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domingo, 21 de abril de 2024

Cacilda


 - Ai, ai, ai, quem me acuda! Ai que não me aguento nesta agonia!
A lamúria alastrava noite dentro, aldeia fora... Ninguém ligava. Subitamente a aldeia quedava-se no silêncio interrompido pelo balir da Cacilda. Nos primórdios, uma alma ou outra ainda se inquietava e forçava-se a levantar, quantas vezes, no frio do inverno, a cismar na gritaria. De candeia na mão, o benemérito seguia os gritos, lajedo afora, com pressa de valer à alma em sofrimento. Chegada lá, via a Cacilda contorcida, um esgar de lábios e os olhos arrelampados, surpreendidos pela visita. O garrafão vazio, aos pés da cama, raiado a vermelho tinto, denunciava-lhe o vício... Maldita mulher! Mata-se com o tintol e só lhe dá para o berreiro à noite! 
-Olha, Cacilda, se bebesses merda! Rais foda a mulher, que aflige meio mundo para isto...
A alma penada morava sozinha, ausente de homem emigrado, a carpir as mágoas com o vinho... Se a intenção era esquecer, pr'ó diacho com a pinga, que lhe renovava as recordações e a fazia pôr o lugarejo em sobressalto. Aconteceu uma e outra e ainda outra vez até que a lamúria caiu no esquecimento e já não punha ninguém em cuidados.
-Escuta! Escuta! Que é isto?
-Ora, mulher! Que raio há de ser? É a Cacilda e a sua loucura. Deixa pra lá isso e dorme...

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