Seguidores

sábado, 19 de janeiro de 2019

Crónica de Maus Costumes 115



Soror Mariana
A notícia que li a propósito das cartas de Soror Mariana Alcoforado (obrigada, Teresinha, pela partilha) não me deixou indiferente e despertam algumas reflexões.
Evidentemente, tive que reler as cinco cartas escritas pela freira ao seu grande amor, o Marquês de Chamilly, oficial francês, que lutou em solo português, durante a guerra da Restauração.
Tê-lo-á avistado do terraço do Convento de Nossa senhora da Conceição, em Beja, onde ingressou com a tenra idade de doze anos e onde acabaria por morrer.
Desta forma, ainda criança, a vida de Soror Mariana fora determinada pelos pais, como era hábito então. Decidiram os progenitores que a donzela dedicaria a vida a Deus. Se havia ou não vocação religiosa, pouco importava, pois na época, decidiam os progenitores e aos filhos competia-lhes a obediência cega e livre de espírito crítico.
Talvez assim tivesse sido com Mariana, não fosse o acaso da vida pregar-lhe uma partida e permitir que os seus olhos se cruzassem com o francês, despertando uma paixão desenfreada e emoções que a freirinha ignorava e começava a descobrir.
Incendiada pelo amor, acalentava a esperança de o poder viver em toda a sua plenitude, em terras gaulesas. O amor sentido foi o combustível necessário à coragem de romper com todos os convencionalismos. Escritas pelo seu punho, no conjunto das cinco cartas, Mariana confessa a febril paixão que a abraça e a dor do abandono que a dilacera. Sem pudor, confessa ter recebido o seu amor no seu quarto, onde se entregava feliz a quem lhe jurava paixão idêntica. Numa das cartas diz mesmo que doravante seria ele (Chamilly) a sua religião.
Por amor, Mariana afrontava a família e a sociedade, em pleno século XVII, ignorando os efeitos da coragem ao assumir a sua individualidade, as suas escolhas, a sua autenticidade. Não lhe trouxe grandes alegrias. O coração do francês não lhe era tão devoto quanto o dela e, aproveitando uma carta do irmão como subterfúgio, regressou ao seu país, como forma de evitar confrontos com a família de Mariana, socialmente influente. Ter-lhe-á prometido que a viria buscar, mas, neste caso, a palavra dada não foi honrada.
É durante este afastamento que Mariana lhe faz chegar as suas missivas, que despertam compaixão e simpatia por um coração esfarrapado e pisado, mas que se abre, sem vergonha ao amor que o devora, perdida entre a autocomiseração, raiva, queixume e sofrimento, por pressentir que não há uma correspondência nem perfeita nem exata na dimensão do seu sentimento. A quinta e última carta é a derradeira despedida, o sinal de quem já percebeu a indiferença a que fora votada, mas que ainda assim lhe causa transtorno e sofrimento.
Numa época em que a liberdade da mulher era uma utopia, longe de ser alcançada, o amor romântico surge como a alavanca da revolta e da afirmação feminina. Perdido o amor, Soror Mariana resignou-se ao destino que lhe traçaram e haveria de confinar-se às paredes do Convento, no qual viria a falecer. Não morreu sem conhecer o amor, mas morreu derrotada por ele.
Preferia que tivesse servido de motivação para recusar a vida monástica, para a qual não estaria talhada, em vez de sucumbir ao desgosto. Não resolveu tudo, mas enquanto o amor se fez presente, Mariana foi mais autêntica, logo mais feliz, apesar da rebeldia e da ousadia em quebrar as regras, o que lhe granjeou dissabores. Sentiu o sabor acre da desilusão, mas viveu e viver é sempre um risco.
Nina M.













Sem comentários:

Enviar um comentário