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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Procuro-te

Procuro-te nas reminiscências da alma
E nas esquinas de cada vértebra quebrada
Pelo compasso da vida
Às vezes, estugo o passo
só para ouvir a tua voz grave e séria
A falta de timbre para as anedotas
Mas excelente para as proparoxítonas
As mais difíceis, íngremes e melódicas palavras
Quem permitiu que gostasse, assim, delas?
Fugidias, a enternecerem-te a voz
Embrenho-me no avesso de mim
A ver se descubro a reminiscência da palavra mais terna e mais envergonhada
Ou um eco ou sussurro ou suspiro ou insinuação
Um simples respirar de quem repousa
O vazio inteiro que o habita
Isso e a angústia de se saber
A inquietação que nos consome
Em fogo brando e lento
A preparar uma eternidade

sábado, 25 de janeiro de 2025

Crónica de Maus Costumes 405

 

“Cá nesta Babilónia…”

            Vi, durante a semana, a reportagem do programa Linha da Frente, que passa no final do telejornal da RTP1, sobre a noite de Lisboa. Intitulava-se “Lisboa Infernal”, mas se o título da reportagem fosse “Lisboa, uma nova Babilónia”, não lhe ficaria mal.

            Imediatamente me ocorreram os versos de Camões (é mais do que justo que o vá lembrando, quando comemoramos o V centenário do nascimento do príncipe dos poetas):

Cá nesta Babilónia, donde mana

Matéria a quanto mal o mundo cria;

Cá, onde o puro Amor não tem valia,

Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;

[]

            Leiam o soneto, porque vale a pena. No soneto, a Babilónia (cidade de referência bíblica, criada no pós-dilúvio) é referente ao Oriente, para onde Camões foi desterrado, numa espécie de autoexílio, mas onde a vida também não lhe correu bem. Todas as misérias e azares aconteceram ao enorme poeta de génio destemperado, já o próprio dizia, numa autorreflexão, “Erros meus, má-fortuna, amor ardente/ Em minha perdição se conjuraram…” No soneto, o Oriente é plasmado como terra de vícios, onde o bem não frutifica e onde o mal grassa e se sobrepõe à honra, onde o amor puro é substituído pela luxúria e lascívia, associada à “Mãe”, que representa Vénus, a deusa do amor sensual. Enfim, uma terra viciosa, corrupta, em que a Nobreza e a Monarquia cedem à tirania e à vileza. Porém, na Chave de ouro (último terceto), Camões revela esperança de redenção e fé no regresso à terra de Sião, mais uma referência bíblica, lida como Terra Prometida ou Jerusalém. Simbolicamente, poderia representar o seu desejo de regresso à pátria amada.

            Se Camões regressasse à sua Lisboa, talvez constatasse que não andará longe da Babilónia descrita, por isso, me lembrei deste seu soneto enquanto via a reportagem.

A noite de Lisboa está tomada por um turismo selvagem, de massas, de catraiada miúda que nada oferece à capital a não ser confusão, barulho, vandalismo, violência e muito lixo. O Cais do Sodré e o Bairro Alto perdem a sua identidade ao serem invadidos por milhares de estrangeiros, num turismo de massas de curta duração, muitas vezes de fim de semana, apenas, afastando as gentes que ali viviam (agora, tudo está transformado em alojamento local) e afastando aqueles que pretendem um turismo de qualidade, que procuram a cidade pela sua beleza, pela sua tradição e pela sua cultura que, na verdade, é aquele que deve interessar ao país. Assim, a capital é invadida por jovens que vêm para cá com um único intuito: beberem até cair, sem gastar muito dinheiro. As ruas do Bairro Alto ficam à pinha, até de madrugada, com jovens que andam de bar em bar a emborcar shots e cerveja. As ruas transformam-se em salas, por falta de capacidade de os estabelecimentos conseguirem albergar tanta gente e a festa faz-se na rua. Os bares têm os seus relações-públicas, que não passam de aliciadores que arrastam os jovens para o bar que representam e lhes oferecem uma quantidade tremenda de bebida por poucos euros. Deixam as ruas imundas, cheias de lixo, urinam em todas as esquinas, fazem uma barulheira infernal. Muitos compram bebidas nos supermercados, levam-nas para a rua e fazem a festa até à hora que lhes apetece, sem regras nem proibições. O policiamento é parco, porque não há agentes suficientes e a criminalidade relacionada com este fenómeno de invasão temporária, mas constante, porque saem uns e entram outros, aumenta. A par do álcool andam as drogas, vendidas e compradas à descarada, num negócio insano e lucrativo e também as constantes rixas violentas entre uma juventude desregrada, alcoolizada e drogada.

