Má análise e desonestidade intelectual
Há comportamentos que me aborrecem
por serem falaciosos e não abonarem, por isso mesmo, a favor de quem os pratica
e porque quem os difunde tem um objetivo definido e considera o público-alvo
manipulável, para ser simpática.
Por estes dias, faleceu uma colega
de cinquenta anos (aproveito para dirigir os meus sentidos pêsames aos
familiares), doente oncológica já há cerca de uma dezena de anos e que no
presente ano letivo, com a mudança das regras de colocação por mobilidade por
doença, teria ficado longe de casa. Sabemos que os cinquenta quilómetros em
linha reta estabelecidos para colocação são uma idiotice e só quem não conhece
a realidade escolar e geográfica do país ou então quem age por má-fé poderia
descortinar uma solução deste género. Na análise que faço, o intuito do
Ministério da Educação, ao contrário do que muitos professores pensam, não foi
uma caça às supostas baixas fraudulentas que muitos alegam existir. Para
combater verdadeiramente esse crime, o Ministério teria e deveria começar por
investigar a veracidade do atestado e a idoneidade de quem o passou e, depois
de aferida a responsabilidade, penalizar o docente desonesto, se for esse o
caso. O único objetivo do senhor ministro foi colocar o maior número possível
de professores nas escolas, para que o presente ano letivo arrancasse com
normalidade e, desta forma, não haver grande reclamação por parte dos pais. A
falta de professores é um problema sério que os futuros Governos terão para
resolver a curto prazo e o senhor ministro tentou uma solução rápida para o
problema. No entanto, as decisões tomadas nesse sentido não têm sido as mais
avisadas nem resolverão a situação a longo prazo. É apenas um placebo. Assim,
as várias medidas têm constituído constantes atropelos ao bom senso e, como
medidas avulsas que são, têm prejudicado outros que pertencem à mesma classe
profissional. O facto de permitirem a renovação de horários incompletos a
professores colocados a partir de certa data, mas não o permitirem a outros que
ficaram colocados mais cedo, é disso exemplo… A situação da mobilidade por
doença é escandalosa, uma vez que há casos de doença grave que não foram
devidamente analisados nem acautelados, no cumprimento zeloso, mas estúpido, da
reta dos cinquenta quilómetros. Deixo claro que em termos de justiça nos
concursos, considero que a atuação governativa tem sido vergonhosa.
A colega que faleceu foi uma vítima
dessa cegueira. Ao que parece, tinha reclamado, mas ainda não tinha obtido
qualquer resposta. Foi, portanto, uma das injustiçadas, porque quem padece de
doença oncológica e se encontra a fazer tratamentos deveria estar a trabalhar
na sua área de residência. Se uma doente oncológica não reúne requisitos para
isso, nenhum outro reunirá. Uma análise séria é reconhecer este facto. Neste
sentido, a colega, sim, foi vítima de uma lei absurda, que corta eito fora o
direito da colocação na Mobilidade por Doença sem olhar às circunstâncias nem à
natureza justa das coisas. Outra coisa diferente é responsabilizar diretamente
o ministro pela morte da senhora. Ora isto é de uma irracionalidade tremenda e
talvez de uma má-fé inadmissível. Não tenho qualquer admiração especial pelo
senhor João Costa, mas não lhe posso atribuir, em consciência, a culpa pela
morte da colega. Infelizmente, o falecimento terá acontecido devido à doença e
não à sua colocação! Provavelmente, a situação teria o mesmo desfecho se ela
estivesse colocada perto de casa. Foi uma colocação injusta? Terá sido,
obviamente, mas atribuir a responsabilidade da sua morte ao ministro, parece-me
má-fé e estupidez.
Acho que faz todo o sentido a união
de classe em prol do que é justo e correto, mas não se pode exigir justiça e
verdade do Ministério, para depois usar das mesmas armas políticas. Não pode
valer tudo nem de um lado nem do outro. Somos professores e temos o dever do
exemplo ético. Estes exageros e jogos políticos sujos enojam-me. E se não gosto
deles vindos do Ministério, também não os aprovo quando são oriundos de um
sindicato e de uma classe. Não é desta forma maliciosa que se defende os
interesses da classe, mas antes com factos, rigor, verdade e honradez. Não sejamos
iguais aos que constantemente nos aviltam.
Tem surgido também recentemente
forte indignação por parte de muitos pais, que consideram as férias de verão
demasiado longas, comparando com o que se passa noutros países. Algumas notícias
são absolutamente falaciosas e, quando surgem, não são inocentes. Há uns
tempos, a douta (ironia minha, obviamente) Maria de Lurdes Rodrigues escreveu
um artigo de opinião também nesse sentido. Não sei se me faço entender, mas
julgo estar orquestrada a campanha para o calendário escolar ser alterado.
Normalmente, a desonestidade intelectual procede desta forma, vai incendiando a
opinião pública para depois pôr em marcha os seus objetivos, sem oposição de
maior e com aplausos de muitos e sem discutir essas mudanças com quem está no
terreno. É preciso explicar a quem tem os neurónios funcionais, porque outros
há que será pura perda de tempo, que existem razões para que as coisas sejam
assim. Vejamos, antes de qualquer outra coisa, Portugal é dos países europeus
em que os alunos têm mais dias de aulas e maior carga letiva, como qualquer pesquisa
rápida na Internet comprovará; depois, as férias estão mais concentradas no
verão devido ao clima, o que significa que nos países europeus mais a Norte,
têm menos semanas de férias no verão, mas têm mais pausas letivas ao longo do
ano, por exemplo, param já em outubro uma semana, depois em dezembro, duas. Têm
férias de neve, também duas semanas; três dias no Carnaval e também quinze dias
pela Páscoa. Significa que o tempo de férias todo contabilizado é semelhante ao
nosso. Lamentam-se os pais que o calendário não se ajusta às suas necessidades
por não terem onde deixarem os filhos, questiono, então, como fariam nas
interrupções ao longo do ano… São mais curtas, mas o problema continuaria a
existir. Depois, não levam em conta toda a preparação do ano letivo seguinte
que é necessário fazer após o término das aulas, nem a existência de exames e
da respetiva correção, nem o facto de as crianças, com o surgimento do calor
não estarem tão disponíveis para a aprendizagem. Vivemos numa época em que os
pais querem que a escola seja lugar de depósito dos filhos, mas se as pausas
existem é porque as crianças, em primeira instância, necessitam delas e
descansar não significa continuar na escola! Esse problema organizacional da
sociedade não compete às escolas resolver, mas sim ao Estado e tanto o deveriam
resolver de junho a meados de setembro quanto nas várias interrupções que
existem ou que venham a existir. Em países mais quentes e com praia faz mais
sentido haver mais férias de verão do que de inverno ou querem ir todos esquiar
para a Serra da Estrela? Não somos propriamente um país de neve! Felizmente, digo
eu, que a dispenso bem e que detesto o frio!
Saibamos analisar as questões com lisura,
baseando-nos nos factos, sem os distorcer numa retórica embrulhada de sofista, apenas
porque nos dá mais jeito que seja assim. Nem a colega faleceu por motivo da colocação
nem os professores portugueses trabalham menos do que os outros, como sub-repticiamente
se pretende sugerir.
Haja decoro!
Nina M.
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