Soror Mariana
A
notícia que li a propósito das cartas de Soror Mariana Alcoforado (obrigada, Teresinha,
pela partilha) não me deixou indiferente e despertam algumas reflexões.
Evidentemente,
tive que reler as cinco cartas escritas pela freira ao seu grande amor, o
Marquês de Chamilly, oficial francês, que lutou em solo português, durante a
guerra da Restauração.
Tê-lo-á
avistado do terraço do Convento de Nossa senhora da Conceição, em Beja, onde
ingressou com a tenra idade de doze anos e onde acabaria por morrer.
Desta
forma, ainda criança, a vida de Soror Mariana fora determinada pelos pais, como
era hábito então. Decidiram os progenitores que a donzela dedicaria a vida a
Deus. Se havia ou não vocação religiosa, pouco importava, pois na época,
decidiam os progenitores e aos filhos competia-lhes a obediência cega e livre
de espírito crítico.
Talvez
assim tivesse sido com Mariana, não fosse o acaso da vida pregar-lhe uma
partida e permitir que os seus olhos se cruzassem com o francês, despertando
uma paixão desenfreada e emoções que a freirinha ignorava e começava a
descobrir.
Incendiada
pelo amor, acalentava a esperança de o poder viver em toda a sua plenitude, em
terras gaulesas. O amor sentido foi o combustível necessário à coragem de
romper com todos os convencionalismos. Escritas pelo seu punho, no conjunto das
cinco cartas, Mariana confessa a febril paixão que a abraça e a dor do abandono
que a dilacera. Sem pudor, confessa ter recebido o seu amor no seu quarto, onde
se entregava feliz a quem lhe jurava paixão idêntica. Numa das cartas diz mesmo
que doravante seria ele (Chamilly) a sua religião.
Por
amor, Mariana afrontava a família e a sociedade, em pleno século XVII,
ignorando os efeitos da coragem ao assumir a sua individualidade, as suas escolhas,
a sua autenticidade. Não lhe trouxe grandes alegrias. O coração do francês não
lhe era tão devoto quanto o dela e, aproveitando uma carta do irmão como subterfúgio,
regressou ao seu país, como forma de evitar confrontos com a família de Mariana,
socialmente influente. Ter-lhe-á prometido que a viria buscar, mas, neste caso,
a palavra dada não foi honrada.
É
durante este afastamento que Mariana lhe faz chegar as suas missivas, que
despertam compaixão e simpatia por um coração esfarrapado e pisado, mas que se
abre, sem vergonha ao amor que o devora, perdida entre a autocomiseração,
raiva, queixume e sofrimento, por pressentir que não há uma correspondência nem
perfeita nem exata na dimensão do seu sentimento. A quinta e última carta é a
derradeira despedida, o sinal de quem já percebeu a indiferença a que fora
votada, mas que ainda assim lhe causa transtorno e sofrimento.
Numa
época em que a liberdade da mulher era uma utopia, longe de ser alcançada, o
amor romântico surge como a alavanca da revolta e da afirmação feminina.
Perdido o amor, Soror Mariana resignou-se ao destino que lhe traçaram e haveria
de confinar-se às paredes do Convento, no qual viria a falecer. Não morreu sem
conhecer o amor, mas morreu derrotada por ele.
Preferia
que tivesse servido de motivação para recusar a vida monástica, para a qual não
estaria talhada, em vez de sucumbir ao desgosto. Não resolveu tudo, mas enquanto
o amor se fez presente, Mariana foi mais autêntica, logo mais feliz, apesar da
rebeldia e da ousadia em quebrar as regras, o que lhe granjeou dissabores.
Sentiu o sabor acre da desilusão, mas viveu e viver é sempre um risco.
Nina
M.
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