A reportagem era sobre Lisboa, mas pelo que vou sabendo, a noite do Porto não está muito diferente. Na verdade, estes miúdos vêm para cá fazer o que não lhes é permitido fazer nos seus países de origem. Na nação vizinha, em Madrid e Barcelona, ninguém pode beber álcool na rua, a partir das 22h00. Pelos vistos, aqui, vale tudo, incluindo a venda de álcool a miúdos de catorze ou quinze anos, sem que ninguém se incomode com a tenra idade dos catraios.

É sabido que a juventude é dada a excessos, não é necessário abrirem as portas de par em par, porque os jovens já têm tendência para as arrombar, por natureza, mas vir gastar dinheiro numa passagem aérea e em estadia para se embebedarem e drogarem à vontade, sem apreciar ou sequer conhecer a cidade ou beber da sua cultura, é tão-somente estúpido. Estar em Lisboa e não ir aos Jerónimos, à Torre de Belém, ou ao Castelo de S. Jorge, no mínimo, deveria ser proibido!

Não deixa de ser curioso… Lisboa, já no tempo de Camões, era uma cidade cosmopolita, pejada de estrangeiros, uma das maiores Metrópoles europeias e também, reza a História, imunda e fétida, mas isso… Naquele tempo, ainda era o “água vai”, gritado das janelas para esvaziar os penicos cheios dos líquidos noturnos… Quem sabe, afinal, Camões nem estranhasse tanto, ele, que tanto frequentava os serões nobres como o mais baixo bordel… Não terá sido por acaso que morreu de sífilis.

Quanto a nós, talvez seja necessário definir o tipo de turismo que se quer atrair e seria bom que as edilidades impusessem algumas regras de conduta aos que nos visitam, semelhantes ao que se faz noutras metrópoles. Contrariar um pouco os brandos costumes não faz mal a ninguém…

 

Nina M.

 

 

 

sábado, 18 de janeiro de 2025

Crónica de Maus Costumes 404

 

Presunção e água benta cada um toma a que quer

               Gosto de andar a pé. Uma das vantagens de trabalhar ao lado de casa é poder ir para o trabalho a pé e a pé regressar, o que faço sempre que as condições climáticas permitem e quando não tenho miúdos atrelados a mim para levar, o que faz com que as vezes sejam menos do que as que gostaria.

               Um destes dias, em que fui e regressei a pé, passei por uns três sujeitos que conversavam entre si, junto a umas moradias em construção. A determinada altura, um deles convidou outro para ir a qualquer lado. Responde-lhe o fulano:

               - Espera aí, deixa-me só trocar de sapatos.

Não sei o que o outro lhe respondeu, mas o anterior insistia:

- É depressa. Tenho na mala as sapatilhas. Então, já viste, se me veem sair deste carro com estas botas… A letra tem de bater com a careta, senão o que vão pensar de mim?

Já não estava longe de casa e vim a sorrir o resto do caminho… Ora bem… O sujeito era alto e entroncado, careca, falava muito alto e percebia-se a pouca instrução. Vim a pensar com os meus botões qual seria o mal de o verem com uma botas grossas, de trabalho, e com terra… Acaso o trabalho honesto, seja ele qual for, não dignifica o homem? A questão do indivíduo é que conduzia um BMW, daqueles compridões e que eu chamo de “à chefe de família” e que não aprecio nadinha (sou estranha, eu sei… O Rodrigo fica incrédulo com a mãe, no que a carros diz respeito). Não sei dizer se era modelo recente ou não. Não me pareceu, mas percebo pouquíssimo dessas coisas, porque não as valorizo minimamente. O que me ficou na retina foi o azul do carro… Um azulão que faísca com o sol. Gosto muito do azul do meu FCP, mas com parcimónia e em certas peças de vestuário, em carros… Bem… É o que eu apelido de gosto duvidoso… Ou seja, o sujeito não queria ser visto a sair do seu BMW azulão de botifarras sujas, não fossem confundi-lo com um simples operário. Ele, seria, por certo, o patrão! E patrão que se digne tem uma reputação a manter… Só me lembrava da Joana Marques e da rábula que ela construiria com isto… Nem de propósito, porque no dia seguinte, aparece-me uma rubrica da radialista a brincar com o Celso LasKasas. A Joana já esclareceu que os seus tipos preferidos são os egos inflados. Por isso, brinca tanto com a Rita Pereira e brincou já mais do que uma vez com o Celso. Para quem não sabe, o Celso é um empresário de Rebordosa, Paredes, um homem que se fez por si, apesar de todas as dificuldades que a vida insistiu colocar-lhe. Nasceu no seio de uma família pobre, o pai esteve preso, apenas tem o 6º ano de escolaridade. Não gostava da escola e as dificuldades que sentia nesse meios eram muitas. Começou a trabalhar cedo numa marcenaria do tio, aprendeu o ofício e teve a coragem de se lançar por conta própria e a capacidade de saber gerir e de fazer crescer o seu negócio. O Celso tem reconhecidamente mérito. Dá emprego a muita gente, tem muitas lojas espalhadas pelo país e exporta muito. Para além de mobiliário, também tem a oferta de design de interiores. Portanto, este empresário contrariou o destino e teve, certamente, a inteligência de se rodear de gente com outros conhecimentos para construir o império a que a sua marca está agregada. Por tudo isto, o Celso tem o direito de estar satisfeito consigo mesmo, de se sentir orgulhoso pelo seu trajeto. É inegável e de toda a justiça que assim seja.

