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sábado, 9 de outubro de 2021

Crónica de Maus Costumes 249 Ainda a escola…

                 Tenho visto, nas redes sociais, o desânimo e a desmotivação da classe docente. Não é para menos. A tutela não merece qualquer consideração da nossa parte e as pessoas que enviam às escolas, na figura de inspetores, certamente, às vezes, também não ajudam.

                Uma colega de profissão, relativamente conhecida, por colaborar com a revista Visão (desculpem a referência, que faço sem qualquer objetivo publicitário) e também por já ter obra publicada dava conta, no seu artigo, da sua experiência, por ter sido selecionada, ao que parece aleatoriamente, para uma conversa com as senhoras inspetoras, sobre avaliação, no intuito de saber como esse processo era aplicado na sua escola. Quiseram as senhoras compreender como a colega distinguia a avaliação formativa da avaliação sumativa, que retorno dava aos alunos, no sentido de os orientar nas suas aprendizagens, que processos de recolha de informação utilizava, se havia uniformização de critérios de avaliação entre os diferentes grupos disciplinares e se os instrumentos e se os métodos de avaliação usados são os mesmos, interrogando a colega, se não achava que os professores podiam melhorar as suas práticas pedagógicas. A professora foi respondendo a todas as questões, admitindo os aspetos que poderiam ser melhorados. Foi, depois, exortada a explicar a existência de classificações inferiores a dez nas pautas, tendo feito, supostamente, uma avaliação formativa correta. A colega tentou mostrar a dificuldade que os alunos revelam em reter a informação e deu um exemplo muito concreto da estratégia utilizada durante uma aula, pedagogicamente irrepreensível, para que os alunos soubessem apenas que Fernando Pessoa e o Modernismo surgem nos inícios do século XX. Para seu desespero, na aula seguinte, os seus alunos ter-lhe-ão respondido barbaridades. Perante este exemplo, solicitou a ajuda das senhoras inspetoras, que lhe ensinassem outra estratégia, já que lhe tinham sugerido que talvez não tivesse utilizado o método correto. Terá obtido uma resposta seca e sarcástica: “Não estamos aqui para ensinar”.

Ainda que isso seja verdade, também mereciam ouvir que se nada têm para ensinar, então, só  a tinham feito perder o seu precioso tempo, uma vez que é da discussão, entenda-se diálogo, que nasce a luz. Portanto, se a colega estava às escuras, às escuras continuou, senhoras inspetoras! Talvez fosse pedagogicamente aconselhável, usarem com os professores as mesmas estratégias que pretendem que eles implementem com os seus alunos. Se apontamos o erro, devemos corrigi-lo e apontar o caminho para que este deixe de errar. Se um aluno não melhora com um professor demasiado severo e pouco empático, os professores também não o conseguem fazer com uma tutela que se comporta de forma semelhante.

Não pude deixar de sorrir ao ler o testemunho da colega, porque, na verdade, o que a inspeção pretendia saber era se o projeto MAIA (Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação Pedagógica) estava a ser implementado e como estava a ser executado. Queria garantias de que havia a consciência de que tinha de haver momentos de avaliação formativa e sumativa e que esses devem ser perfeitamente distinguidos; pretendiam confirmar se era dado “feedback” aos alunos e como o faziam; que documentos de apoio e processos de recolha utilizavam. Queriam que a colega compreendesse (e a colega compreendeu) que é possível melhorar as práticas pedagógicas e as escolas adotarem uma política avaliativa interdisciplinar. E a colega fazia precisamente essa reflexão. Urge alterar comportamentos padronizados.

                As mudanças são difíceis, mas por vezes, necessárias. Todos nós resistimos à mudança, porém, devemos ter a abertura para ouvir, ler e refletir sobre o que pode ser pertinente. O Ministério da Educação aborrece-me muitas vezes e não é pessoa de bem. Não esqueço o comportamento deplorável e intimidatório da tutela na última grande greve dos professores nem o comportamento cobarde de sindicatos e de colegas também… No entanto, no que diz respeito ao PASEO (perfil do aluno à saída do ensino obrigatório), ninguém em sã consciência poderá dizer que o que lá está não é desejável. É, pois! Desejável, pertinente e necessário! A crítica que pode ser apontada é a de que o documento apresenta pensamento e teoria, mas não esclarece de que forma as escolas o devem colocar em prática. Foi para isso que serviram as formações no âmbito do projeto MAIA. Quem as fez sabe que tiveram de pensar numa política de avaliação comum para a escola, transversal aos grupos disciplinares, que assegurasse os princípios veiculados no PASEO e no Decreto-lei 55, de 2018. Não foi fácil. Significou construir de raiz, pensar num projeto que fosse viável aplicar na sua escola e fazê-lo com seriedade. E nesta questão, a tutela tem razão. Os professores podem melhorar a sua prática no que à avaliação diz respeito. Faz todo o sentido que os alunos conheçam com exatidão os critérios pelos quais vão ser avaliados. Saber meramente as percentagens não chega! Os alunos precisam de compreender e de conhecer os perfis de desempenho para melhorarem as suas aprendizagens. Para isso servem as rubricas, que devem ser criadas, explicadas e fornecidas aos alunos; também têm direito ao “feedback” e o professor o dever de o dar, sempre que for pertinente. O professor deve também refletir sobre a sua prática, no sentido de a aperfeiçoar. Por fim, os processos de recolha devem ser variados o domínio da oralidade deve ser valorizado, no sentido de promovermos uma avaliação holística do discente. Já agora, não se faz avaliação sumativa, sem antes termos feito avaliação formativa. Não vejo qualquer disparate nisto, mas antes um trabalho consciente e bem feito! Talvez a maioria de nós já apresentasse algumas destas práticas. Neste momento, fazemo-lo com outra consciência e não de forma meramente intuitiva. Para os críticos que talvez até se lhe oponham sem compreenderem bem os seus princípios, convém esclarecer que o Projeto em nada põe em causa a preparação para os exames. Bem aplicado, será desenvolvido o espírito crítico e reflexivo, serão trabalhadas várias competências, enquanto aprendem os conteúdos necessários.

                Resta-me só deixar um aviso à tutela: por mais que os professores se esforcem e implementem estas mudanças efetivas e há escolas a fazê-lo, não há projeto que salve alunos que decidiram que não querem aprender nem trabalhar com afinco, porque se este modelo for implementado com seriedade, o discente tem de trabalhar mais.

A partir deste momento, em que se cumpre com o que é exigido, pois acompanha-se o doente durante o processo, diagnostica-se as suas dificuldades, aconselha-se e prescreve-se a medicação e se o paciente, no exercício da sua liberdade, decide não seguir os conselhos e até ordens médicas e, por esse motivo, falecer, não pode ser imputada qualquer responsabilidade ao médico.

É que há doentes muito teimosos e desinteressados pela sua saúde! Conviria que a tutela não se esquecesse disso e pensasse também num projeto MAECAEE (monitorização e avaliação do empenho e comportamento dos alunos e encarregados de educação).

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

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