Despedida
O
tema da crónica de hoje não é feliz. No domingo passado, partiu o senhor
Domingos Barreiro, pai da minha irmã de coração, com quem partilhei um passado,
com quem estudei, com quem estagiei, com quem cresci, por quem nasceu uma
empatia e um carinho súbitos. Fomos o apoio uma da outra em diversas
circunstâncias. Continuamos assim… Com uma amizade pura, desprovida de
interesse a não ser o bem-estar da outra. O oceano que nos separa é o mesmo que
nos une. Tem sido duas vezes por ano e este não será exceção. É um momento de
tristeza e não te emociones agora, amiga, quando me leres…
Quero
deixar umas palavras em memória do teu pai, um senhor com quem tive o privilégio
de privar. Antes de mais, agradecer a cordialidade, a simpatia, a
disponibilidade com que sempre me recebeu, primeiro a mim e depois à minha
família. Agradecer o respeito que tinha pela nossa amizade. Agradecer-lhe a
mulher que te tornou com a sua proteção e a sua ajuda, apesar de todas as
dificuldades que foste forçada a superar (sabemos bem do que falo). Venceste.
Melhor, tu e o teu pai venceram. Era muito bonito observar (para quem tem olhos
sensíveis) quer o profundo amor e a atenção e cuidado que lhe dedicavas quer o
orgulho que ele sentia e que lhe explodia no olhar, quando te tinha perto.
A
imagem que guardo do senhor Domingos é a do homem alto, forte, com as suas cãs
e bigode branco. O patriarca que zela por todos (cumpriu bem a sua missão) e
que recebia como ninguém. O senhor que à chegada das visitas, diligentemente,
se preocupava para que os estômagos não quedassem vazios. Lá vinha o presunto,
o queijo e o bom vinho, enquanto solicitava à sua Alice o pão para acompanhar.
Obviamente, não é pelo presunto ou pelo queijo (ainda que fossem bons e
soubessem pela vida), mas pelo prazer que víamos que sentia em bem acolher os
seus amigos ou os dos filhos. Herdaste-lhe o gosto…
Recordo
com especial carinho uma conversa que tive com ele à beira-mar, na prainha do
costume. Eram os nossos filhos bem pequenos. A Matilde ainda nem era nascida! Talvez
tenha sido, penso que foi mesmo a última viagem do teu pai a tua casa.
Perguntei-lhe sobre os
tempos de Angola, a descolonização atabalhoada, a dificuldade que foi recomeçar
do zero, reconstruir tudo novamente com muito sacrifício, poupança e trabalho.
Apesar de todas as provações que o teu pai teve de ultrapassar, apesar de todos
os sacrifícios, não era um homem amargurado nem curvado perante as
vicissitudes, pelo contrário. Era de sorriso fácil, de trato agradável, de quem
sabe que a vida não existe para nos facilitar a tarefa de a viver, mas que
parecia de bem com ela, como quem sabe que se cumpriu.
Impossível
não recordar o encontro que não foi lá do seu agrado, mas manteve sempre a
compostura. Só o soubemos no dia seguinte, quando confessou a inveja pela carne
de porco à alentejana requentada… O que nos rimos! Ou então quando ainda nenhum
de nós tinha visto uma nota de 500 euros e ele lança a mão à carteira, à boa
moda dos comerciantes, sempre habituados a andar com muito dinheiro e puxa da
nota ainda imaculada. Lembro-me de pensar que, naquela altura, o meu salário
resumia-se a duas notas daquelas…
Sabes,
via o teu pai e lembro-me do meu. Parecia adivinhar, o ano passado, pelo verão,
quando quis visitar o teu… Dá-lhe para estas coisas, agora… E eu sei o que é,
porque o farejo. Caminha como quem se prepara para a sua despedida do alto dos
seus oitenta quatro anos. Nenhum de nós está imune à perda. É a lei da vida. Eles,
os velhinhos que partem, aceitam com mais tranquilidade e mais naturalidade que
nós. Teremos de aprender a viver com isso… Teremos de saber que a morte faz parte
da vida e que enquanto não vem, ela não existe e, quando chega, dormimos o sono
longo dos justos.
Um
dia, depois de todo o choro e da dor que cobre estes instantes, sobrará a
saudade boa, aquela que nos faz sorrir à lembrança das peripécias.
Até
sempre, senhor Domingos!
Nina
M.
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