(Des)governos…
A crónica de
hoje chega com atraso, mas vem sempre a tempo, porque neste país, normalmente,
não se acautela para evitar que o pior aconteça, ou seja, não se aposta na
prevenção, há é sempre uma reação ao problema e a escola pública é sempre um
exemplo fácil…
Há vários anos, os sindicatos alertaram para o problema que as escolas vivenciam neste momento: a falta de professores em determinadas zonas do país, mas que se alastrará a outras, fruto do envelhecimento da classe docente. Ninguém ouviu e pior, os professores foram diabolizados, enxovalhados, quis ganhar-se a opinião pública, que continua ganha, mas a que preço e com que custo para o país e os mais jovens!
Entre 1990 e
2005, Portugal fez um esforço sério por formar profissionais competentes e
profissionalizar os que já estavam no sistema, mas que não eram professores. Surgiram
os cursos via ensino (o caso do meu), que obrigava a quatro anos de estudo nos
bancos da Universidade e um ano inteiro na escola, orientados por professores
experientes, mas com duas turmas a nosso cargo. No total, ao longo do ano
letivo, tive a modesta quantia de quarenta aulas assistidas, vinte a Português
e outras tantas em Francês, quer na minha turma quer nas turmas dos
orientadores, com os devidos seminários semanais e feedback do trabalho
realizado. Tínhamos de entregar, antecipadamente, ao orientador, o plano e a descrição de
aula. Nos seminários, fazia-se a auto e heteroavaliação
das aulas assistidas e competia ao orientador elaborar o relatório avaliativo
pormenorizado do avaliando. Os ainda universitários eram postos no terreno, com
acompanhamento, exercendo também a função de secretários de uma direção de
turma para aprenderem o pragmatismo do ofício e tinham, obviamente, assento nas
reuniões de grupo disciplinar (na altura não havia departamentos). Com o tempo,
para evitar pagar o salário de quinhentos euros aos estagiários, as regras do
jogo foram mudadas. Os alunos em final de curso deixaram de estar na escola a
tempo inteiro e o estagiário passou a ter de cumprir umas assistências nas turmas dos orientadores e, também, a ter de lecionar algumas aulas. Deixou de estar o tempo integral na escola, no terreno, a
compreender e a apreender o seu funcionamento por dentro. Os últimos estágios
remunerados, com os professores-estagiários a tempo integral, datam do ano 2005.
No entanto, nos tempos seguintes, os estagiários que ainda apareciam eram de
cursos via ensino, havendo a garantia de alguma qualidade. Neste momento, basta
que alguém com curso superior, com um determinado número de créditos em certas disciplinas,
se candidate a um mestrado em ensino e saem mestres… Da mula russa,
acrescentaria… Acredito que as pessoas façam o seu melhor, mas acontece haver
gente com cursos ligados à Higiene e segurança no trabalho a fazerem mestrados
em Geografia, por exemplo, sem perceber nada de alguns conteúdos que têm de
ministrar no 11º ou no 12º ano. Gente que escreve deploravelmente e os
orientadores universitários pedem aos orientadores da escola que os ponham a
escrever! Eu… Nem sei o que diga quando confrontada com estas realidades, que
me vão fazendo chegar… Ou melhor… Penso no desperdício que se está a fazer e no
bom trabalho que foi deitado pelo ralo. Não se forjam professores à pressa e
sem qualidade, mas é o que está a acontecer. No tempo do excesso, exigia-se
tudo e mais o que houvesse, no tempo das vacas magras, a qualidade dos
profissionais não importa. O que interessa é manter a escola pública a
funcionar para os pais depositarem as crianças e seguirem para o trabalho. Tudo
o resto se esboroa na imbecilidade dos corredores do poder, esses senhores tantas
vezes irresponsáveis, que não conhecem ou fingem desconhecer a realidade.
Mais do que
resolver bem os problemas que surgem, interessa continuar a fazer o mesmo com
menos dinheiro, a qualidade do ensino, se diminuir, não vem mal ao mundo, siga
a banda e as ideias peregrinas dos maestros!
Este ano,
com a implementação tão desejada do digital, decidiram facultar uma
prova-ensaio, para ver a aplicabilidade da mesma. Suspeito que não passou de
manobra de diversão, apesar da aparente preocupação… Ou seja, o plano está em
marcha, as provas são para serem realizadas, fica bem para a opinião pública,
dar a entender que se está a acautelar problemas, mas… Quer estes existam quer
não, a decisão já está há muito tomada! Nem falo da fuga de informação sobre a
prova nas redes sociais nem do facto de não terem sido realizadas no mesmo dia
e à mesma hora para todas as turmas, nem sequer do facto de termos vinte e cinco
alunos numa sala, dois a dois, com toda a facilidade para espreitar o
computador do vizinho… Quem quer saber? É só uma prova-ensaio, mas ainda há
quem entenda poder usá-la para avaliação… O nome ensaio deveria dizer tudo…
Desvalorizando
tudo o que atrás foi mencionado, por se tratar de um mero ensaio, vamos ao
cerne da questão: apliquei a bendita prova a três turmas. Numa delas, só seis
alunos conseguiram entregar; na outra, três não conseguiram entregar. Note-se
que todos tinham tempo de fazer a prova, se a Internet funcionasse sem falhas…
Acontece que não… Só numa das turmas, os alunos entregaram todos, mas ainda
assim, as condições de igualdade não foram garantidas, porque nem todos
iniciaram ao mesmo tempo, já que a Internet não o permitiu. Só uma turma de
cada vez estava a realizar a prova, agora, imaginemos o que seria com todos os
alunos de nono ano a resolver em simultâneo. Depreendo que consigam imaginar o
problema… Pois bem, pelo que percebi, a minha escola não foi caso único…
Eis o meu espanto quando leio que o
senhor ministro diz que houve alguns constrangimentos, mas que foram residuais
e que as escolas resolveram! Não brinquemos com coisas sérias, senhor ministro!
As soluções encontradas pelas escolas não poderão ser aplicadas no exame! Até à
partilha de Internet, a partir de telemóveis se recorreu para se testar! O que
deveria acontecer, no final do ano, caso os senhores não permitam que as
escolas resolvam os problemas de alicerces (Internet funcional em todas as
salas, sem quebras de maior), porque a casa não se começa pelo telhado, e se houver
estes problemas “residuais” de uns alunos entrarem no primeiro minuto e outros
passados apenas vinte, os pais deveriam responsabilizar e interpor um processo
judicial ao MECI, por incapacidade de garantir a igualdade de circunstâncias
para todos os alunos. Numa situação de exame, em que eles já estão,
naturalmente, sob pressão, não precisam de fatores externos que os condicionem!
Quando penso que já vi de tudo, o MECI continua a surpreender!
No entanto,
não chega este desvario… Os senhores ainda querem professores voluntários (o
mesmo que dizer dispostos a trabalhar de graça, numa altura em que tratam das
suas próprias avaliações) para a correção do item de resposta extensa! Para
quê? Não queriam o ensaio? Está ensaiado e saiu uma valente porcaria! Deixem
para lá as correções, porque ninguém quer saber! O que faziam bem era pensar em
resolver verdadeiramente a questão e ou reforçam a Internet, porque a verba que
chegou não foi suficiente ou voltem ao papelinho que dizem que é como o algodão:
não engana!
Nina M.
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