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sábado, 24 de setembro de 2022

Crónica de Maus Costumes 292

 A insustentável tirania masculina

Deparei-me, hoje, com uma notícia de 16 de setembro, que dava a conhecer uma morte de uma jovem mulher, Mahsa Amini, de 22 anos, no Irão, pelo uso incorreto do véu islâmico (hijab). Fiquei em choque e revoltada. Nunca me são indiferentes estas cobardias inomináveis.

A jovem até usava o véu, mas imagine-se, de forma inapropriada, desrespeitando o código de vestuário da República do Irão. As iranianas são obrigadas a tapar o cabelo e o pescoço com o “hijab”, quando estão em público, e também não podem usar saias e calças justas ou roupa com cores vivas. A jovem foi detida, terá desmaiado, vítima de maus-tratos por parte das autoridades e acabou por falecer no hospital, depois de três dias em coma. Após o sucedido, tem havido várias manifestações, em vários pontos do país. Muitas mulheres não estão a usar os lenços em público. Queimam-nos enquanto gritam “morte ao ditador”, referindo-se ao líder daquele país. No entanto, nove mulheres já morreram durante os protestos, pela falta do “hijab” ou do seu uso inadequado. Naturalmente, as Nações Unidas já condenaram a violência perpetrada contra a jovem e contra os manifestantes, mas certamente, Ayatollah Ali Khamenei não se preocupa muito com a opinião da organização, que o seu país também integra, ou não fosse a hipocrisia uma estratégia política.

Aplaudo todas as iranianas que saíram à rua, numa demonstração clara de força, de revolta e de desejo de mudança. Grito daqui com todas elas “morte ao ditador!” E é um grito forte, violento e aparentemente condenável, por responder à violência com mais violência. No entanto, como lidar com esses tiranos assassinos que apenas visam manter a mulher subjugada, como ser inferior, sem direito à sua liberdade, logo, impedindo-a de SER?! Olho para o Irão e outros países semelhantes e dou comigo a pensar que aquelas mulheres só terão direito à sua autodeterminação, quando não houver mais homens naquele lugar ou quando eles forem tão poucos que sejam incapazes de as suster pela força. Para isso, só deixando de os parir! Se não fosse trágico, seria cómico. São as mulheres que dão a vida aos seus carrascos, àqueles que depois de crescerem se esquecem do ventre materno que os abrigou, reduzindo-as a parideiras domésticas, a um animal que se amestrou e se castiga quando não cumpre exemplarmente as regras instituídas. Por isso me revolvem as entranhas quando, nas redes sociais, numa tentativa de branqueamento do que já é demasiado sujo para poder ser lavado, surgem propagandas à indumentária do mundo árabe, comparando-a muitas vezes aos hábitos das religiosas ocidentais, questionando pela diferença. Pois bem, em primeiro lugar, se a religiosa estiver a usar inapropriadamente o seu hábito, não é morta por isso; em segundo, só faz votos quem quer, o que significa que o hábito é uma escolha e não uma imposição. Já o inverso não se pode dizer, ainda que não falte quem afirme que muitas árabes usam essa indumentária por vontade própria. Não! Foram instrumentalizadas e obrigadas, acabando por se interiorizar no seu espírito. A comprová-lo, surgem estes casos que evidenciam a coerção pela violência. Precisam que a mulher tema pela sua vida para que viva dominada, sem capacidade de revolta. Se assim não for, então que terminem com a obrigatoriedade do uso dessas indumentárias. Deixem as mulheres livres para vestirem o que quiserem, porque elas não são propriedade de ninguém. Neste ponto não concedo e é com tristeza e repugnância que assisto a que estas atrocidades sejam também permitidas em solo europeu, sob o escudo de uma tradição e cultura próprias. Não! E é preciso coragem para o defender. Não há tradição ou cultura que se possa aceitar quando ela implica a submissão e a perda da liberdade individual e do direito de escolha de outro ser humano. Não! Sob pena de cairmos num relativismo cultural sem retorno.

É tempo de o Ocidente defender sem concessões os seus valores democráticos. É necessário que a sua voz firme se faça ouvir na condenação destes assassinatos.

Às iranianas corajosas, capazes de enfrentarem o temor e de fazerem perigar a sua vida, em nome de um futuro livre de grilhões, desejo-lhes que vençam a luta. Admiro-as profundamente, porque a mudança só acontece pelo interior. Precisam que essa centelha interior não as deixe cair em desânimo. Aos homens que as apoiam, o meu reconhecimento e o pedido para que não as abandonem na luta. À comunidade internacional, quero lembrar que para haver tolerância é necessário fixar primeiro o intolerável, caso contrário, deixa de ser tolerância para passar a ser cumplicidade com o crime.

Bem-haja, a vós, mulheres!

 

Nina M.

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