O valor da amizade
Ser-me-á fácil escrever esta
crónica. Nem todas são assim. Há textos que exigem mais pensamento. Esta
sair-me-á toda do coração e será sentimento à flor da pele (deixem-me dizer que
já me explicaram que os sentimentos e emoções não são irracionais e eu aprendi
a lição). Talvez convenha também esclarecer a diferença entre emoção e
sentimento. A primeira é uma reação a um estímulo ambiental e é de curta
duração; já o sentimento é mais duradouro e pode ser desencadeado pela emoção.
No último domingo, vivi emoções que
permitiram o reavivar do sentimento de amizade. Encontrei pessoas que já não
via há muitos anos, desde os tempos da universidade e, apesar de sempre me
parecer que foi ontem, já lá vão 23 anos após a saída. O reencontro desabrochou
a emoção da alegria, que permitiu a vivência da amizade. Senti-me como o
gigante Pessoa, ou melhor, o seu Álvaro de Campos, e fui capaz de resgatar o
passado e de trazê-lo na algibeira. Tal como ele, não o posso recuperar
totalmente nem fundir-me nele, mas também não é esse o objetivo, porque tudo
tem o seu tempo e a felicidade também tem o seu. Porém, ao evocar o passado,
ocorre-me a pergunta do ortónimo: “E eu era feliz? Não sei:/Fui-o outrora
agora”, com a diferença de saber que fui feliz outrora e agora, no preciso
momento do reencontro, essa centelha brilhou. Julgo não me enganar se disser
que a comoção varou-nos a todos. A alegria e o enternecimento genuínos por nos
revermos foram notórios. E saímos, como todos afirmámos, de coração cheio e com
vontade de prolongar e de repetir em tempo mais quente. As cinco horas souberam
a pouco para curar a saudade.
Estes
reencontros comportam riscos. Nenhum de nós é mais o mesmo. Todos crescemos,
todos somos seres diferentes dos que se conheceram há mais de vinte anos e
poderíamos pensar que afinal (e seria uma desilusão) já pouco tínhamos em
comum. Se tal acontecesse, essa nova visão mancharia a memória… Não houve nada
disso. Voltamos a ser o grupo que se reunia diária e invariavelmente no Café
Universidade, no Metrópolis e na Ritmin. E foi tão especial rever-vos e
sentir-vos intocados, apesar de tudo…
Encontrei
a mesma tranquilidade no Armando, a mesma reserva (apesar de massacrado pela
vida. Beijinho para ti); a mesma educação, o olhar malandro, mas terno do Zé; a
alegria espontânea e marota do Banito; o sentido de humor oportuníssimo do
Agostinho, que nos punha as entranhas a doer de tanto rir (creio, Tinoco, que
deverias pensar em fazer “stand up comedy”. Tinhas futuro). Vê lá… Eu pagaria
bilhete para te ir ouvir, depois de tantas borlas que já ofereceste! A simpatia
e a alegria da doutora que adorava a praxe, mas que afinal não me praxou (as
caloiras de Paços de Ferreira eram feitas de outra massa)! Agora, esquece,
Isabel, perdeste a oportunidade. Se não foi então que me levaste para a prancha
da Ritmin (Deus me livre! Morreria de vergonha!) também não será agora…
Qualquer coisa, volto a engrampar alguém… Desculpa, Paulinha, foste um mero
dano colateral… A Célia, a caloira tardia e simpática, mas que se adaptou
rapidamente e que trabalhava no Até Tu e
dava umas borlas à malta… A Isabel Soares, que não conheço tão bem, mas que se
foi a eleita do coração do Tinoco, só pode ser boa rapariga… Faltaste tu, Bela,
por impedimentos maiores, e foi uma pena, mas esperamos-te no próximo encontro.
Quero
dizer-vos que sois as “minhas pessoas” da UTAD. Aquelas com quem partilhei anos
de inocência, de ingenuidade e de felicidade, porque o meu olhar sobre o mundo
ainda era límpido e não estava desesperançado da humanidade. Agradecer-vos o
facto de sempre me ter sentido acarinhada por todos, por me ter sentido sempre
protegida, enfim, por terdes sido a minha família na ausência dela. Era assim
que vos via. Tinha a mania de colecionar tudo das pessoas de quem gostava e que
cheguei a ter o meu quarto forrado a papéis com escritos vossos (na maioria
parvos, diga-se) e que guardei por uma infinidade de tempo, até amarelecerem e
não ter jeito nenhum guardá-los mais, porque se assemelhavam aos apontamentos
envelhecidos, de Literários (aulas teóricas) da professora Laura Bolger (já nem
me lembro se é assim que se escreve o apelido da senhora) e fazer um esforço
descomunal para os pôr no lixo… Um grupo coeso e alegre, onde cabia a
brincadeira, mas onde nunca coube a mesquinhez e, talvez por isso, continue a
fazer todo o sentido falar de amizade, passados todos estes anos. Dizer-vos que
muitas outras pessoas passaram por mim ao longo do meu trajeto, mas foram
poucas as que se inscreveram com tamanha importância na minha memória e no meu coração
e eu sei a razão: crescemos juntos uma data de anos, numa idade em que tudo
ainda era possível, mas sobretudo, porque nunca nenhum de vós me feriu ou desiludiu.
O texto
não é muito, mas é a melhor homenagem que vos consigo fazer, porque vos sou
grata pelo tanto que me destes, porque me fizestes sentir sempre acarinhada. Escusado
será dizer que é recíproco. Como diz a letra da música: “Para sempre no meu coração”.
Nina
M.
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