O final de período e as burocracias exigidas
São
vinte e uma e trinta da noite e, depois de uma tarde a tratar de papelada para as
avaliações, a começar às quinze, com um intervalo de uma hora para lanche e e outra para jantar, finalmente, dedico-me ao
ritual de sábado à noite. Seria bom que tivesse ficado por aqui, mas não.
Amanhã, espera-me a preparação efetiva da minha reunião de direção de turma.
Por isso não é de estranhar que qualquer professor prefira não ter direções de
turma, um papel de base da pirâmide, mas sem eles, os diretores de turma, as
escolas não funcionariam. Tudo passa por eles, do menos importante ao mais
importante. Tanto pode solucionar problemas, como agravá-los, dependendo da sua
competência e da sua boa vontade.
Com as relações interpessoais, isto
é, a relação com os miúdos e os seus encarregados de educação, posso eu bem e
não me custa fazê-lo, mas os papéis… Isso é penoso! Por mais que os verifique
há de haver sempre uma distração, até porque se for preciso leio o que quero e
o que pensei e não o que ficou escrito…
Em
casa, dizem-me constantemente que, normalmente, eu sou distraída e que, às
vezes, concentro-me. Por isso é muito fácil encontrarem o azeite no
frigorífico, o tomate triturado no armário e o espremedor das laranjas, o
pincel de silicone e outros utensílios onde não era suposto estarem, já depois
de desesperar por não os encontrar… Tenho o meu momento de fingir indignação,
porque isto… Uma pessoa tem de manter a sua dignidade, ora bolas, vejam lá, já
não pode alguém distrair-se… Já nem me ligam… Abanam simplesmente a cabeça e
sabem de imediato quem é o autor do engano… De modo que números, grelhas e
quadrados são um horror para quem tem a cabeça tantas vezes ocupada com
palavras, pensamentos e versos…
Deixemos, porém, estes meus desvarios
sossegados, porque não são eles o motivo da crónica. Refletia sobre a
informação que tinha de verter para avaliar os alunos no início até meio da
minha carreira (já lá vão vinte e três anos). Concluo que a única vantagem é o
facto de fazermos as atas e as pautas em computador, porque aquilo, quando
havia um engano, Deus me livre! Mais um lençol manual, porque não podia haver
rasuras… Um trabalho de minúcia que me esgotava, porque não me podia enganar
nem nos números nem nas cores das canetas (vermelho para as faltas
injustificadas), tudo contado e registado à mão, em papelinhos! Eu trazia logo
três lençóis, porque não sei se alguma vez consegui fazer alguma pauta
imaculada à primeira! Irra! As atas eram outro tormento, mas aí, paciência, lá
vinha “o digo” e siga a banda!… De facto, hoje, este trabalho está bastante
facilitado, mas como sobra tempo, logo se inventaram outros… Para avaliar um
aluno, hoje, preciso de preencher uma grelha com seis separadores distintos e
alguns destes também se encontram subdivididos com diversos parâmetros.
Antigamente, eu fazia três contas, olhava bem para o número que daí resultava,
pensava no aluno e na sua prestação e comportamento em sala de aula, com a
ajuda de alguns registos e voilà, eis
a nota! Hoje, para chegar ao mesmo resultado, em rigor, preencho entre 18 a
vinte células para atribuir uma classificação. Há, atualmente, uma necessidade
de quantificar tudo com rigor, mesmo o que não é quantificável… O que deve
distinguir a atribuição de um sessenta ou de um sessenta e cinco no empenho,
por exemplo? Não me venham falar em registos quotidianos das vezes que um aluno
interrompeu a aula, se virou para trás, perturbou o colega, etc., porque ou
trabalho com os meninos seriamente ou passo a aula a registar essas
informações, tal a regularidade com que elas se repetem, especialmente no
básico… Sabemos se o aluno é perturbador ou não, mas delinear se é para trinta
e cinco ou quarenta é… Como dizer isto?... Por conta da perceção… Eu gosto mais
de números redondos, por exemplo… Como se quantificam e medem dados de alguma
subjetividade? Subjetivamente, como é óbvio… Não valeria mais assumi-lo?! É
como me pedissem para quantificar o amor que tenho pelos filhos e o colocasse
numa grelha, de acordo com certas variáveis. Por isso era bem mais fácil quando
um aluno apresentava uma média objetiva de quarenta e cinco e ao analisar
subjetivamente o saber estar (fraco, insuficiente, suficiente, bom e muito bom)
podíamos decidir se essa percentagem se transformava num nível três ou
permanecia nível dois. Justo e mais honesto, na minha perspetiva. Esta burocracia
aparvalhada consome a alma de quem tem de a pôr em prática… Sem falar das
medidas para todos os meninos que ficam aquém dos resultados pretendidos… Só
hoje, já foram vinte e três papéis… Digitais, mas papéis… Avaliaria mal naquele tempo? Não cumpriria com
o que faço agora? Não me parece. Fazia de igual forma, só não ficava registado
em lado nenhum, porque o professor está na sala de aula para trabalhar e
assumia-se que assim fosse. Não é um papel preenchido que comprova o que quer
que seja.
Na
verdade, o sucesso aumentou e o abandono escolar tornou-se diminuto, mas
saberão mais e melhor os nossos alunos?! Francamente, não sei dizer… Não
escrevem melhor hoje do que antes… A prova está no que lemos nas redes sociais.
Das gerações mais novas às mais velhas, aquilo é o degredo! A diferença é que
os mais velhos têm o quarto ano e os mais novos o décimo segundo. São mais oito
anos de escolaridade para uma escrita semelhante e isto deveria fazer-nos
pensar… Ou assumimos que mesmo a língua materna é para ser mais falada do que
escrita e, então, aceitamos tranquilamente o definhar anunciado da língua
escrita de Camões ou algo deve mudar substancialmente… Nem o acordo ortográfico
com a supressão grosseira dos “c” e dos “p” nos poupa ao descalabro!
Este
é o argumento que utilizo quando me dizem que os alunos escolhem as humanidades
por ser mais fácil. Respondo que essa facilidade explica o facto de a população
portuguesa escrever tão bem a sua língua e de a escola estar recheada de ótimos
alunos a Português! Já agora, um banho de latim, para além da gramática, também
não faria mal a ninguém para perceberem as facilidades…
Nina
M.
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