A perda de um amigo
A crónica era para ser outra, mas
será esta. Soube da partida de um amigo. De alguém que já não via há mais de vinte
anos, mas com quem ia mantendo algum contacto esporádico.
Havia quase um
acordo tácito: o Zé faz anos a 9 de junho e eu a 13, pelo que invariavelmente,
eu, primeiro, endereçava-lhe os meus parabéns e, poucos dias depois, recebia os
seus. Acontecia o mesmo pela ocasião do Natal, em que os votos de um Santo Natal
eram endereçados. O Zé gostava de postais antigos de Natal, que ia publicando
na sua rede social. Em 2022, recebi uns votos de Santo Natal mais alongados e
trocámos mais umas palavras. Creio que o Zé já estaria doente, mas não mo disse.
Falou-me das adversidades da vida que o foram acinzentando e, em boa hora, durante
a conversa, tive a oportunidade de lhe agradecer a sua “crença” em mim. Afirmou
sentir-se orgulhoso por estar ligado ao início da minha escrita pública. Em
2023, renovaram-se os votos habituais e, em 2024, veio o silêncio. Não recebi as
habituais mensagens. Estranhei um pouco, mas a vida de todos é tão corrida…
Poderia ter sido esquecimento, qualquer impedimento… Não insisti. Não sou de
incomodar, mas talvez deva começar a incomodar mais, nalgumas circunstâncias…
Em maio deste ano, soube da doença que o carcomia por dentro e da luta que travava
há já quatro anos. Hoje, chegou a notícia que não queria ter recebido.
Querido Zé… Onde estiveres, a crónica
de hoje é para ti.
Ontem, durante os milhões de
pensamentos que nos assolam ao longo de um dia, apareceste-me num deles, Zé. Talvez
fosse uma despedida... Só para contextualizar quem lê, este eterno amigo foi o
responsável pela minha escrita, de forma pública. Convidou-me para colaborar no
jornal que fundava, em 2001, com textos de minha autoria. Eu era uma gaiata, de
24 anos, a caminho dos vinte e cinco. Lançou-me o repto como quem sabe o que
faz, sem ter lido qualquer linha que eu pudesse ter escrito. Sugeri que
convidasse outra colega, que não sabia se teria essa capacidade. Respondeu-me
que se quisesse a outra pessoa, lhe teria falado. Fizemos um acordo: eu
escreveria um primeiro texto e ele dava-me a sua palavra de que só o usaria se
entendesse que teria qualidade para poder ser publicado. Foi desta forma que no
Viver Valpaços, para além das notícias locais, havia espaço para a
rubrica literária. Mais colegas se juntaram ao fadário. A partir dessa altura,
mensalmente, seguia a minha contribuição, durante os três anos de vida do
jornal. Só de me lembrar que, na altura, não tinha computador e escrevi vários
textos à mão, que depois foram digitados por algum copista! Talvez o próprio
Zé, já não me lembro! Sei que foram dois ou três textos assim. Entretanto,
terei comprado o meu primeiro computador e começou a dança das disquetes. O Zé
lá arranjava forma de vir buscar (trabalhei dois anos em Chaves) ou de fazer
chegar a disquete por intermédio de alguém, até a Internet se ter difundido mais
e os textos seguirem por e-mail.
Se não fosse pelo Zé, hoje, não
haveria Crónica de Maus Costumes, blog, poesia e contos… É mais do que justo
este agradecimento público e congratulo-me por lho ter feito chegar em tempo
útil. O Zé António que recebia os novos colegas com um sorriso afável, com simpatia
e disponibilidade. Um homem extremamente culto, que se interessava por
literatura, mas também por História, com um sentido de humor acutilante e uma
pontinha de ironia afiada, por influência queirosiana, autor de que gostava. O
professor de inglês, que se matriculou, primeiramente, em Português/ Francês, mas
que achou que os pouquíssimos rapazes da turma não lhe assentariam como pares e,
portanto, mudou-se para o inglês, língua mais máscula. Por sua sugestão, li a
Criação do Mundo, de Miguel Torga, verdadeiramente delicioso, tal como me
afiançou!
As almas que nos tocam são assim…
Guardamos sempre um pedaço bom de memórias connosco. O meu amigo Zé, com o seu
quê de D. Quixote, o irrepreensível “perfect british gentleman”, epíteto pelo
qual, habitualmente, o tratava.
Fica bem, Zé. Até sempre.
Nina M.