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sábado, 11 de dezembro de 2021

Crónica de Maus Costumes 258

 

O valor da amizade

                 Ser-me-á fácil escrever esta crónica. Nem todas são assim. Há textos que exigem mais pensamento. Esta sair-me-á toda do coração e será sentimento à flor da pele (deixem-me dizer que já me explicaram que os sentimentos e emoções não são irracionais e eu aprendi a lição). Talvez convenha também esclarecer a diferença entre emoção e sentimento. A primeira é uma reação a um estímulo ambiental e é de curta duração; já o sentimento é mais duradouro e pode ser desencadeado pela emoção.

            No último domingo, vivi emoções que permitiram o reavivar do sentimento de amizade. Encontrei pessoas que já não via há muitos anos, desde os tempos da universidade e, apesar de sempre me parecer que foi ontem, já lá vão 23 anos após a saída. O reencontro desabrochou a emoção da alegria, que permitiu a vivência da amizade. Senti-me como o gigante Pessoa, ou melhor, o seu Álvaro de Campos, e fui capaz de resgatar o passado e de trazê-lo na algibeira. Tal como ele, não o posso recuperar totalmente nem fundir-me nele, mas também não é esse o objetivo, porque tudo tem o seu tempo e a felicidade também tem o seu. Porém, ao evocar o passado, ocorre-me a pergunta do ortónimo: “E eu era feliz? Não sei:/Fui-o outrora agora”, com a diferença de saber que fui feliz outrora e agora, no preciso momento do reencontro, essa centelha brilhou. Julgo não me enganar se disser que a comoção varou-nos a todos. A alegria e o enternecimento genuínos por nos revermos foram notórios. E saímos, como todos afirmámos, de coração cheio e com vontade de prolongar e de repetir em tempo mais quente. As cinco horas souberam a pouco para curar a saudade.

Estes reencontros comportam riscos. Nenhum de nós é mais o mesmo. Todos crescemos, todos somos seres diferentes dos que se conheceram há mais de vinte anos e poderíamos pensar que afinal (e seria uma desilusão) já pouco tínhamos em comum. Se tal acontecesse, essa nova visão mancharia a memória… Não houve nada disso. Voltamos a ser o grupo que se reunia diária e invariavelmente no Café Universidade, no Metrópolis e na Ritmin. E foi tão especial rever-vos e sentir-vos intocados, apesar de tudo…

Encontrei a mesma tranquilidade no Armando, a mesma reserva (apesar de massacrado pela vida. Beijinho para ti); a mesma educação, o olhar malandro, mas terno do Zé; a alegria espontânea e marota do Banito; o sentido de humor oportuníssimo do Agostinho, que nos punha as entranhas a doer de tanto rir (creio, Tinoco, que deverias pensar em fazer “stand up comedy”. Tinhas futuro). Vê lá… Eu pagaria bilhete para te ir ouvir, depois de tantas borlas que já ofereceste! A simpatia e a alegria da doutora que adorava a praxe, mas que afinal não me praxou (as caloiras de Paços de Ferreira eram feitas de outra massa)! Agora, esquece, Isabel, perdeste a oportunidade. Se não foi então que me levaste para a prancha da Ritmin (Deus me livre! Morreria de vergonha!) também não será agora… Qualquer coisa, volto a engrampar alguém… Desculpa, Paulinha, foste um mero dano colateral… A Célia, a caloira tardia e simpática, mas que se adaptou rapidamente e que trabalhava no Até Tu e dava umas borlas à malta… A Isabel Soares, que não conheço tão bem, mas que se foi a eleita do coração do Tinoco, só pode ser boa rapariga… Faltaste tu, Bela, por impedimentos maiores, e foi uma pena, mas esperamos-te no próximo encontro.

Quero dizer-vos que sois as “minhas pessoas” da UTAD. Aquelas com quem partilhei anos de inocência, de ingenuidade e de felicidade, porque o meu olhar sobre o mundo ainda era límpido e não estava desesperançado da humanidade. Agradecer-vos o facto de sempre me ter sentido acarinhada por todos, por me ter sentido sempre protegida, enfim, por terdes sido a minha família na ausência dela. Era assim que vos via. Tinha a mania de colecionar tudo das pessoas de quem gostava e que cheguei a ter o meu quarto forrado a papéis com escritos vossos (na maioria parvos, diga-se) e que guardei por uma infinidade de tempo, até amarelecerem e não ter jeito nenhum guardá-los mais, porque se assemelhavam aos apontamentos envelhecidos, de Literários (aulas teóricas) da professora Laura Bolger (já nem me lembro se é assim que se escreve o apelido da senhora) e fazer um esforço descomunal para os pôr no lixo… Um grupo coeso e alegre, onde cabia a brincadeira, mas onde nunca coube a mesquinhez e, talvez por isso, continue a fazer todo o sentido falar de amizade, passados todos estes anos. Dizer-vos que muitas outras pessoas passaram por mim ao longo do meu trajeto, mas foram poucas as que se inscreveram com tamanha importância na minha memória e no meu coração e eu sei a razão: crescemos juntos uma data de anos, numa idade em que tudo ainda era possível, mas sobretudo, porque nunca nenhum de vós me feriu ou desiludiu.

O texto não é muito, mas é a melhor homenagem que vos consigo fazer, porque vos sou grata pelo tanto que me destes, porque me fizestes sentir sempre acarinhada. Escusado será dizer que é recíproco. Como diz a letra da música: “Para sempre no meu coração”.

 

Nina M.

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