Se assim é, porque brinca Joana Marques? Por causa do ego do Celso, tal como brincaria com o fulano que se recusou sair de um BMW de botifarras de obra. Procurem pelo “podcelso” do Extremamente Desagradável para poderem compreender melhor… A dada altura o Celso diz o seguinte: “Eu sei que o meu pack, o meu pacote é top! Eu sei que qualquer mulher gostava de ter. Isto é a minha autoestima, o espelho a falar.” Perante isto, a esposa, a interlocutora do “podcast”, apressa-se a dizer ao mulherio que tenha cuidado porque ele já está ocupado… Mas as pérolas não terminam aqui… Ora, diz o Celso que não servia para ter uma mulher “dondoca” em casa, não porque não lhe pudesse dar um cartão ou dois, mas se calhar ao fim de dois meses retirar-lhos-ia não só pelo que gastava, mas porque não era homem para ter uma mulher loira de 1, 80 ou 1,90, toda jeitosa, para o acompanhar a casamentos ou batizados, mas depois, em casa abria a boca e… Nisto a esposa interrompe e diz-lhe, mas não estou a perceber… isso quer dizer que eu não sou jeitosa?! A Joana marques pegou sobretudo nesta parte final para brincar e dizer à esposa do Celso que a sorte dela foi ele não gostar de dondocas e ela ser uma mulher trabalhadora, apesar de mais gasta…

Eu teria pegado na parte do pacote top e de ir a casamentos e batizados com uma loira de 1,80!… É que ficamos a compreender ao máximo que a vida social do Celso pode aspirar: ir a casamentos ou batizados… Sei lá… Com o dinheiro que tem, poderia escolher pavonear-se com a loira nas margens do Sena ou no Olympia, no Scala, em Milão, ou então, nas galleria Uffizi, em Florença, no Royal Albert Hall, Londres, ou ainda na Broadway, em Nova Iorque, mas não… Quando o Celso pensa em pavonear-se com loiras é, no máximo, num casamento ou batizado… Vá, tenho para mim, que teria perfil para mostrar o seu pack em Bora Bora, Maldivas ou coisa assim… Vá lá, Celso, não sejas tão forreta… Um casamento… O que é isso? Olha que dessa forma não serás assim tão apetecível!

Olha, eu por mim… Preferia o empregado de mesa da rubrica de Os Gatos Fedorentos, apesar de dizer: “O livro quais é?”

- Norman Mailer.

- Peço desculpa, mas aqui só servimos russos… Pode ser um Dostoiévski, ou olhe… Um Tolstói, tcheckov… Um Pushkin, uma Akhmatova, se gostar… Olhe, olhe, um Gogol! Agora, Mailer, tem de ser naquela esplanada ali, está a ver?... Antes, lá só era permitido Flaubert, mas esse tipo também… Pronto é assim… Aqui, Mailer, não pode ser…

Pois… Isto há gostos para tudo!

 

Nina M.

 

              

 

 

 

 

sábado, 11 de janeiro de 2025

Crónica de Maus Costumes 403

 

               O que seguirá após uma ditadura?

               No final do ano de 2024, o mundo deparou-se com a queda do regime de Bashar al-Assad. Houve celebrações, naturalmente. Quando uma autocracia se desmorona, a alegria invade o povo.

