Crónica de um mundo ensandecido
O Homem parece não querer curar a
insanidade do mundo. À medida que nos adentramos na maturidade, ficamos com a
sensação de que a realidade piora a olhos vistos, mas para usar uma expressão
da moda, talvez não passe de um erro de perceção.
Guerras
sempre existiram. O século XX foi sangrento e o primeiro quarto deste século
não está a ser melhor… No entanto, o cenário não é propriamente novo: a sede de
poder, a luta pelo controlo e pela hegemonia económica continua a mesma e
alguns dos atores também. Os donos disto
tudo não prestam e nunca prestaram e continuam a mexer as suas peças no
tabuleiro de xadrez, para fazer o seu xeque-mate.
A luta do
Homem começa a ser a de dotar a sua vida de sentido e de propósito num mundo
esquizofrénico. O problema é que a preservação da sanidade parece exigir o
afastamento da mundanidade e a vivência de um mundo interior muito próprio. No
entanto, não se trava a batalha sem perdas, pois não somos sozinhos, não
subsistimos sozinhos, somos seres gregários e a nossa preservação depende da
preservação da comunidade. Começa a ser verdadeiramente difícil olhar para os
corredores do poder neste momento. O conflito israelo-palestiniano que parece
não ter fim; a guerra desencadeada pela Rússia contra a Ucrânia; a luta pela
hegemonia económica entre a China e os Estados Unidos da América; a vitória de
Trump que deveria envergonhar todos os estadunidenses, uma vez que o país gosta
de tecer loas à sua democracia. Eu continuo sem entender como um povo é capaz
de eleger uma triste figura que admitiu ter fugido aos impostos, prejudicando
todos os seus concidadãos e, sobretudo, ter incentivado um ataque ao Capitólio
em que, para além de dano patrimonial, houve morte de pessoas. Não entendo como
um país democrático, que revela imenso orgulho na sua democracia e na sua
liberdade, possa permitir que um indivíduo, promotor de uma rebelião e assalto
à casa da democracia, possa voltar a candidatar-se. Espanta-me que o sistema
judicial o permita e espanta-me que um partido, para ganhar eleições, o escolha
e o apoie. Não me espanta que alguns, muitos líderes deste mundo se
predisponham a baixar-lhe as calças e a mostrar-lhe o rabinho. Esse loiro
imbecil já queria anexar o Canadá e a Gronelândia e transformar Gaza numa
espécie de Riviera americana com o apoio de outro troglodita, o Netanyahu! E o
que pretendem fazer aos palestinianos? Acaso o genocídio levado a cabo não chega?
A destruição massiva não é, por si só, castigo suficiente? A expansão sucessiva
dos colonatos que mais não é do apropriação de terra palestiniana continuará
até à expulsão total? O líder de um povo que repete o que outros fizeram com
ele, no século XXI, não é digno de liderar ninguém.
Estas ideias
que nos parecem absurdas e que não são para serem levadas a sério, vindas de
quem vem, devem deixar-nos alerta, porque um louco com poder é capaz de tudo e
não faltam exemplos históricos a comprová-lo.
A diferença entre Trump, Putin,
Netanyahu e Xi Jinping é nula! O valor maior é o dinheiro e o poder. Valores
como humanismo, justiça, empatia, proteção dos mais frágeis passam-lhes ao lado.
Não olham a meios para atingirem os seus fins. Se alguns livros terão lido, um
deles terá sido, por certo, O Príncipe, de Maquiavel. Em caso de conluio
entre Trump e Netanyahu para ocupação de alguns territórios de Gaza, se tal
vier a acontecer, o mundo estará perante uma situação maior de hipocrisia
inqualificável e nojenta. Espero, sinceramente, que o resto do mundo e,
principalmente, a Europa não fique de braços cruzados, impávida e serena. Para
além de que tal comportamento, seria uma espécie de carta branca para a China
poder invadir Taiwan e um respaldo moral para a Rússia!
Eu sei que os estadunidenses só se
preocupam com a economia, uma sociedade onde vigora um capitalismo selvagem,
onde a ideia de sucesso se faz pela ostentação dos bens materiais que se
possui, onde reina a tese da meritocracia sem atender à equidade, fazendo com
que a população acredite que com muito trabalho todos podem melhorar a sua
vida, mas infelizmente não é assim. Há outros fatores e circunstâncias decisivos,
desde logo a sorte ou o azar ditado pelo meio onde se nasce. Trump nasceu com o
rabo virado para a lua. Já era muito rico, antes de se tornar, muito, muito
rico. É um privilegiado arrogante, que se afasta da elite intelectual, mais
pobre do que ele, é certo, mas ao pé da qual não vale um chavo, conseguindo a
simpatia de uma classe média e trabalhadora, por vezes ressentida com as
dificuldades da vida e com as elites que deveriam garantir maior equidade, mas
que falham no propósito. As elites têm, por isso mesmo, um trabalho reflexivo a
fazer. Trump chega ao poder através da divisão e da polarização da sociedade,
com a promessa de uma economia forte nem que isso implique falta de ética nas
relações com os outros países. Eu desejo que o partido democrata se possa reencontrar
rapidamente para fazer uma oposição séria e contundente a este lunático que aterrou,
mais uma vez, na cadeira do poder.
Quanto aos europeus, a verdade é que
não podem continuar a colocar o seu destino em mãos alheias e só uma Europa
unida e fraterna pode ter condições para se bater de igual para igual com
outras potências. A Europa de valores vincados, na única em que me reconheço:
democrática, livre, culta, tolerante, respeitadora, mas que se faz respeitar,
opositora a todo e qualquer regime autocrático, mais justa e mais equitativa na
distribuição da riqueza que produz e promotora de paz.
Espero que soprem ventos favoráveis
para os que sofrem os terrores deste tempo e quanto a mim, por vezes,
apetece-me a imperturbabilidade dos jogadores de xadrez de Ricardo Reis, a ver
se o consigo…
Nina M.
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