O sentido para a existência
Venho
de uma experiência imersiva de luz e de som. Fui aos Clérigos, à Igreja,
entenda-se, não às Galerias, para assistir ao espetáculo “Spiritus”, que decorre desde abril e terminará a dezasseis de
outubro.
Venho
desapontada. Responsabilidade minha, que criei expetativa. A publicidade foi
boa e falava-se de uma aliança entre arte multimédia e Fernando Pessoa,
concretamente, o heterónimo Álvaro de Campos. Acontece que imaginei um
espetáculo mais interativo com jogos de luz, de cor e de voz à mistura, que nos
traria Pessoa. Dececionei-me. Houve luz e cor, mas pouco Pessoa. Um segmento a
abrir, para nos dizer que “a melhor forma de viajar é sentir/sentir tudo de
todas as maneiras/sentir excessivamente”… Poucos portugueses desconhecerão os
versos (quero acreditar nisto) e um segmento para fechar o espetáculo e foi
tudo quanto houve de Pessoa… Tive pena, porque não senti tudo de todas as
maneiras, o que significa que aquilo que nos marca se incrusta na alma pela
emoção sentida. Houve alguma beleza, admito, mas não capaz de me agarrar a
alma.
E
este facto leva-me à pergunta e constatações que me são feitas por pessoas que
me são próximas relativamente ao facto de escrever e de continuar semanalmente
com esta rubrica. “Não sei como tens pachorra”, dizem-me. Penso que estará
relacionado com a explicação que ouvi de uma psiquiatra, nuns vídeos que vou
assistindo, por ser curiosa. As ciências sociais, basicamente, a condição
humana e tudo o que lhe diga respeito interessa-me. A Literatura explora, tenta
compreender, analisa, ilustra e reflete sobre aspetos da condição humana. Por
isso é perene e se perpetuará enquanto houver humanidade, porque as mesmas
dúvidas com que o Homem se depara repetem-se em épocas diferentes. Ando a ler o
Guerra e Paz (já estou no final do primeiro volume). Uma obra-prima do século
XIX que reúne as grandes questões: o mistério da vida e da morte; a fé; a
descoberta do sentido para a vida; o amor; a hipocrisia e a desigualdade
social… Enfim, sempre questões às quais voltamos sem cessar e para as quais não
há uma resposta exata ou que sirva a todos, por conseguinte, esta obra foi tão
válida no seu tempo quanto é agora, porque permanece atual, pois trata da
natureza do ser humano. Porém, dizia eu, que a Dra. Ana Beatriz Barbosa explicava
que à medida que o Homem foi evoluindo, o seu cérebro aumentou. O homem ficou
mais inteligente, no entanto, esse “upgrade” trouxe como consequência não saber
que uso lhe dar, porque se antes, recuando aos primórdios, a única preocupação
seria a sobrevivência, neste momento, isso não se coloca. Então, há uma falta
de orientação cerebral. O órgão pensante precisa de descobrir o que lhe é vital
ou, dito de outra forma, cada um de nós, aparentemente com a sobrevivência
garantida, precisa de saber o que fazer com a sua existência e isso passa pela
descoberta dos sentidos e do propósito. O sentido remete-nos para os nossos
talentos e paixões e o propósito para a forma como os usamos e partilhamos com
os outros. A ausência da descoberta de sentido será o “mal du siècle” e o que
justificará muitos dos quadros depressivos. Ora que a minha escrita seja
talento não estou certa, mas será paixão, certamente. De alguma forma, a
escrita traz-me também um sentido à existência. Não o único, mas um sentido.
Quanto ao propósito… Não sei propriamente que contributo ou utilidade terá… Vou
partilhando convosco, na secreta esperança de não ser abusiva. Porém, o
problema também seria de fácil resolução… Basta que não percais tempo com a
leitura do que vos possa maçar.
Assim,
hoje, aconselhava ao adolescente da casa tentar descobrir-se e descobrir o
sentido da sua existência (tarefa demasiado árdua, para já, mas sobre a qual
deve ir pensando) para não andar à deriva.
Infalivelmente,
a ausência de sentido atira-nos ou para a indiferença dos dias ou para uma
leveza alegre que tudo abarca, mas nada agarra, daquelas que não se inscreve na
alma, tal como a experiência imersiva que vivi. O que não se funde escoa-se pelas
frinchas do ser.
Nina
M.
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