A insustentável tirania masculina
Deparei-me,
hoje, com uma notícia de 16 de setembro, que dava a conhecer uma morte de uma
jovem mulher, Mahsa Amini, de 22 anos, no Irão, pelo uso incorreto do véu islâmico
(hijab). Fiquei em choque e revoltada. Nunca me são indiferentes estas
cobardias inomináveis.
A
jovem até usava o véu, mas imagine-se, de forma inapropriada, desrespeitando o
código de vestuário da República do Irão. As iranianas são obrigadas a tapar o
cabelo e o pescoço com o “hijab”, quando estão em público, e também não podem
usar saias e calças justas ou roupa com cores vivas. A jovem foi detida, terá
desmaiado, vítima de maus-tratos por parte das autoridades e acabou por falecer
no hospital, depois de três dias em coma. Após o sucedido, tem havido várias
manifestações, em vários pontos do país. Muitas mulheres não estão a usar os
lenços em público. Queimam-nos enquanto gritam “morte ao ditador”, referindo-se
ao líder daquele país. No entanto, nove mulheres já morreram durante os
protestos, pela falta do “hijab” ou do seu uso inadequado. Naturalmente, as
Nações Unidas já condenaram a violência perpetrada contra a jovem e contra os
manifestantes, mas certamente, Ayatollah Ali Khamenei não se preocupa muito com
a opinião da organização, que o seu país também integra, ou não fosse a
hipocrisia uma estratégia política.
Aplaudo
todas as iranianas que saíram à rua, numa demonstração clara de força, de
revolta e de desejo de mudança. Grito daqui com todas elas “morte ao ditador!”
E é um grito forte, violento e aparentemente condenável, por responder à
violência com mais violência. No entanto, como lidar com esses tiranos
assassinos que apenas visam manter a mulher subjugada, como ser inferior, sem
direito à sua liberdade, logo, impedindo-a de SER?! Olho para o Irão e outros
países semelhantes e dou comigo a pensar que aquelas mulheres só terão direito
à sua autodeterminação, quando não houver mais homens naquele lugar ou quando
eles forem tão poucos que sejam incapazes de as suster pela força. Para isso,
só deixando de os parir! Se não fosse trágico, seria cómico. São as mulheres
que dão a vida aos seus carrascos, àqueles que depois de crescerem se esquecem
do ventre materno que os abrigou, reduzindo-as a parideiras domésticas, a um
animal que se amestrou e se castiga quando não cumpre exemplarmente as regras
instituídas. Por isso me revolvem as entranhas quando, nas redes sociais, numa
tentativa de branqueamento do que já é demasiado sujo para poder ser lavado,
surgem propagandas à indumentária do mundo árabe, comparando-a muitas vezes aos
hábitos das religiosas ocidentais, questionando pela diferença. Pois bem, em
primeiro lugar, se a religiosa estiver a usar inapropriadamente o seu hábito, não
é morta por isso; em segundo, só faz votos quem quer, o que significa que o
hábito é uma escolha e não uma imposição. Já o inverso não se pode dizer, ainda
que não falte quem afirme que muitas árabes usam essa indumentária por vontade
própria. Não! Foram instrumentalizadas e obrigadas, acabando por se
interiorizar no seu espírito. A comprová-lo, surgem estes casos que evidenciam a
coerção pela violência. Precisam que a mulher tema pela sua vida para que viva dominada,
sem capacidade de revolta. Se assim não for, então que terminem com a obrigatoriedade
do uso dessas indumentárias. Deixem as mulheres livres para vestirem o que
quiserem, porque elas não são propriedade de ninguém. Neste ponto não concedo e
é com tristeza e repugnância que assisto a que estas atrocidades sejam também
permitidas em solo europeu, sob o escudo de uma tradição e cultura próprias.
Não! E é preciso coragem para o defender. Não há tradição ou cultura que se
possa aceitar quando ela implica a submissão e a perda da liberdade individual
e do direito de escolha de outro ser humano. Não! Sob pena de cairmos num
relativismo cultural sem retorno.
É
tempo de o Ocidente defender sem concessões os seus valores democráticos. É
necessário que a sua voz firme se faça ouvir na condenação destes assassinatos.
Às
iranianas corajosas, capazes de enfrentarem o temor e de fazerem perigar a sua vida,
em nome de um futuro livre de grilhões, desejo-lhes que vençam a luta. Admiro-as
profundamente, porque a mudança só acontece pelo interior. Precisam que essa centelha
interior não as deixe cair em desânimo. Aos homens que as apoiam, o meu reconhecimento
e o pedido para que não as abandonem na luta. À comunidade internacional, quero
lembrar que para haver tolerância é necessário fixar primeiro o intolerável, caso
contrário, deixa de ser tolerância para passar a ser cumplicidade com o crime.
Bem-haja,
a vós, mulheres!
Nina
M.
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