que passam por uma avaliação interna feita pelo seu coordenador e por um avaliador externo, seu par, mas vindo de outra escola e que assiste a quatro aulas e analisa toda a planificação e a competência pedagógica e científica do avaliado. Há professores que têm excelente, mas não podem progredir por falta de quota. A nota faz bem ao ego, mas não paga contas! É esta injustiça a que os professores estão sujeitos! Quanto ao argumento de que as quotas existem em todas as carreiras, digo o seguinte: todas as carreiras viram o seu tempo de serviço reposto, exceto os professores continentais, porque os dos Açores e da Madeira não sabem o que é este suplício e esta agrura (e bem); a carreira docente tem a sua especificidade e não pode ser comparável a nenhuma outra. Um médico chefe de serviço tem outras responsabilidades e funções e é remunerado por isso. Os professores fazem todos o mesmo, desde o contratado ao que tem mais tempo de serviço. Se, por norma, os mais velhos são Coordenadores de Departamento, quase todos os outros são diretores de turma (cargo muito trabalhoso e que a maioria não deseja). A benesse são as horas de redução (ou duas ou quatro, passadas na escola, a trabalhar para o cargo atribuído) e que, dependendo da altura, não chegam para o trabalho que se faz. A propósito de dislates que são proferidos e chego a pensar que por má-fé, um professor não ganha e nunca ganhou mais que um médico. Já agora, um médico colocado em Bragança, tem direito a subsídio devido à interioridade (e bem), um deputado em Lisboa e um magistrado têm direito a ajudas de custo, o professor formou-os a todos, mas é o parente pobre obrigado a ir, a pagar o seu alojamento, a sua deslocação, com menor salário e sem qualquer ajuda pecuniária! 

Essa ignorância, para além de atrevida é insidiosa, porque se já não há jovens que queiram abraçar a profissão, com esta desvalorização e falta de respeito, dentro de pouco tempo, não haverá professores devidamente qualificados e lançaremos mãos ao que houver disponível, depauperando a educação, o ensino público e hipotecando o futuro do país, já que o seu desenvolvimento depende da educação dos seus cidadãos.

Por fim, que fique esclarecido que esta cegueira em que o Governo se encontra não se deve à falta de dinheiro. Há muito que poderiam e deveriam ter resolvido este problema, porque quem desbarata milhões em negócios ruinosos e que lesam a economia do país, tem dinheiro para resolver o problema dos professores em particular e da função pública, em geral, que é pessimamente paga. Trata-se, portanto, de uma opção política que não deverá ser esquecida pelos professores. Uma palavra para os assistentes operacionais, que trabalham uma vida inteira a troco de um salário mínimo, quase sem progressões, independentemente da sua competência, igualmente sujeitos a quotas. Sem eles, também não há escola.

Maltratar os professores é maltratar o país. Só a gente sem visão estratégica e com falta de inteligência não o consegue compreender. Eis os motivos pelos quais os professores não se podem calar! Eis os motivos pelos quais a luta tem de continuar!

Os professores a lutar também estão a ensinar! Veja se aprende a lição, senhor ministro, ou teremos de repeti-la tantas vezes quantas as necessárias, diversificando as estratégias. Assim nos ensinou a pedagogia! Para alguma coisa há de ter servido…

 

Nina M.

 

 

 

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