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sábado, 12 de janeiro de 2019

Crónica de Maus Costumes 114



Ser ou não ser feliz eis a questão!
            - O meu pai diz que tenho de ser médico ou engenheiro e o teu?
            - O meu diz que tenho de ser feliz.
            Fui surpreendida por este breve diálogo, acompanhado de uma imagem bastante sugestiva e contemplada, naturalmente, com imensos “likes” na rede social mais usada pelos mais velhotes, a confiar nos meus filhos…
            Estagnei perante a mensagem. Naturalmente, todos os progenitores que se prezem querem que os seus filhos sejam felizes. Eu também, obviamente. Depois de refletir um pouco, chego à conclusão de que nem uma nem outra premissa serão corretas, mesmo tendo em conta que tais desabafos serão tidos a pensar no que será melhor para os filhos.
O primeiro, mais facilmente se percebe o desacordo. Ao desejar que um filho seja isto ou aquilo mais não se está a fazer do que a projetar as nossas ambições goradas nos descendentes. Os filhos são pedaços da nossa alma, mas não são a nossa extensão, portanto, eu quero que os meus sejam aquilo que quiserem ser e que se sintam realizados profissionalmente, apenas. Preferencialmente, que lhes permita também algum desafogo económico, no sentido de poderem ter uma vida digna com o mínimo de conforto. Quanto ao ser feliz, a história é outra. Obviamente que os quero felizes, porém, será de uma inconsciência atroz pensar que os filhos que nós tanto amamos e protegemos com todas as nossas forças serão sempre felizes. Isso não existe, basta olhar para as nossas vidas. Poder-se-á ter uma vida maioritariamente tranquila, sem grandes sobressaltos, mas a dor e a perda fazem parte dela. Inevitavelmente. Certamente, os meus filhos, como todos os humanos, terão momentos, segundos, de verdadeira e pura felicidade que poderão cristalizar para que os acompanhem ao longo da vida. Por isso uma mãe se lembra tão bem da primeira vez que olhou os rebentos e os segurou nos braços, ainda na refrega do parto. Esquece a dor, se a houve, e dá primazia à emoção do momento mais feliz de toda a sua existência, porque nada lhe é comparável. Absolutamente nada. No entanto, esses instantes de êxtase só podem ser eternos meramente na memória. A vida também é feita de perdas e de derrotas que temos de saber suportar e superar. Ninguém é feliz o tempo todo e dizer-lhes: quero que sejas feliz é incutir-lhes a ideia errada de que esse estado emocional de extremo bem-estar é possível a todo o momento. Prefiro dizer que quero que os meus filhos sejam resilientes. A probabilidade de serem felizes mais tempo será maior. Esta qualidade implica saber lidar com o fracasso, levantar-se do chão as vezes necessárias, ter dois dias de depressão e de autocomiseração, mas reerguer-se ao terceiro, não se dando por vencidos. Implica pensamento, racionalização e inteligência emocional. É não virar a cara à luta, mas saber também quando é hora de desistir, de largar, porque há circunstâncias em que uma perda pode ser ganho!
Depois, obrigatoriamente, deveríamos questionar o conceito de felicidade. Aconselho vivamente Zygmunt Bauman, que a propósito da felicidade, diz que “para cada ser humano há um mundo perfeito feito para ele ou para ela”. Significa que a felicidade deve ser construída por cada sujeito e que a receita é individual e só pode ser encontrada por cada um de nós. A mesma receita não serve para todos. Poderei também lembrar Mário Sérgio Cortella que indica a máxima filosófica para definir felicidade: realidade menos expetativa ou como “instantes em que se sente que a vida nos está a levar ao máximo”. “A felicidade não é euforia, não é consumo, é simples e se não for simples não é felicidade, é inchaço.”
Também quero que os meus filhos sejam felizes, mas antes devem compreender que esse caminho é construído por eles, na sua individualidade. Devem saber que uma vida feliz não elimina a dor e que, portanto, é preciso que tenham a resiliência para a superarem e persistirem na busca.
Finalmente, é importante que compreendam o que é essencial. O essencial é distinto do fundamental. O essencial será o amor, a amizade, a lealdade, a sexualidade, entre outras coisas e nunca o dinheiro, porquanto este possa comprar a ternura, mas não o amor; poderá comprar a reciprocidade, mas não a amizade, poderá comprar o sexo, mas não a sexualidade. Então, o dinheiro poderá ser fundamental, mas não essencial e a felicidade advém do essencial, pelo que não pode ser comprada, ofertada como algo que está sempre à mão de semear, tem de ser construída por cada um, com as ferramentas que este conseguir reunir ao longo do seu trajeto existencial.
Nina M.
           


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