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sábado, 4 de dezembro de 2021

Crónica de Maus Costumes 257

 

Cinismo

Não sou cínica. Sei que não sou e jurei não me render ao cinismo e, no entanto, na sua versão camuflada, talvez ele aproveite qualquer brecha para se instalar no coração, por força da racionalidade que me assiste.

Não gosto do cinismo, porque ele corrói o ser humano, em última instância, pode torná-lo implacável e desesperançado e quem tem poesia a correr-lhe nas veias, sinónimo de beleza, ver-se tomado por ele, é perturbador. O cinismo é parente do pessimismo. Talvez seja o pessimismo levado ao extremo, por descrença no ser humano. Vês, Gabriela Torres, o motivo pelo qual a descrença no ser humano é pior do que um glúteo descaído? Contra a lei da gravidade que aflige as mulheres a partir de certa altura, não faltam sugestões de tratamentos. Em última instância, o silicone resolve (há quem diga que faz milagres em várias partes do corpo). Como nunca experimentei e sou demasiado forreta para torrar dinheiro em coisas dessas, não me resta outra solução além de me aceitar com o que a natureza me dotou e também com o que me deixou em falta e ver, sem grande remédio, a idade a atuar… Desde que os neurónios não fulminem… É tudo quanto desejo, porque no dia em que as sinapses deixarem de estabelecer as conexões devidas, morrerei, mesmo que esteja viva. Isso é mais preocupante do que os vários riscos na testa, os parênteses do sorriso e a flacidez da carne. Interrogo-me como será para quem vive muito obcecado com o envelhecimento, porque um dia, por mais invenções extraordinárias que surjam, a velhice também chegará e deve ser um sarilho pensar que todo o esforço para manter a juventude foi em vão e que já não há cirurgia plástica que resolva tamanho drapeado nas pernas, nas costas e nos braços. Isto se vivermos até lá, obviamente… De maneira que tento ocupar o tempo e a razão com a substância que me possa nutrir também na velhice. Apodreça o corpo, mas não apodreça a alma! O que acabei de escrever não é cinismo. Considero realismo, não vislumbro nem uma pontinha de pessimismo. Se o encontrarem, será caso para dizer que a culpa é do tempo. Faz coisas destas à juventude…

Dizia, então, que o cinismo começa com a descrença e é o que eu sou. Uma descrente na humanidade, porque só um ingénuo ou um idiota pode considerar a humanidade bela.  Escuso-me a dar exemplos. Desde sempre assistimos à maldade e à crueldade entre os semelhantes da nossa espécie, em nome do poder, do dinheiro e da paixão (não digo Amor, porque este tem de, forçosamente, excluir toda a maldade). E isto incomoda-me terrivelmente, incompreensivelmente. É doloroso constatar que o que me parece tremendamente evidente não o seja para todos e a clarividência faz-se disto: entre escolher o bem ou o mal do outro, devo optar pelo primeiro. Porém, a jornada coletiva observada é desoladora, quer nas relações mais próximas, quer nas relações globalizantes de que o mundo de hoje é feito. Perante a perda do olhar virginal perante o globo, a descrença instala-se. Esta instalou-se há muito, mas tento evitar o cinismo, ainda que a espaços ele me visite. Combato-o com a crença de que a humanidade está falida, mas de que ainda há exemplos de homens bons que, às vezes, mudam o curso da História. Ocorrem-me vários: desde logo Cristo (podemos questionar se fez ou não milagres ou se a sua fecundação foi divina, mas Zeus também se transmutou em chuva de ouro para amar Dánae, engravidando-a de Perseu, o valente que matou a Medusa… Tudo é possível), contudo, não podemos duvidar da sua nobreza de alma; este é o mais exemplar dos homens, todavia, há ainda Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Madre Teresa de Calcutá, Aristides de Sousa Mendes, Oskar Schindler… Todos com as suas pequenas misérias morais, no entanto, enormes! (Quase vencia a tentação de citar Pinto da Costa, mas afinal, não!) Estou só a brincar, obviamente… Mas se me perguntam: “Quem é verdadeiramente grande? É o primeiro nome que me ocorre, mas sei que não… É só o meu portismo a falar…

Certamente, outros mais anónimos terão escolhido dar o seu contributo à sociedade e são eles (podeis excluir o Pintinho e incluir uma lista de escritores que me consolam) que permitem ainda a centelha de esperança e trancam as portas ao capeta cínico e o expulsam. São eles que me fazem pensar que alguns homens, poucos, mas alguns, ainda valem a pena. Essa meia-dúzia justifica a humanidade inteira.

Nina M.

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