            Bashar al-Assad manteve-se no poder ao longo de 24 anos, mas o poder está concentrado nas mãos da família há mais de cinco décadas. O pai de Assad, Hafez al-Assad, foi governante durante 30 anos, após o golpe de estado que o levou ao poder, em 1971. Morreu em 2000 e o sucessor deveria ser o seu filho mais velho, Basil, mas este tinha morrido num acidente, em 1994. Foi assim que Bashar se tornou o herdeiro do poder na família. Para tapar olhos, foram sendo realizados referendos populares que ratificavam o poder de Assad, porém, também Salazar organizava eleições, que sempre ganhava, apesar da insatisfação reinante, mas que era reprimida pela perseguição política e pelo medo. Também o regime de Assad foi tudo menos democrático e, por isso, durante a Primavera Árabe, em 2011, os dissidentes tentam derrubá-los. O país mergulharia numa guerra civil interminável com os rebeldes a acusarem Assad de usar armas químicas contra o seu próprio povo. A Comunidade Internacional tentou perceber o que se passava. Os Estados Unidos da América eram governados por Obama, que teve de lidar com este dossiê com pinças, após a polémica das supostas armas químicas do Iraque que nunca apareceram. A guerra civil prolongou-se, deixando um manto de destruição e uma Damasco, outrora bela e imponente, em escombros, entulho e sangue. Assad, como qualquer ditador, era exímio em eliminar os seus inimigos. O apoio da Rússia e do irão foi-lhe imprescindível para se perpetuar no poder. De modo que a derrocada de gente assim não deixa pena e ainda fica aquém no que concerne à vontade de saciar a fome de justiça. Também como qualquer ditador, foi descoberta a riqueza, o luxo, a ostentação pornográfica da sua riqueza num país devastado, o que também não surpreende ninguém, porque essa escória é assim que vive. No entanto, pressentindo o perigo, o déspota fugiu célere para junto de quem sempre o amparou. Talvez os rebeldes tenham conseguido tomar Damasco porque quer a Rússia quer o Irão, dada a conjuntura, deixaram de poder prestar-lhe o apoio necessário. Têm as suas próprias contendas. Os telejornais abriam com o derrubar das estátuas, símbolo do culto ao ditador, e criava-se um certo júbilo.

            Não festejei em demasia, porque a primeira coisa que me ocorreu foi interrogar-me sobre quem o sucederia e quais as intenções. O médio-oriente sempre foi e há de continuar a ser um território conturbado. Dou por mim a pensar que aquela gente não é capaz de viver em paz… Não sei… Talvez a vida lhes pareça demasiado monótona e precisem da adrenalina de andarem num jipe, a fazer gincanas pela rua fora, de metralhadora em riste a disparar para o ar. Tudo aquilo nos parece surreal, uma cena improvável de filme…

Assumiu o poder Ahmad al-Charaah, que esteve, no passado, ligado à Al- Qaida, que afirma ter renunciado ao “jihadismo”. O novo Governo sírio tenta tranquilizar a comunidade internacional, assegurando o respeito pelos direitos das minorias, numa Síria multiconfessional e multiétnica. Porém… Creio que não oferecem qualquer segurança. A União Europeia prepara-se para, gradualmente, aliviar as sanções económicas, numa perspetiva de ajudar na recuperação económica e como incentivo à mudança. Convém, no entanto, não esquecer que Charaah dirige o grupo islamita radical Hayat Tahrir al -Sham (HTS). Esperemos que não seja a substituição de um regime ditador por outro de cariz religioso fundamentalista e os sinais estão aí: na ONU, o novo Governo pediu o fim da ingerência de atores externos, referindo-se especificamente a Israel, 131 pessoas foram executadas desde a queda do anterior regime, encontrando-se entre as vítimas mulheres e crianças, o líder sírio recusou apertar a mão à ministra alemã, mas apertou a do seu homólogo francês… Os próprios líderes europeus estarão a jogar na defensiva, porque ninguém sabe muito bem o que esperar dali, apesar das promessas de  boas intenções.

 Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. É uma situação que merece a atenção da comunidade internacional e a qual iremos, certamente, acompanhar ao longo do novo ano.

 

Nina M.

 

 

 

sábado, 4 de janeiro de 2025

Crónica de Maus Costumes 402

 

Quando, sem esperar, nos surpreendem…

               Durante a semana, a propósito desta rubrica semanal e da crónica passada, o Rafael enviou-me uma mensagem calorosa, ternurenta, reconhecendo a influência que eu e outros professores tiveram e continuam a ter na sua jornada.

