Os desmandos da lucidez ou da loucura…
As notícias sobre
a (des)educação têm feito estragos durante esta semana, nas redes sociais. O
possível fim das retenções até ao final do terceiro ciclo tem indignado muitos
colegas. Neste momento, a mim, já só me causa indiferença. Já senti repulsa
visceral em aceitar tal ideia. Aliás, olho bem lá para trás, no início da minha
carreira, e quase me apetece pedir desculpa aos ex-alunos pelo nível de
exigência imputado!
Meus caros, não o faço porque, antes de mais, não
tenho como chegar até vós. Esta modernidade do facebook é relativamente recente
e eu já conto com uns modestos 20 anos de serviço docente, pelo que nenhum de
vós figura como meu amigo facebookiano. Depois, as coisas são o que são e
naquele tempo era assim. No entanto, dá-me uma enorme vontade de rir porque a
minha mãe, que era professora primária (no seu tempo era esta a designação) já
deitava as mãos à cabeça por ver os textos fabulosos, em português escorreito,
dos meus alunos. Não acreditava! Nenhuma professora que se dignasse deixaria um
aluno transitar com tamanhas lacunas a Português! Há vinte anos era isto. De lá
para cá não sinto grandes melhorias, apesar da enorme evolução que querem fazer
crer…
Na verdade, caros colegas, vejamos… No ano transato
retiveram muitos alunos?! Eu julgo que tive a maior taxa de sucesso de sempre!
Irei repetir-vos o que me disseram numa pseudoformação, quando tinha apenas os
meus 25 anitos e ainda tinha sonhos grandiosos: “chumbar um aluno não resolve o
problema na essência. Desmotiva-o e não faz com que ele aprenda o que não sabe,
para além de que custa um balúrdio ao país!” Estávamos no ano letivo de
2000/2001. Eu sorria e atrevidota respondi-lhe que viesse para a minha aula de
sétimo ano ensinar uma menina com Necessidades Educativas Especiais a ler,
porque eu não era capaz de o fazer nem tinha formação para tal, tendo também a
meu cargo mais dezanove alunos, nessa turma. Julgo que o senhor cujo nome não
me lembro não terá ficado com boa recordação minha. Não faz mal, porque foi
recíproco. Porém, hoje, reconheço-lhe razão, em parte. Obviamente, a punição do
chumbo por si só não resolve a questão, porque efetivamente os alunos não
melhoram as aprendizagens apenas com a punição. Nenhum professor gosta de reter
alunos, olhar para uma pauta e ver insucesso, porém, doem-lhes as entranhas e o
brio profissional quando têm de os deixar progredir sem as aprendizagens
efetuadas. Depois, em torno destas questões, surge uma panóplia de estudos a
aconselhar os melhores placebos.
Há pilares que são fundamentais para podermos
melhorar as aprendizagens: disciplina na sala de aula, consolidação, aplicação
e verificação das aprendizagens de forma sistemática, apoio efetivo para os
alunos que apresentam lacunas e exigência parental no que concerne os
resultados escolares. Sem isto, podem chamar-lhe o que quiserem, porque
continuaremos a falsear e a branquear resultados.
Assim sendo, quanto a mim, se o Ministério que nos
tutela decidir pôr termo às retenções até ao final do 9º, desde que se
mantenham os níveis que os discentes verdadeiramente merecem na pauta, para que
os seus progenitores saibam que em alguns casos se trata de uma passagem
meramente administrativa, esteja à vontade. É mais honesto do que a horrível
legislação que está em vigor e que não impõe qualquer limite de níveis
inferiores a três para a progressão do aluno, deixando a decisão para o
Conselho de Turma. A maioria das escolas, através do Conselho Pedagógico,
estabeleceu critérios internos, mas que não se sobrepõem à lei, o que na
prática significa que se o Conselho de Turma quiser invocar o espírito da lei e
usar de futurologia, dizendo que as dificuldades do aluno não o impedem de
atingir as competências previstas para o final de ciclo, pode transitá-lo,
mesmo que este apresente uma quantidade avassaladora de níveis inferiores a
três. O que se faz para evitar cair no descrédito? Os níveis inferiores a três
não aparecem na pauta, mas todos nós sabemos como são fabricados e se operam
verdadeiros milagres de última hora, com votações de notas, agastamentos e lamúrias
à mistura.
Desta forma, se as coisas forem transparentes e os
Encarregados de Educação alertados para o facto de que o menino transitará
sempre independentemente das notas até ao nono, mas que a avaliação justa será
a que consta da pauta, tudo certo, para mim. Se o Encarregado de Educação
considerar que as bases adquiridas no básico não são importantes para depois
fazerem o Ensino Secundário com aproveitamento e deixar o menino andar à sua
vontade, então, boa sorte, porque eu já estou cansadinha de que transformem os
professores em tapetes onde qualquer um limpa os pés. Depois, só não se admirem
por verem as assimetrias sociais cada vez mais intensificadas. Estas só poderão
ser resolvidas pela educação na escola pública, mas se esta se preocupa mais
com falsas taxas de sucesso e números bonitos para a OCDE, então os mesmos das
classes mais favorecidas continuarão a serem os melhores e os que não têm em
casa gente capaz, sempre correrão atrás do prejuízo, porém, na maioria das
vezes, não o conseguem recuperar… Começo a ficar verdadeiramente fartinha destas
discussões inócuas. Será a velhice, talvez…
Seria maquiavélico, mas possivelmente a melhor
forma de perpetuar as hierarquias sociais existentes será perpetuar a ignorância.
Quem ainda acredita nas boas intenções dos nossos políticos?
Nina M.
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