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sábado, 25 de maio de 2024

Crónica de Maus Costumes 374

 A insustentável vaidade do ser


    Algumas publicações e comentários feitos nas redes sociais davam para fazer um estudo sociológico interessante. O ser humano transforma-se, com muita naturalidade, num símio. Insulta, treslê, não interpreta, comenta o que não percebe e nem tenta perceber…
    Fico com a sensação que funcionam como escape para as frustrações, onde se destila ódio só porque sim! Têm a mesma função que a bola ao fim de semana. Naquele ambiente, os mais calmos transfiguram-se, alucinam, perdem a razão e transformam-se em seres humanos reles e deploráveis, que não respeitam ninguém e se acham acima de todos.
O meu argumento preferido é: “esta é a minha opinião e tenho direito a ela”. Ora, pois com certeza, num país democrático, todos temos direito à opinião, mas todos temos o dever de a fundamentar, preferencialmente, com factos. Depois, pode-se concordar ou discordar, mas partindo de uma base factual e verdadeira. Outro dos argumentos em voga é a experiência e o que os seus olhos veem, ou seja, perceção individual! Mais uma vez, esta é enganadora, porque a perceção não corresponde aos factos. O pior é quando se confrontam as pessoas com os factos, com os números lançados por entidades oficiais e, mesmo assim, a pessoa encerra-se na sua cegueira, porque se pensa assim, assim deve ser. Hoje, deparei-me com uma discussão em que uma senhora ligava a presença de imigrantes à falta de segurança, no nosso país. Outro internauta tentou provar, com factos, que essa correlação não pode ser feita. Primeiro, porque a insegurança não aumentou e, depois, porque a percentagem de estrangeiros detidos, em 2022 foi de 30%, o que significa que são os portugueses os mais prevaricadores e não os imigrantes, como certos discursos querem fazer crer. Segundo a CNN, “Apesar de a PJ ter feito mais detenções em 2023 - 1.723 no total - apenas 29% dos detidos eram de nacionalidade estrangeira. Já em 2022 - com 1.629 detidos – a percentagem de estrangeiros detidos foi de 30%. E recorde-se que os últimos números oficiais de população estrangeira a residir no país apontam para perto de 800 mil pessoas.”
    Por outro lado, houve outra internauta a lembrar que no Luxemburgo, país onde se encontram muitos emigrantes portugueses, estes são mesmo o segundo grupo a encher as prisões luxemburguesas, precedidos pelos próprios nativos, a avaliar pelos dados revelados pelo próprio Governo. Significa que aqueles que gostam de usar a expressão “gente de bem ou portugueses de bem” devem esquecê-la. O português não é melhor nem pior do que ninguém. É apenas um ser humano como todos os restantes, com qualidades e defeitos, com gente que respeita a lei e outros que a infringem. As cadeias portuguesas estão cheias de portugueses que cometeram crimes e não com gente oriunda de outras partes. Por mais que este discurso fosse lúcido e fundamentado, não convenceu a senhora, que continuava a culpar os imigrantes, quais figuras difusas, pela violência extrema que crê existir no país! Afirmava que fazia voluntariado e que essas pessoas não querem trabalhar, o que pretendem é viver à conta do subsídio. Ora, também está provado que os imigrantes descontam e são uma fonte de rendimento para o país, para além da mão de obra que começa a escassear. Estes imigrantes vêm para cá fazer o que o português já não se predispõe a fazer. O que me deixa siderada é a postura de ignorância atrevida, que mesmo perante provas cabais, opta por, irracionalmente e inexplicavelmente, não querer ver. Ainda me apeteceu dizer a quem a tentava esclarecer para não gastar cera com fraco defunto, mas escolhi o silêncio. Não vale a pena perder tempo com quem se recusa ouvir e saber a verdade. Os dois ou três imigrantes que a desgraçada conhecia e que não seriam boas referências valiam por todos os outros! Os números desdizem a perceção da senhora, mas ela escolhe ignorá-los, mesmo que os esfreguem no nariz!
    Depois, os moralistas e os impolutos abundam! Eu fico como o Álvaro de Campos, no seu poema em linha reta: só conhece heróis! Questionando pelo paradeiro de gente de verdade, dos pusilânimes que confessem não uma fraqueza, mas uma infâmia!
Honestamente, sinto vontade de fugir de gente assim! Num mundo onde todos são tão perfeitos, tão instruídos, tão inteligentes, tão melhores do que os outros, dou por mim a saber que não tenho lugar entre eles, porque a minha consciência assinala as minhas fraquezas e as minhas infâmias, as minhas dificuldades e as minhas incompetências, que são maiores do que as virtudes!
    Também questiono: onde anda a gente de verdade?! Com um mundo tão feio, não pode ser composto só de gente virtuosa! A questão é que quem muito aponta os supostos defeitos alheios, deve interrogar-se por que razão o faz. A teoria do espelho, em psicologia, diz que o que nos incomoda no outro é uma projeção inconsciente da nossa própria personalidade, aquilo que está escondido no mais íntimo de nós, pelo que antes de fazermos juízos de valor apressados e de considerarmos todos os outros pejados de defeitos e de nulidades, devemos fazer uma séria introspeção, no sentido de compreendermos o que nos incomoda tanto e o motivo para tal. A projeção que fazemos no outro faz referência tanto a aspetos negativos próprios, não reconhecidos e que estão a interferir nas nossas vidas, como a aspetos positivos que, por não termos consciência deles, nos impedem o seu desenvolvimento. Vulgarmente, dizemos que ao apontarmos um dedo em direção ao outros, apontamos os restantes a nós mesmos. Valerá a pena estarmos vigilantes para não incorrermos na presunção de sermos melhores, quando somos tão pejados de defeitos quanto todos os outros.
    Se cada um fizesse a sua parte, as redes sociais seriam mais amigáveis, menos violentas e um espaço para troca de ideias, porque são um veículo com potencial para fomentar o diálogo inteligente e saudável. Evoluímos e aprendemos com quem pensa diferente, não com quem diz o que esperamos ouvir…

Nina M.

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