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sábado, 1 de outubro de 2022

Crónica de Maus Costumes 293

 Má análise e desonestidade intelectual

            Há comportamentos que me aborrecem por serem falaciosos e não abonarem, por isso mesmo, a favor de quem os pratica e porque quem os difunde tem um objetivo definido e considera o público-alvo manipulável, para ser simpática.

            Por estes dias, faleceu uma colega de cinquenta anos (aproveito para dirigir os meus sentidos pêsames aos familiares), doente oncológica já há cerca de uma dezena de anos e que no presente ano letivo, com a mudança das regras de colocação por mobilidade por doença, teria ficado longe de casa. Sabemos que os cinquenta quilómetros em linha reta estabelecidos para colocação são uma idiotice e só quem não conhece a realidade escolar e geográfica do país ou então quem age por má-fé poderia descortinar uma solução deste género. Na análise que faço, o intuito do Ministério da Educação, ao contrário do que muitos professores pensam, não foi uma caça às supostas baixas fraudulentas que muitos alegam existir. Para combater verdadeiramente esse crime, o Ministério teria e deveria começar por investigar a veracidade do atestado e a idoneidade de quem o passou e, depois de aferida a responsabilidade, penalizar o docente desonesto, se for esse o caso. O único objetivo do senhor ministro foi colocar o maior número possível de professores nas escolas, para que o presente ano letivo arrancasse com normalidade e, desta forma, não haver grande reclamação por parte dos pais. A falta de professores é um problema sério que os futuros Governos terão para resolver a curto prazo e o senhor ministro tentou uma solução rápida para o problema. No entanto, as decisões tomadas nesse sentido não têm sido as mais avisadas nem resolverão a situação a longo prazo. É apenas um placebo. Assim, as várias medidas têm constituído constantes atropelos ao bom senso e, como medidas avulsas que são, têm prejudicado outros que pertencem à mesma classe profissional. O facto de permitirem a renovação de horários incompletos a professores colocados a partir de certa data, mas não o permitirem a outros que ficaram colocados mais cedo, é disso exemplo… A situação da mobilidade por doença é escandalosa, uma vez que há casos de doença grave que não foram devidamente analisados nem acautelados, no cumprimento zeloso, mas estúpido, da reta dos cinquenta quilómetros. Deixo claro que em termos de justiça nos concursos, considero que a atuação governativa tem sido vergonhosa.

            A colega que faleceu foi uma vítima dessa cegueira. Ao que parece, tinha reclamado, mas ainda não tinha obtido qualquer resposta. Foi, portanto, uma das injustiçadas, porque quem padece de doença oncológica e se encontra a fazer tratamentos deveria estar a trabalhar na sua área de residência. Se uma doente oncológica não reúne requisitos para isso, nenhum outro reunirá. Uma análise séria é reconhecer este facto. Neste sentido, a colega, sim, foi vítima de uma lei absurda, que corta eito fora o direito da colocação na Mobilidade por Doença sem olhar às circunstâncias nem à natureza justa das coisas. Outra coisa diferente é responsabilizar diretamente o ministro pela morte da senhora. Ora isto é de uma irracionalidade tremenda e talvez de uma má-fé inadmissível. Não tenho qualquer admiração especial pelo senhor João Costa, mas não lhe posso atribuir, em consciência, a culpa pela morte da colega. Infelizmente, o falecimento terá acontecido devido à doença e não à sua colocação! Provavelmente, a situação teria o mesmo desfecho se ela estivesse colocada perto de casa. Foi uma colocação injusta? Terá sido, obviamente, mas atribuir a responsabilidade da sua morte ao ministro, parece-me má-fé e estupidez.

            Acho que faz todo o sentido a união de classe em prol do que é justo e correto, mas não se pode exigir justiça e verdade do Ministério, para depois usar das mesmas armas políticas. Não pode valer tudo nem de um lado nem do outro. Somos professores e temos o dever do exemplo ético. Estes exageros e jogos políticos sujos enojam-me. E se não gosto deles vindos do Ministério, também não os aprovo quando são oriundos de um sindicato e de uma classe. Não é desta forma maliciosa que se defende os interesses da classe, mas antes com factos, rigor, verdade e honradez. Não sejamos iguais aos que constantemente nos aviltam.

            Tem surgido também recentemente forte indignação por parte de muitos pais, que consideram as férias de verão demasiado longas, comparando com o que se passa noutros países. Algumas notícias são absolutamente falaciosas e, quando surgem, não são inocentes. Há uns tempos, a douta (ironia minha, obviamente) Maria de Lurdes Rodrigues escreveu um artigo de opinião também nesse sentido. Não sei se me faço entender, mas julgo estar orquestrada a campanha para o calendário escolar ser alterado. Normalmente, a desonestidade intelectual procede desta forma, vai incendiando a opinião pública para depois pôr em marcha os seus objetivos, sem oposição de maior e com aplausos de muitos e sem discutir essas mudanças com quem está no terreno. É preciso explicar a quem tem os neurónios funcionais, porque outros há que será pura perda de tempo, que existem razões para que as coisas sejam assim. Vejamos, antes de qualquer outra coisa, Portugal é dos países europeus em que os alunos têm mais dias de aulas e maior carga letiva, como qualquer pesquisa rápida na Internet comprovará; depois, as férias estão mais concentradas no verão devido ao clima, o que significa que nos países europeus mais a Norte, têm menos semanas de férias no verão, mas têm mais pausas letivas ao longo do ano, por exemplo, param já em outubro uma semana, depois em dezembro, duas. Têm férias de neve, também duas semanas; três dias no Carnaval e também quinze dias pela Páscoa. Significa que o tempo de férias todo contabilizado é semelhante ao nosso. Lamentam-se os pais que o calendário não se ajusta às suas necessidades por não terem onde deixarem os filhos, questiono, então, como fariam nas interrupções ao longo do ano… São mais curtas, mas o problema continuaria a existir. Depois, não levam em conta toda a preparação do ano letivo seguinte que é necessário fazer após o término das aulas, nem a existência de exames e da respetiva correção, nem o facto de as crianças, com o surgimento do calor não estarem tão disponíveis para a aprendizagem. Vivemos numa época em que os pais querem que a escola seja lugar de depósito dos filhos, mas se as pausas existem é porque as crianças, em primeira instância, necessitam delas e descansar não significa continuar na escola! Esse problema organizacional da sociedade não compete às escolas resolver, mas sim ao Estado e tanto o deveriam resolver de junho a meados de setembro quanto nas várias interrupções que existem ou que venham a existir. Em países mais quentes e com praia faz mais sentido haver mais férias de verão do que de inverno ou querem ir todos esquiar para a Serra da Estrela? Não somos propriamente um país de neve! Felizmente, digo eu, que a dispenso bem e que detesto o frio!

            Saibamos analisar as questões com lisura, baseando-nos nos factos, sem os distorcer numa retórica embrulhada de sofista, apenas porque nos dá mais jeito que seja assim. Nem a colega faleceu por motivo da colocação nem os professores portugueses trabalham menos do que os outros, como sub-repticiamente se pretende sugerir.

            Haja decoro!

 Nina M.

 

 

 

 

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