A injustiça de Zeus
Decidi, caro amigo, ex-colega,
engenheiro de minas-escrevinhador-poeta-editor-estudante de matemática, seguir a
tua sugestão… Eita homem dos sete ofícios, para usar uma expressão das bandas
de onde te encontras, porque a transmontana seria menos escorreita!
Para vos contextualizar, caros
leitores e nem pensem que me fazem aderir à moda dos leitores e leitoras, mas
isso seria assunto para outra crónica, dizia, portanto, que decidi aceitar o
repto lançado pelo amigo Luís Altério ao ter comentado um dos seus fragmentos
literários com que nos vai presenteando… Também já o aconselhei a deixar os
fragmentos, que já são muitos e a atirar-se ao romance, mas não me ouviu ainda…
Maravilhado com a Matemática, o Luís lá se atirou à empreitada de a estudar. Na
conversa, dizia-me que escreveu o fragmento no meio do estudo e brinquei com a
situação, afirmando que precisava da palavra para descansar da temível
matemática! Lamentou a minha incapacidade de ver a beleza de uma equação.
Admito que a não tenho. Sei de quem a possui, mas quanto a mim, resta-me
consentir que ela possa existir, tal como existe na arte, seja na Literatura,
seja na música, na pintura, na escultura, na representação, enfim, nas várias
manifestações culturais da humanidade. Se a cultura trouxe algo de positivo foi
a arte! A propósito disto, interrogava-me se a par desta maravilha que é a arte,
trazida pela cultura, se paradoxalmente não afasta o homem da sua natureza. As formas
de vida do Homem hodierno são produtos culturais. A organização social e
familiar tradicional do ocidente é diferente de outras e não significa que seja
melhor ou pior, apenas diferente. Se as relações monogâmicas são a regra e
considerado o correto pelos nossos padrões culturais (há quem ponha em causa),
noutras culturas, o homem pode ter mais do que uma mulher, há uma poligamia que
é aceite, mas apenas de uma das partes. A minha visão ocidental não me permite
que esteja de acordo e não falo da poligamia, se for do interesse de todos, mas
do facto de só uma das partes ter direito a ela. Mesmo que nos possa causar
confusão, se os envolvidos se sentem felizes a viverem dessa forma, quem
seremos nós para impormos o que quer que seja. Guna Yala, uma pequena
comunidade indígena do Caribe, é um exemplo a ter em conta. Não se trata de um
matriarcado, porquanto a mulher não é parlamentar ou cacique, mas é ela quem
toma todas as decisões domésticas. Quando casa, o homem muda-se para a casa da
noiva e é ela quem determina se o marido pode ou não dar alimentos à sua
família de origem. O trabalho da mulher é valorizado e entendido como igual,
sendo elas quem mais ganha, em parte pela prosperidade que o turismo lhes
levou. Os gunas aceitam muito facilmente que os rapazes se sintam raparigas e
queiram viver como tal, são os “omeggid”. As famílias aceitam-nos, acolhem-nos
e ensinam-lhes as delicadas tarefas femininas, como bordar. Há mais transexuais
masculinos do que femininos, mas em ambos os casos, a natureza de cada um é
respeitada. As
celebrações mais importantes nas ilhas Guna Yala são o nascimento de uma
menina, a sua puberdade e o seu casamento. Toda a comunidade se reúne para
beber chicha, uma cerveja local, para celebrar a juventude e a feminilidade. Já
na tradição e cultura ocidentais, há uma construção do género binário, tendo em
conta a biologia, mas que esquece o modo particular e pessoal de cada um estar
e de se exprimir no mundo e que deveria ser acolhida, desde que em nada
prejudique os outros. É o caso. A orientação sexual ou identidade de género em
nada interfere com a liberdade do outro, mas a tradição ocidental tende a
ostracizar, apesar dos enormes progressos que tem vindo a fazer nessa matéria.
Significa que, neste caso, a tradição cultural padronizada é inibidora da
natureza do ser humano. Daí a minha questão de me interrogar se a cultura,
apesar de ser fundamental e edificante, imprescindível para o Homem, não é, em
simultâneo, inibidora da natureza de cada um. Também pode ser que esteja
completamente errada e que este pensamento seja uma ideia de caca, até porque limpava
casas de banho, quando me surgiu…
Caro Altério, como vês, são questões
estapafúrdias ou filosóficas como esta, dependendo do ponto de vista de quem as
vê, que me assaltam o espírito. Desconfio de que quem nasceu assim, não poderia
ser coroado com inteligência matemática, da qual sou desprovida. Enfim, lá
conseguia os mínimos, mas os números nunca me assaltaram o espírito! Porém, era
capaz de sonhar diálogos em inglês, mesmo acordada, ou em francês… Raramente me
lembro do que sonho, mas sei que neles falo melhor inglês do que acordada. A
língua não se enrola, não me esqueço do vocabulário nem nada… O meu calcanhar
de Aquiles é o latim, mas isso reconheço que no tempo em que tive de o estudar,
as atrações eram muitas e eu não tinha tempo para tanto, porque, hoje, sei que
iria gostar de o fazer. Talvez na reforma compre a gramática do excelso
professor Frederico Lourenço e me dedique novamente, agora com mais seriedade
do que só para fazer a cadeira, e o volte a aprender. Às vezes ainda suo frio,
em sonhos, porque estou no exame e olho para aquilo e não sei nadinha! Que
desespero, meu Deus! Aqui a menina nunca foi de ir para uma frequência a zero.
Poderia e deveria ter sido mais aplicada, certo, mas sempre tive o meu brio e
sempre fiz todas as cadeiras certinho! Uma jovem também precisa de vida social!
O recolhimento trouxe-mo a maturidade…
Portanto,
chegada aqui, reafirmo o que já te havia dito, os meus professores de
matemática (os desgraçados estão sempre na berlinda) não tiveram qualquer
responsabilidade na minha falta de apetência para a disciplina e lembro-me
perfeitamente de a minha ida para o décimo ano ter representado uma alegria
tremenda, por não ter disciplinas de que não gostasse e nas quais fosse fraca.
Ainda hoje me interesso e tenho gosto pela História, pela Filosofia, pela
Psicologia, para além da minha área e das línguas, como te disse.
Enfim, cada um é
para o que nasce! Dotes artísticos também não possuo e posso lamentar-me, porque tenho duas mãos
canhotas, fraca voz e desafinada e no desporto, sei caminhar e correr alguma
coisinha, porque basta mexer os pés e aguentar…
Já pensei pôr Zeus em tribunal, porque quem
tanto fogo forja não se dignar a deixar cair distraidamente uma faísca sobre
mim que me fizesse um pouco maior é de gerar indignação!
Por hoje é isto.
Aí tens a tua “crónica à la Sónia” ou à la Nina M. como sugerido.
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário