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sábado, 2 de fevereiro de 2019

Crónica de Maus Costumes 117



 Metáforas

Quiseram as circunstâncias que estes dois fins de semana fossem consagrados ao cinema. Este foi como deve ser. De facto, despachei os miúdos para a avó e sentei-me numa cadeira de sala de cinema, com um ecrã gigante e diante dos olhos não tive nenhum filme infantil, mas um filme português, do colega Luís Diogo, Uma Vida Sublime, já reconhecido internacionalmente, com muitos rostos conhecidos à mistura.
Bom argumento, boa mensagem e uma história bem contada. O protagonista, o médico Ivan, vivia obcecado com a ideia de as pessoas não serem felizes por não se sentirem realizadas profissionalmente, nem no amor e nem na família e que, por isso, tinham perdido a alegria de viver, sem perceberem que o facto de estarem vivas já seria por si só motivo mais do que suficiente para se sentirem bem e fazerem por aproveitar a vida. Assim, o médico falsificava exames e fazia com que os seus pacientes acreditassem durante três ou quatro dias de que padeciam de uma doença oncológica em estado avançado e severo. Dizia, contudo, que os primeiros exames podiam ser enganosos e que deveriam fazer outros mais conclusivos. Quando os doentes regressavam à consulta pela segunda vez, o médico afiançava que afinal fora falso alarme e que os pacientes se encontravam de perfeita saúde. Pretendia que eles compreendessem que lhes tinha sido oferecida uma segunda oportunidade que não podia ser desperdiçada, porque um dia será mesmo o nosso último. Tratava também a melancolia de outros de forma mais radical, envolvendo rapto e torturas ligeiras, talvez à moda do pai das irmãs Mortágua que se autointitulava, a si e ao seu bando de assaltantes, dito por uma das filhas, como sendo uns “piratas românticos que faziam uns assaltos só para chatear o Salazar”. Coisa pouca, porque as pistolas eram a fingir e faziam de conta que eram agressivos, mas vai-se a ver e tudo não passava de uma tropelia de criançolas já granditas... Coisas de enfants terribles… Parecidos com o Robin Hood, afinal roubavam bancos… Só não sei se distribuíam pelos pobres…
O médico fazia algo parecido. Para disseminar a alegria, usava métodos pouco recomendáveis! Com alguns pacientes terá resultado, permitiu-lhes perceber que precisavam de aproveitar mais a vida, sair com a mulher, viajar e ter atividades das quais se gosta verdadeiramente, enfim, perseguir os sonhos e desvalorizar o capital e os seus símbolos: a boa casa, o bom carro, o emprego estável…
Acontece que a sua primeira vítima de rapto, apesar de ter cumprido o sonho no que diz respeito à atividade profissional, não foi capaz de superar o trauma imposto. Continuou infeliz e, depois da tortura, desequilibrado.
Se a mensagem principal passada de que devemos lutar pela nossa felicidade e pelo que achamos que vale a pena ser vivido está muito em voga, não valorizando outro tipo de aquisições materiais, isto é, investir mais em experiências vividas e nos sentidos do que em bens que se adquirem, e eu partilho desta opinião, em absoluto. Sou das pessoas que se borrifam para telemóveis caríssimos, carros ou joias, mas saboreia intensamente uma viagem e a descoberta ou redescoberta de lugares, mesmo que se trate de um simples passeio pela infância, sempre tão boa de lembrar…
Mesmo assim, o filme vale pelo reverso da medalha, pela mensagem subliminar. Pode haver quem seja feliz com a posse material ou apenas porque a infelicidade não advém da sua vida normal e rotineira. E têm o mesmo direito de gostarem dos seus bens quanto eu das minhas experiências… Questão de gostos e de opiniões.
A questão central e filosófica é saber o que é a felicidade. Como defini-la e depois vivê-la. Volto ao Zygmunt Bauman. Haverá uma felicidade certa para cada ser humano e a receita prescrita não pode ser a mesma para todos. Nada a fazer. Cada um deverá descobrir o seu caminho. Parece-me que a felicidade vem de dentro e depende mais de cada indivíduo do que dos que o rodeiam, ainda que não estejamos imunes a fatores externos. Também me parece que ela não exclui a dor e que sofre oscilações. Felicidade pouco tem a ver com bem-estar. Este poderá ser uma condição necessária, mas não suficiente. Qual a receita? Do que precisamos? Cada um olhe para dentro e descubra. Seguramente, o que eu preciso será diferente de todos os outros, porquanto cada ser humano é ímpar e único.
Nina M.




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