Antes da crónica, obriga-me a consciência, a bem da honestidade intelectual e do rigor da análise a retratar-me.
Na
semana passada, escrevi que considerava indesculpável a abstenção dos
eurodeputados Marisa Matias e José Gusmão, no que concerne ao empréstimo de 1,2
milhões de euros à Ucrânia, pelo que interpretava esse comportamento como uma
não condenação velada a Putin. Os factos não foram esses, do que vim a
aperceber-me a posteriori.
Efetivamente, houve abstenção, mas quando essa aconteceu a guerra ainda não
tinha estalado abertamente, pois foi a 14 de fevereiro. O Bloco de Esquerda
alega que a abstenção prende-se com os moldes em que a assistência financeira
da UE seria feita, por se tratar de um “programa do tipo dos memorandos da Troika”. Logicamente, a abstenção poderá
ser eventualmente contestada, mas o paradigma muda por completo. Na verdade, o
Bloco de Esquerda condenou, sim, a invasão da Rússia à Ucrânia, em sede de
Parlamento Europeu. Deixo o meu pedido de desculpa ao partido e fico,
honestamente, satisfeita pelo voto no sentido da condenação. Acrescento ainda
que fui incauta. Por cuidados que tenhamos, uma pequena distração pode
levar-nos a cometer injustiças. A opinião que emiti foi veiculada pelo DN, que
mais tarde desmentiu, e por comentadores da cena política, que movidos por
interesses partidários, desvirtuam e manipulam a informação, em nome de
interesses pelos quais não me pauto nem subscrevo.
As
minhas opiniões são fruto das minhas reflexões, mediante o que vejo, ouço e
leio, sem qualquer outro interesse e se há algo que não quero fazer é
contribuir para a divulgação da desinformação. Peço desculpa a quem me lê se,
porventura, induzi em erro, ainda que inadvertidamente. Feito o mea culpa posso, de consciência limpa,
passar à crónica semanal.
Zelensky, o anti-herói
Hoje, quero homenagear Volodymyr Zelensky,
o homem do momento. Aquele de quem esperamos ouvir algumas palavras diariamente
e também por quem torcemos e a quem queremos bem e de saúde. O mundo gosta de
Zelensky e atreveria a dizer-me que as mulheres gostam mais, porque o
presidente é um herói improvável.
Obviamente, ele não será perfeito,
terá os seus pecadilhos, mas granjeia a simpatia e a admiração do mundo pela
lição de coragem e de resistência. Lembra-me o General Charles De Gaulle,
durante a França ferida e ocupada, depois da cobardia de Pétain. Dos fracos não
reza a história, costuma dizer o povo. Porém, neste caso, em poderio militar, o
fraco é o ucraniano, mas não tenho dúvida de que o seu nome se inscreverá na
história pelos melhores motivos. Ao contrário, Putin será lembrado como um ditador
imperialista cruel e desumano, o coveiro dos ucranianos, mas também da Rússia.
Zelensky tem uma história inusitada.
É judeu e três irmãos do seu avô pereceram vítimas do Holocausto, porém, o avô
sobreviveu à Segunda Grande Guerra, tendo sido um dos combatentes na infantaria
soviética e morreu coronel numa Ucrânia independente. Homem ligado às artes,
que frequentou o curso de Direito, mas que escolheu o palco para fazer vida e
que a ganhava a arrancar gargalhadas ao público, transferiu a sua personagem de
“O Servo do Povo” para a realidade. Neste caso, temos a realidade a imitar a
ficção. Tal como a sua personagem, Zelensky torna-se o presidente do país,
contra todas as expetativas, sem qualquer experiência política e ganha as
eleições por uma maioria incontestável. A sua bandeira de campanha foi a luta
contra a corrupção. O cancro que destrói o seu país e também muitos outros.
No
entanto, nem tudo são rosas, pelo meio, há algumas contradições… A sua campanha
política foi financiada por um oligarca ucraniano, investigado por fraude nos
Estados Unidos da América. Já depois de eleito, em 2019, Zelensky é apanhado
numa conversa com Trump, em que este o tenta convencer a investigar os negócios
de Biden no país de leste e, mais tarde, em 2021, dá-se a revelação do
envolvimento de Zelensky nos Panama
Papers. Documentos mostram a sua presença numa companhia offshore, que alegadamente foi
transferida para um amigo, semanas antes da eleição. Recém-chegado à
presidência, dissolveu o parlamento e antecipou as eleições legislativas,
ganhas pelo seu partido, ou seja, alcançou o pretendido: uma assembleia que lhe
fosse favorável. É responsável por uma reviravolta política e tenta proceder à
ocidentalização da Ucrânia. Quer ser membro da União Europeia e até da NATO, se
bem que já tenha compreendido que esta organização não reúne condições, pelo
menos de momento, de proceder à sua integração, por motivos políticos:
tentativa de não acossar Putin. O presidente, apesar da sua origem judaica, é
acusado de conivência com o grupo neonazista chamado Batalhão de Azov, para
conter os separatistas russos na região de Donetsk e Luganks. Para certas
fações políticas posicionadas mais à direita, Zelensky é um homem de esquerda,
mas paradoxalmente é acusado de colaboração com neonazis… Vá-se lá perceber
onde começa e onde termina a verdade dos factos… Para uns, Zelensky é um
fantoche nas mãos do ocidente, especialmente de Biden, a quem atribuem a
responsabilidade da guerra, que afirmava querer evitar. Para outros,
simplesmente, não aceitou ser fantoche de Putin, nem de alguns oligarcas, ao
contrário do Poroshenko (que, apesar de tudo, luta ao lados dos seus
concidadãos. Honra lhe seja feita), e pretende fazer evoluir o país apoiado na
União Europeia. Inclino-me para esta segunda visão e compreendo-a. Lembro-me
perfeitamente do Portugal dos anos oitenta e da luta tão bem travada, há que
dizê-lo, do Dr. Mário Soares para a entrada de Portugal na então CEE, em 1986.
E se não fosse esse passo político, se hoje não estamos bem, acredito seriamente
que estaríamos pior.
Assim,
o presidente ucraniano não é impoluto e não estará a salvo de críticas. Não é o
herói sem mácula dos contos de fadas, contudo, tem-se revelado um homem de
coragem que acompanha o seu povo e que defende o seu país. Poderia ter
escolhido colocar-se a salvo, mas preferiu ficar. O mundo em geral e as mulheres
em particular gostam de Zelensky, porque ele é um ser humano que erra, mas que está
determinado a lutar pelo seu povo e pelo seu país. Lidera pelo exemplo, enquanto
nos chegam imagens de um presidente comediante, de um presidente cantor (e canta
bem), enfim, de um ser humano de carne e osso que comove. Temos alguém que aprendeu
a ter sentido de estado e que transmite confiança. Temos um anti-herói à maneira
da boa literatura, porque não está isento de falhas, mas que luta determinadamente,
com caráter, não para agredir, mas para se defender, porque os seus olhos não são
vazios nem de gelo, mas porque neles lemos a preocupação, a emoção, o receio, a
confiança, a determinação e a coragem.
Viva
Zelensky! Slava Ukrayini!
Nina
M.
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