Seguidores

sábado, 20 de abril de 2024

Crónica de Maus Costumes 370

 

Recordar é viver

               Ao ouvir os meus filhos falar dos avós, vou sorrindo…

Acham o avô cómico quando se gaba da carta que um dos netos (um dos primos) lhe escreveu pelo seu aniversário, onde afiançava que o avô era um homem de trabalho e de valor, porque passou o tempo da Segunda Guerra Mundial e duros sacrifícios. A avó discorda de imediato e repreende o marido, que tem a mania, mas que não faz nada e é ela quem faz tudo, incluindo o almoço para ele. Evidentemente, o avô responde com a tarefa que fazia no momento, porque andavam a arrumar lenha, mas deve-se ter esquecido que a esposa também lá andava. A verdade é que é a avó que trata das tarefas domésticas e o netos sabem-no bem e riem-se como perdidos dos chistes entre os dois! Disso e dos reparos do avô sobre o que a mãe deles deve ou não fazer! Como se não constituísse uma delícia para os filhos verem os seus pais repreendidos pelos seus próprios pais, independentemente, da idade que possam ter… Termina a Matilde com um “o avô é muito engraçado”! Faltou a prima para acrescentar que o avô, no outro dia, a vira com uma camisola larga e, muito sério a olhar para o braço, achou que a miúda ocupava a manga toda e há que recomendar uma dieta, porque ela estava com uns braços muitos gordos! Obviamente, não precisa de dieta nenhuma, a vegetariana da família, porque é uma menina elegante e bonita! Riem-se muito destas coisas! E eu lá lhes explico que o avô, aos 86 anos, já não percebe nada de modas…

Vê-los a conversar alegremente, faz-me recuar a mim no tempo e lembrar-me do maio quentíssimo em que a minha avó Matilde me fez ir para a escola, ainda por cima de tarde, com uma camisola de malhinha fina, mas de gola alta, debaixo de um sol e de um calor abrasador!

“Sonita, não tens calor?!” – Perguntaram. Foi a avó que me disse que estava frio e que tinha de me agasalhar, para vestir esta camisola… Ou então, a lembrar-me do ditado que a minha avó me dizia, quando cismava que a queria ensinar a ler. A minha avó só tinha ido meia-dúzia de meses à escola. Sabia escrever o seu nome: Matilde e copiar letras, mas não sabia ler. Lembro-me de me questionar por que razão, sendo a minha mãe professora primária (era essa a designação), nunca ensinara a mãe a ler! A determinada altura, queria fazê-lo eu! A minha avó não foi na conversa e respondia-me sempre que “burro velho não toma andadura, filha…” mas fazia-me as perguntas para saber responder ao senhor padre e poder fazer a primeira comunhão. Fi-la com seis anos. Quando me perguntaram se queria nesse ano ou no seguinte, quis logo nesse. Na verdade, tenho a memória de querer saber o sabor da hóstia. Eu queria prová-la e só havia uma forma de o poder fazer, de modo que quando me puseram a questão, decidi que seria breve. Depois, andei uns tempos angustiada, porque os miúdos que iam “provar a hóstia” insistiam que não se podia mastigar e eu aflita a pensar que se aquilo me ficasse agarrado à garganta poderia abafar ou algo do género… Não sei a quem confessei o meu medo… Talvez a minha mãe me tenha dito que Jesus se desfazia com a saliva, para não me preocupar. Fiquei mais tranquila. Vieram os ensaios, no Pinheiro Manso, no Porto, por motivos de agravo entre os meus pais e o  padre da paróquia, na altura. Chique! Comunguei, pela primeira vez, no Porto. Um ambiente estranho onde não conhecia ninguém. Certamente, todas as crianças me foram apresentadas, mas eu não me lembro nem agora e também não me lembrava na altura, porque distraída nos pensamentos, não ouvira nada do que fora dito. Felizmente, há meninos muito atentos e, no dia, uma menina muito solícita, vestida de branco, tal como eu, veio chamar-me (até sabia o meu nome! Mistério para mim! Eu não sabia o dela…). Há que Deus que eu era o seu par… Certo. Se era para ir, siga! Lá entrámos na igreja, de vela em punho (a que tinha sido já do meu batismo, em filinha de dois a dois… Só me lembro de fazer playback nos ensaios, porque se ainda hoje canto mal, na altura não era diferente e sempre tive sentido do ridículo. De modo que decidi não espantar ninguém, mas para que não me aborrecessem com a cantoria nem estragar a melodia aos outros, fazia playback. Uma miúda denunciou-me e disse para a colega, espantada: “Olha, ela não canta! Está a fazer playback!” Pensei de imediato que ela haveria de ter muito a ver com isso! Homessa! Já uma pessoa não se pode poupar ao ridículo! E continuei na minha santa atuação… Tive como prenda o famoso relógio de pulso, o primeiro, oferta do meu padrinho e um boneco que imitava um bebé, oferta da madrinha e que levava para todo o lado, porém, quando me cansava, a mãe lá o carregava e chegou a enganar várias pessoas, porque ao longe parecia uma criança de verdade. A minha tia deu-se ao trabalho de lhe fazer roupa e carapins e tinha uma alcofa e tudo. Para o meu pai era o martelão! “Lá vai ela com o martelão”, dizia-me invariavelmente…

Isto e do avó Chico do Marco (o meu pai é natural do Marco de Canaveses), com o seu mata-ratos no canto dos lábios amarelados, já calejados do cigarro que se me afigurava interminável e que se alimentava, à noite, com duas petingas fritas e uma chávena de chá com bolacha maria. Ria-se, de olhos pisqueiros, quando dava aos netos o copo de vinho tinto para molhar os lábios e depois de perguntar: Então? E a resposta: é bom! Não me lembro que o avô Chico falasse… Acho que não o ouvi falar, só a rir de boca torcida para não deixar cair o seu Kentucky ou Definitivo, enquanto relembrava com os filhos histórias passadas ou melhor, as partidas que pregava à vizinhança, por ser pândego e malandro.

Talvez um dia, seja o Rodrigo ou a Matilde a eternizarem as memórias dos avós. Por enquanto, divertem-se com eles e aproveitam-lhes a companhia e os muitos mimos e vontades que lhes fazem!

 

Nina M.

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário