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sábado, 22 de outubro de 2022

Crónica de maus Costumes 296

  injustiça de Zeus

                Decidi, caro amigo, ex-colega, engenheiro de minas-escrevinhador-poeta-editor-estudante de matemática, seguir a tua sugestão… Eita homem dos sete ofícios, para usar uma expressão das bandas de onde te encontras, porque a transmontana seria menos escorreita!

            Para vos contextualizar, caros leitores e nem pensem que me fazem aderir à moda dos leitores e leitoras, mas isso seria assunto para outra crónica, dizia, portanto, que decidi aceitar o repto lançado pelo amigo Luís Altério ao ter comentado um dos seus fragmentos literários com que nos vai presenteando… Também já o aconselhei a deixar os fragmentos, que já são muitos e a atirar-se ao romance, mas não me ouviu ainda… Maravilhado com a Matemática, o Luís lá se atirou à empreitada de a estudar. Na conversa, dizia-me que escreveu o fragmento no meio do estudo e brinquei com a situação, afirmando que precisava da palavra para descansar da temível matemática! Lamentou a minha incapacidade de ver a beleza de uma equação. Admito que a não tenho. Sei de quem a possui, mas quanto a mim, resta-me consentir que ela possa existir, tal como existe na arte, seja na Literatura, seja na música, na pintura, na escultura, na representação, enfim, nas várias manifestações culturais da humanidade. Se a cultura trouxe algo de positivo foi a arte! A propósito disto, interrogava-me se a par desta maravilha que é a arte, trazida pela cultura, se paradoxalmente  não afasta o homem da sua natureza. As formas de vida do Homem hodierno são produtos culturais. A organização social e familiar tradicional do ocidente é diferente de outras e não significa que seja melhor ou pior, apenas diferente. Se as relações monogâmicas são a regra e considerado o correto pelos nossos padrões culturais (há quem ponha em causa), noutras culturas, o homem pode ter mais do que uma mulher, há uma poligamia que é aceite, mas apenas de uma das partes. A minha visão ocidental não me permite que esteja de acordo e não falo da poligamia, se for do interesse de todos, mas do facto de só uma das partes ter direito a ela. Mesmo que nos possa causar confusão, se os envolvidos se sentem felizes a viverem dessa forma, quem seremos nós para impormos o que quer que seja. Guna Yala, uma pequena comunidade indígena do Caribe, é um exemplo a ter em conta. Não se trata de um matriarcado, porquanto a mulher não é parlamentar ou cacique, mas é ela quem toma todas as decisões domésticas. Quando casa, o homem muda-se para a casa da noiva e é ela quem determina se o marido pode ou não dar alimentos à sua família de origem. O trabalho da mulher é valorizado e entendido como igual, sendo elas quem mais ganha, em parte pela prosperidade que o turismo lhes levou. Os gunas aceitam muito facilmente que os rapazes se sintam raparigas e queiram viver como tal, são os “omeggid”. As famílias aceitam-nos, acolhem-nos e ensinam-lhes as delicadas tarefas femininas, como bordar. Há mais transexuais masculinos do que femininos, mas em ambos os casos, a natureza de cada um é respeitada. As celebrações mais importantes nas ilhas Guna Yala são o nascimento de uma menina, a sua puberdade e o seu casamento. Toda a comunidade se reúne para beber chicha, uma cerveja local, para celebrar a juventude e a feminilidade. Já na tradição e cultura ocidentais, há uma construção do género binário, tendo em conta a biologia, mas que esquece o modo particular e pessoal de cada um estar e de se exprimir no mundo e que deveria ser acolhida, desde que em nada prejudique os outros. É o caso. A orientação sexual ou identidade de género em nada interfere com a liberdade do outro, mas a tradição ocidental tende a ostracizar, apesar dos enormes progressos que tem vindo a fazer nessa matéria. Significa que, neste caso, a tradição cultural padronizada é inibidora da natureza do ser humano. Daí a minha questão de me interrogar se a cultura, apesar de ser fundamental e edificante, imprescindível para o Homem, não é, em simultâneo, inibidora da natureza de cada um. Também pode ser que esteja completamente errada e que este pensamento seja uma ideia de caca, até porque limpava casas de banho, quando me surgiu…

            Caro Altério, como vês, são questões estapafúrdias ou filosóficas como esta, dependendo do ponto de vista de quem as vê, que me assaltam o espírito. Desconfio de que quem nasceu assim, não poderia ser coroado com inteligência matemática, da qual sou desprovida. Enfim, lá conseguia os mínimos, mas os números nunca me assaltaram o espírito! Porém, era capaz de sonhar diálogos em inglês, mesmo acordada, ou em francês… Raramente me lembro do que sonho, mas sei que neles falo melhor inglês do que acordada. A língua não se enrola, não me esqueço do vocabulário nem nada… O meu calcanhar de Aquiles é o latim, mas isso reconheço que no tempo em que tive de o estudar, as atrações eram muitas e eu não tinha tempo para tanto, porque, hoje, sei que iria gostar de o fazer. Talvez na reforma compre a gramática do excelso professor Frederico Lourenço e me dedique novamente, agora com mais seriedade do que só para fazer a cadeira, e o volte a aprender. Às vezes ainda suo frio, em sonhos, porque estou no exame e olho para aquilo e não sei nadinha! Que desespero, meu Deus! Aqui a menina nunca foi de ir para uma frequência a zero. Poderia e deveria ter sido mais aplicada, certo, mas sempre tive o meu brio e sempre fiz todas as cadeiras certinho! Uma jovem também precisa de vida social! O recolhimento trouxe-mo a maturidade…

            Portanto, chegada aqui, reafirmo o que já te havia dito, os meus professores de matemática (os desgraçados estão sempre na berlinda) não tiveram qualquer responsabilidade na minha falta de apetência para a disciplina e lembro-me perfeitamente de a minha ida para o décimo ano ter representado uma alegria tremenda, por não ter disciplinas de que não gostasse e nas quais fosse fraca. Ainda hoje me interesso e tenho gosto pela História, pela Filosofia, pela Psicologia, para além da minha área e das línguas, como te disse.

Enfim, cada um é para o que nasce! Dotes artísticos também não possuo e  posso lamentar-me, porque tenho duas mãos canhotas, fraca voz e desafinada e no desporto, sei caminhar e correr alguma coisinha, porque basta mexer os pés e aguentar…

 Já pensei pôr Zeus em tribunal, porque quem tanto fogo forja não se dignar a deixar cair distraidamente uma faísca sobre mim que me fizesse um pouco maior é de gerar indignação!

Por hoje é isto. Aí tens a tua “crónica à la Sónia” ou à la Nina M. como sugerido.


Nina M.

 

 

 

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