            O Rafael é um ex-aluno, quase a terminar a sua licenciatura em Engenharia Informática. Sugeria-me que divulgasse um filme espanhol, realizado em parceria com entidades portuguesas, tal como a RTP e Turismo de Portugal, contando também com a participação de atores lusos. O filme provoca a reflexão e alerta sobre os possíveis perigos da Inteligência Artificial (IA). Centra-se o drama no uso de uma ferramenta digital que serve para analisar casos e ditar sentenças que um juiz se limita a assinar, despachando com celeridade processos que, habitualmente, seriam morosos. Não é preciso assistir ao filme para compreender imediatamente as questões de foro ético que se levantam. Ao contrário do que se pensa, nem sempre a justiça cega faz justiça e muito menos garantirá equidade. A IA poderia, por exemplo, gerar informações fictícias ou citar jurisprudências inexistentes, comprometendo a validade das sentenças; não seria fácil apurar a responsabilidade no caso de um erro judicial cometido pela IA. A quem pedir responsabilidade legal e ética numa situação dessas? A IA também não compreende contextos emocionais e humanos, podendo relativizar informações e factos importantes para a tomada de decisões, sabendo-se que há agravantes e atenuantes em relação ao comportamento humano. Haveria, também, o risco de violar a privacidade e a segurança dos envolvidos…

Ainda não vi o filme, mas estas são algumas das questões que me assaltam o espírito, no mais imediato. Será um bom filme para sugerir aos alunos, para uma apresentação oral, por exemplo. Digo-lhes sempre que o tema, livro ou filme que escolhem é meio caminho para a excelência. Não podem trabalhar com algo que seja mero entretenimento, devem procurar algo que suscite a reflexão, que traga para a sala o pensamento, a reflexão e o debate. Com pena minha, a faixa etária dos alunos com que trabalho este ano, não permite complexidades exageradas, mas gosto sempre de lhes elevar um bocadinho a fasquia. Só assim evoluem, mas na escola de onde venho, poderá perfeitamente integrar a lista de filme preparada pelos professores para os alunos do secundário. Não é a trama que mais importa (obviamente têm de mostrar que dominam o assunto), mas as reflexões que lhes suscitaram, os exemplos que foram capazes de dar, as relações e analogias que estabeleceram, enfim, a mastigação do que viram, ouviram ou leram. A isto chama-se promover o espírito crítico.

Ter um aluno que se lembra de propor à ex-professora a visualização de um filme que sabe que pode ser usado em contexto de sala de aula é extraordinário! Dei conta da minha alegria ao Rafael. Eu e os outros seus professores conseguimos cumprir com a nossa função em relação ao aluno. O Rafael é daqueles alunos que não esquecemos: absolutamente simpático, educado, humilde, inteligente e empenhado, participativo, sempre em busca do seu melhor, mas de forma equilibrada, saudável e respeitadora. Em primeira instância, os parabéns são para os pais do aluno, pela boa formação que lhe conseguiram passar e do próprio Rafael que soube acolher os bons princípios. Felizmente, vamos encontrando vários “rafaeis” ao longo da vida profissional. Na turma dele, havia muitos com este perfil, comprometidos com a sua aprendizagem, bons meninos e bons alunos. No entanto, destaco, particularmente, uma característica do Rafael que sempre se fez notar: a sua preocupação com o social e o seu comprometimento com as grandes causas. Cheguei a pensar que ele pudesse enveredar pela advocacia, por exemplo, pelo gosto que ele manifestava em argumentar, em querer aprofundar e compreender os assuntos. Não foi assim, mas continua a revelar esta mesma preocupação e é muito satisfatório poder constatá-lo! É para isso que os educamos, para serem cidadãos atentos, críticos e interventivos! Quando assim é, apenas sentimos que vale a pena o nosso trabalho e invade-nos um misto de alegria e de orgulho pela jovem pessoa que revelam ser. É tão consolador vê-los voar!

Assim, para não falhar ao Rafael e porque os meus alunos ainda são um pouco pequenos para isto, deixo também aqui a sugestão aos colegas que me vão acompanhando: o filme intitula-se “Justiça Artificial” (2024) e ainda o livro que também indicou e que só pelo título creio ser uma leitura importante - “Repensar o Capitalismo para Salvar a Humanidade”, de Rebecca Henderson, da Ideias de Ler (chancela criada pela Porto editora para livros de cariz mais pragmático). E como urge repensar o capitalismo! Não me parece que o segredo esteja no seu abandono, mas é imperativo repensá-lo, porque concentrar a riqueza mundial na mão de meia-dúzia, sem que haja uma redistribuição mais conforme é pornográfico.

Obrigada, Rafael, pelas palavras que me deixaram muito feliz e um bocadinho vaidosa e pelas sugestões! Se passares por Paços de Ferreira, apita. Pago-te um café.

 

Nina M.