Seguidores

sábado, 18 de maio de 2019

Crónica de Maus Costumes 132


Livros


            Soube hoje (o facebook tem os seus encantos) que Einstein preferia oferecer livros a flores. Estas murcham rapidamente e há livros que permanecem uma vida! Se dúvidas houvesse no que concerne a inteligência do homem, com esta tirada, ficariam totalmente dissipadas.
            As flores são bonitas, de facto, mas eu é que sou como o outro… eu é mais livros! Provavelmente, tenho mais do que aqueles que conseguirei ler durante a vida e agora, com a idade, há certos vícios que vamos controlando melhor. Um bibliómano que se preze deve ter o mesmo problema que eu… dar-se conta de que comprou um livro repetido… Afinal tinha-o, mas tinha perdido o rasto, porque às vezes não é fácil encontrar títulos, no meio da profusão. Eu estimo os livros. Na verdade, namoro-os e como namorada ciosa, gosto de os acariciar e guardá-los para mim. Perdoem-me a franqueza, mas detesto campanhas de recolha de livros que já não servem! O quê?! A mim servem-me todos os que tenho e não dispenso nenhum, mesmo que nem o venha a ler… Reconheço-me, portanto, uma bibliómana poligâmica e ciumenta! Paciência…
            De momento, passeio um clássico. Vladimir Nabokov anda comigo, assim como o seu Humbert Humbert e a pequena Lolita. Esperava detestar veementemente o pedófilo, enojada com tal compostura, porém, a literatura, tem a proeza de nos fazer olhar o revés do hediondo e de nos pôr a tentar compreender. Não significa aceitar ou concordar, apenas a perceber certas motivações do comportamento humano, por horrível que este seja. Talvez por saber que é ficção, mas as personagens ficcionadas têm a mania de se me colarem à alma e não me largarem. Algumas para sempre. Eu queria repudiar o odioso Humbert Humbert, o pervertido, e dou comigo a sentir compaixão, pelo facto de ele viver um amor-obsessão que o cega, destrói e o leva a corromper a pequena ninfeta. Os clássicos são extraordinários na densidade das personagens! Não admira que o Humbert Humbert seja considerado uma das melhores personagens da história da literatura. Tão odioso e tão magnificamente pincelado!
Nabokov fala de sexo e de desejo erótico de forma elevada e elegante, sem recurso ao jargão e à ordinarice. Sublime. De cada vez que volto a um clássico, fico sempre com a impressão de que saio a ganhar. Sem modernices de polifonias, que às vezes confundem e dificultam a leitura, num texto escorreito, límpido, mas denso como o peso da vida, como convém, ninguém fica indiferente à prosa e tanto nos compadecemos do malvado pederasta quanto da menina demasiado precoce e atrevida.
Os livros são, por isso, uma imensidão de mundos que nos são oferecidos. Retratam a mísera e vil condição humana. Ler é olhar para dentro e enfrentar, muitas vezes, demónios; é perder-se nos outros para se encontrar, reconhecer-se nos erros e nas valentias, aprender a viver sem julgar apressadamente; é saber que não estamos imunes nem à desgraça nem à desonra e tentar não escorregar como as personagens mais torpes. Enquanto não se perceber esta ideia, a leitura e o livro serão sempre incompreendidos.
Nina M.
           




Sem comentários:

Enviar um comentário