Horrores e irritações
Creio que o mundo está feito para que dele nos desiludamos, ou seja, para que percamos a ilusão, a fantasia que criamos de que ele é um bom lugar para se viver. Não falo da sua flora nem da sua fauna, enfim, das maravilhas da natureza que contrastam com a vilania do ser humano.
Concordo
com Hobbes que afirma que “o homem é o lobo do homem, em guerra de todos contra
todos” e, para sobreviver num mundo destes, mantendo a pureza possível, sem
grande corrupção de alma, só se nos blindarmos e dele fugirmos. Ensina-me a
idade que cada vez necessito menos de conhecer gente, que normalmente não me
acrescenta, mas consegue desiludir-me. Sei, no entanto, que a responsabilidade
é minha. A desilusão advém da expetativa criada. Quem não espera nada do outro,
no sentido de não ter esperança, não saberá o sabor da desilusão. Apesar de
todos os avisos de consciência, embora sabendo que o ser humano é um lobo
esfaimado do sangue alheio e egoísta, continua a haver gente que me dá
esperança, porém, alguns dissipam-na, sem retorno, de seguida, como que
quebrando algo dentro de mim.
Estarreci
ao ouvir o José Milhazes revelar uma conversa entre um soldado russo e a sua
esposa, em que ela lhe dizia que o autorizava a violar mulheres ucranianas, mas
que não lho contasse. Que pulhice tão avassaladora! Uma mulher a desejar
tamanho mal perpetrado pelo próprio marido, sugerindo-lhe que fizesse essa
monstruosidade a outra mulher do país opositor e invadido! A suspensão da
humanidade, o parêntese que se coloca num ato criminoso num cenário de guerra
é, em si mesmo, aviltante. Prova que o homem está pronto para se desumanizar.
Uma vez mais a banalidade do mal. Não é um general, não é um soldado num clima
de pressão e de cenário de morte que cede ao ódio e ao descontrolo. É a pessoa
comum, vulgar, mulher, e quem sabe, mãe e boa cidadã que o propõe. O mal
floresce no homem comum e gera violência. Viver um mundo assim desencanta e
talvez seja esse o caminho, o do desencanto, que nos permite aceitar a nossa
morte com a naturalidade da idade e a enfrentá-la corajosamente. Talvez com um
esgar irónico de quem sabe não perder grande coisa… Fiquei enjoada, enojada,
envergonhada por este ser feminino que incita à violência torpe e à submissão
da mulher pela força, depois de tantos anos de luta pela emancipação feminina!
Ser abjeto e horrível!
Fervem-me,
invariavelmente, as entranhas quando confrontada com a maldade gratuita e a
injustiça. Fervem-me igualmente as entranhas ao ver mulheres maltratadas,
agredidas fisicamente e verbalmente por homenzinhos de palmo e meio,
manipuladores de meia-tigela, que inferiorizam, ridicularizam, que incutem às
suas mulheres a ideia de inferioridade, levando-as a recear a rejeição e uma
possível solidão. Normalmente, são mulheres com baixa autoestima a quem criam a
necessidade de lhes agradar e a quem fazem sentir-se culpadas pelo direito à
sua liberdade e à sua soberania pessoal. O manipulador apenas atende aos seus
interesses e desejos. Para evitar o conflito, a mulher cede aos seus pedidos contra
o seu bem-estar interior. A necessidade de paz a qualquer preço deixa-a doente,
pois não coloca limites nem declara a suas necessidades. É preciso saber dizer
não e, sobretudo, não sentir receio de desiludir. Tantas vezes, estas mulheres
são tão melhores e mais capazes do que eles e é precisamente isso que eles não
lhes perdoam. Se estes homens são paridos e também educados por nós, mulheres,
alguma responsabilidade deveremos ter. Há que criar gente autónoma, capaz de
assumir a sua vida, de ser empático com o outro e de com ele colaborar ou ainda
correremos o risco daquela mãe que vê o filho a desistir de ingressar em certo
organismo, porque a formação era longe de casa e os papás tinham de ir visitar
o menino às quartas, mas mesmo assim, não era suficiente, porque lhe faltava o
copinho de leite morno que a mãe insistentemente levava à criatura, ao
marmanjão de vinte anos, antes de ele se deitar! Já tenho pena da parceira que
tiver de o aguentar, porque correrá o risco de estar mais para mãe do que para
mulher…
Amo
os meus filhos, como todas as mães, mas nesta casa, no final da refeição, levantam
o seu prato e, preferencialmente, limpam-no antes de se colocar na máquina. Se
querem comer ou beber antes de se deitarem, têm mãos para o fazer! Também limpam
o pó ao quarto que lhes pertence. A mãezinha trata-lhes do almoço, do jantar e das
roupas e já não é coisa pouca.
Homessa!
Nina
M.
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