Desarranjos
Não sei se a crónica de hoje sairá com destreza argumentativa… O pensamento dispersa-se e perde-se; não se concentra e torna-se escorregadio…
Dizia-me
uma colega que a idade a ensinou a não tecer juízos de valor sobre
comportamentos alheios. Desculpa, cara colega, sei que provavelmente me irás
ler e não referi que tudo me pode servir de mote e é passível de ser
transformado em escrita. Tudo o que me rodeia pode ser matéria. Já avisei
antes, mas não tinhas tido ainda o (des)gosto (deixo ao teu critério) de me
conhecer... Fica o aviso…
Concordei
em absoluto. Posso pensar que faria ou não de forma diferente, mas condenar ou
sequer atrever-me a palpitar sobre a vida alheia, não! Na verdade, a vida dos
outros não me interessa nada. Ao contrário do que supostamente dita o meu
signo, não sou de coscuvilhices. Respeito profundamente a intimidade alheia e
espero que os outros tenham o mesmo respeito para comigo. Simples assim. Também
acho que foi Cronos quem me ensinou isso. Cada um é responsável pela sua vida e
de a conduzir como bem a entende, salvaguardando-se o facto, obviamente, de não
atuar com maldade nem de prejudicar alguém deliberadamente. Os juízos de valor
fáceis e condenatórios são, muitas vezes, parcos em empatia e compreensão. Quem
não calça o sapato alheio pode nunca compreender as razões do outro. Falo,
obviamente, de comportamentos que não configuram crime, muitos deles até
poderão ser explicáveis, mas não justificáveis. Falo das pequenas decisões e
escolhas com que somos confrontados no dia a dia. Estamos sempre no limbo, na
eminência da escolha e, apesar de ser um sinal de manifesta liberdade, é
também, absolutamente, dolorosamente e infalivelmente angustiante. Sartre
explica bem essa angústia. Como diria o meu amigo escritor, Luís Altério, ide
ler… Ide… Quem tem de fazer escolhas é naturalmente suscetível à falha e quem tem
a consciência da falha, das suas falhas e da sua escuridão, não se atreverá a
atirar pedras alheias. Admito as minhas, com toda a minha franca e honesta
humildade. É verdade que tento ser sempre melhor e sei que fico sempre aquém do
desejável e, por vezes, quanto mais tento ser e crescer tanto mais erro, mesmo
não o desejando. Perante esta consciência de que o caráter se constrói ao longo
da vida e é feito de vários recomeços e correções não há como ter a arrogância
de condenar seja quem for pelas pequenas coisas que dizem somente respeito à
vida particular de alguém.
Ao
pensar nestas questões, lembrei-me da história de um amigo que foi surpreendido
pela têmpera primitiva e irracional transmontana em que os envolvidos na
contenda, primeiro digladiam-se e esmurram-se, para mais tarde encostarem a
barriga ao balcão e pagarem mutuamente uma cerveja, em sinal de paz e de
respeito. Coisas inusitadas destas acontecem, mas chegar ao Reino Maravilhoso,
sem preparação e assistir ao vivo e a cores a uma bravata, assusta qualquer um,
mesmo que se trate de um cavalheiro. A fuga e a prevenção perante uma situação
destas até poderão ser entendidas como uma cobardia pelos locais, que veem o
mundo filtrado pelas suas lentes, sem compreenderem que pode e que há leituras
e posições diferentes perante a vida. Algumas delas insanáveis e, a menos que
sejam assuntos de valor quase absoluto, ninguém poderá presumir ser o dono da
verdade. Algumas vezes, os nossos desejos colidem com os desejos alheios e só
há uma via a seguir, a do respeito mútuo e da honorabilidade. Porém, nem sempre
é possível, nem sempre é conseguido, porque a vida é feita de diversas
tonalidades. Há muito mais para além do preto e do branco e quem souber pintar
atreva-se a usar a cor.
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário