Metáforas
Quiseram
as circunstâncias que estes dois fins de semana fossem consagrados ao cinema.
Este foi como deve ser. De facto, despachei os miúdos para a avó e sentei-me
numa cadeira de sala de cinema, com um ecrã gigante e diante dos olhos não tive
nenhum filme infantil, mas um filme português, do colega Luís Diogo, Uma Vida Sublime, já reconhecido
internacionalmente, com muitos rostos conhecidos à mistura.
Bom
argumento, boa mensagem e uma história bem contada. O protagonista, o médico
Ivan, vivia obcecado com a ideia de as pessoas não serem felizes por não se
sentirem realizadas profissionalmente, nem no amor e nem na família e que, por
isso, tinham perdido a alegria de viver, sem perceberem que o facto de estarem
vivas já seria por si só motivo mais do que suficiente para se sentirem bem e
fazerem por aproveitar a vida. Assim, o médico falsificava exames e fazia com
que os seus pacientes acreditassem durante três ou quatro dias de que padeciam
de uma doença oncológica em estado avançado e severo. Dizia, contudo, que os
primeiros exames podiam ser enganosos e que deveriam fazer outros mais
conclusivos. Quando os doentes regressavam à consulta pela segunda vez, o
médico afiançava que afinal fora falso alarme e que os pacientes se encontravam
de perfeita saúde. Pretendia que eles compreendessem que lhes tinha sido
oferecida uma segunda oportunidade que não podia ser desperdiçada, porque um
dia será mesmo o nosso último. Tratava também a melancolia de outros de forma
mais radical, envolvendo rapto e torturas ligeiras, talvez à moda do pai das
irmãs Mortágua que se autointitulava, a si e ao seu bando de assaltantes, dito
por uma das filhas, como sendo uns “piratas românticos que faziam uns assaltos
só para chatear o Salazar”. Coisa pouca, porque as pistolas eram a fingir e
faziam de conta que eram agressivos, mas vai-se a ver e tudo não passava de uma
tropelia de criançolas já granditas... Coisas de enfants terribles… Parecidos com o Robin Hood, afinal roubavam
bancos… Só não sei se distribuíam pelos pobres…
O
médico fazia algo parecido. Para disseminar a alegria, usava métodos pouco
recomendáveis! Com alguns pacientes terá resultado, permitiu-lhes perceber que
precisavam de aproveitar mais a vida, sair com a mulher, viajar e ter
atividades das quais se gosta verdadeiramente, enfim, perseguir os sonhos e
desvalorizar o capital e os seus símbolos: a boa casa, o bom carro, o emprego
estável…
Acontece
que a sua primeira vítima de rapto, apesar de ter cumprido o sonho no que diz
respeito à atividade profissional, não foi capaz de superar o trauma imposto.
Continuou infeliz e, depois da tortura, desequilibrado.
Se
a mensagem principal passada de que devemos lutar pela nossa felicidade e pelo
que achamos que vale a pena ser vivido está muito em voga, não valorizando
outro tipo de aquisições materiais, isto é, investir mais em experiências
vividas e nos sentidos do que em bens que se adquirem, e eu partilho desta
opinião, em absoluto. Sou das pessoas que se borrifam para telemóveis
caríssimos, carros ou joias, mas saboreia intensamente uma viagem e a
descoberta ou redescoberta de lugares, mesmo que se trate de um simples passeio
pela infância, sempre tão boa de lembrar…
Mesmo
assim, o filme vale pelo reverso da medalha, pela mensagem subliminar. Pode
haver quem seja feliz com a posse material ou apenas porque a infelicidade não advém
da sua vida normal e rotineira. E têm o mesmo direito de gostarem dos seus bens
quanto eu das minhas experiências… Questão de gostos e de opiniões.
A questão
central e filosófica é saber o que é a felicidade. Como defini-la e depois vivê-la.
Volto ao Zygmunt Bauman. Haverá uma felicidade certa para cada ser humano e a receita
prescrita não pode ser a mesma para todos. Nada a fazer. Cada um deverá descobrir
o seu caminho. Parece-me que a felicidade vem de dentro e depende mais de cada indivíduo
do que dos que o rodeiam, ainda que não estejamos imunes a fatores externos. Também
me parece que ela não exclui a dor e que sofre oscilações. Felicidade pouco tem
a ver com bem-estar. Este poderá ser uma condição necessária, mas não suficiente.
Qual a receita? Do que precisamos? Cada um olhe para dentro e descubra. Seguramente,
o que eu preciso será diferente de todos os outros, porquanto cada ser humano é
ímpar e único.
Nina
M.
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