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sábado, 14 de outubro de 2023

Crónica de Maus Costumes 342

 

Sentir pena dos culpados é trair os inocentes (Ayn Rand)

            O meu olhar deteve-se nesta frase que surgiu no mural do meu Facebook e fez-me pensar sobre ela. Pensar sobre algo que é dito fora do seu contexto pode ser perigoso, porque corre-se o risco de o seu sentido original poder ser subvertido. Ainda assim, a frase é forte para que se passe sobre ela sem refletir.

            Primeiro, quis saber a quem pertencia a autoria e, depois, chegar um pouco mais à pessoa. Ayn Rand foi uma escritora e filósofa norte-americana de origem judaico-russa, conhecida pelo sistema filosófico designado de Objetivismo e pelos seus romances. Nasceu em 1905, em S. Petersburgo e morreu em 1982, em Nova Iorque. Opunha-se ao coletivismo, ao estatismo e ao anarquismo, defendendo os direitos individuais, incluindo os direitos de propriedade, constituindo uma influência para os liberais e conservadores americanos.

            A frase é dura e eu não concordo com ela. Sentir pena dos culpados (partindo do pressuposto de que o são efetivamente) é sinal de que ainda resta humanidade em nós. Sentir compaixão pelo culpado pode significar que se lamenta o facto de ele não dispor de ferramentas internas que o impeçam de agir mal. Essa pena é o que permite que haja lucidez para não se agir com o culpado usando da mesma vileza, garantindo a nossa integridade. É o que evita o “olho por olho e dente por dente” e a escalada da violência. Não se responde a um ato bárbaro com réplica igual.

            Não pude deixar de pensar no conflito israelo-palestiniano, onde só há lideranças culpadas e cidadãos inocentes, em ambos os lados. Desta forma, a argumentação que vou lendo nas opiniões polarizadas relativamente ao conflito não é sustentável e só o amplia. Retroceder historicamente e dizer-se que quando o Estado de Israel foi criado, já existia a Palestina com palestinianos ou que já no tempo de Jesus aquele lugar era designado de Palestina pode ser verdadeiro, mas não resolve nada, porque mesmo nessa altura, independentemente do nome, conviviam muçulmanos, judeus e até cristãos, portanto, a Palestina será terra de todos sem que uns se queiram impor aos outros. Então, quando se alega que se é para retroceder historicamente, também Portugal seria território de muçulmanos, acusando os outros de desconhecimento histórico, eu não posso deixar de me interrogar se essas pessoas saberão que antes dos muçulmanos estiveram os celtas, os iberos, os romanos, os suevos e visigodos, tudo antes da invasão muçulmana, em 711. Depois dela, deu-se o movimento da reconquista cristã, expulsando-os da Península. Portanto, dizer que Portugal seria dos muçulmanos é exercício de retórica. O mesmo que é aplicado à Palestina, quando uns alegam que originalmente a terra era dos judeus, fundamentando com passagens bíblicas do Antigo Testamento, mas esquecendo que não foi Deus que ditou o texto. Toda a Bíblia foi escrita por homens e comporta quer a interpretação destes quer os seus interesses. Ler a Bíblia literalmente é o mesmo que ler literalmente poesia. É apenas estúpido. A discussão sobre a antiguidade e pertença destes territórios em concreto parece a discussão sobre quem nasce primeiro, se o ovo se a galinha. Evidentemente, se a discussão se centrar na história mais recente, desde a fundação do Estado de Israel, poderá fazer mais sentido. É verdade que Israel foi alargando as suas fronteiras a cada guerra travada e não o deveria ter feito nem a comunidade internacional o deveria ter aceitado. Também é verdade que os países árabes, em abono da verdade, nunca estiveram dispostos a aceitar Israel e o objetivo de alguns é a extinção deste Estado. Não há inocentes no processo. Há dois povos sofridos que não se entendem. Uns que viram o seu território diminuído e outros que viveram séculos escorraçados e massacrados, de forma apátrida. Interrogo-me se haveria esta questão se a Europa não tivesse feito o que fez aos judeus… Reis e Governos incompetentes que não souberam manter quem lhes trazia riqueza. Portugal está em dívida pelo massacre dos judeus, em 1506, no reinado de D. Manuel. Este teve, pelo menos, a clarividência de pôr fim ao motim com as tropas reais e de castigar os culpados. No entanto, as mais de 4000 vidas não foram recuperadas. No resto da Europa, por essa altura, o cenário terá sido pior e sem falar do progrom, no século XX! A tentativa de remediar a situação após a Segunda Guerra Mundial, arranjando uma pátria onde este povo, finalmente, pudesse ter descanso, terra também associada às suas origens, não correu bem. Uns sentiram-se invadidos e os outros acossados.

Apesar da situação difícil para todos, não é legítimo aceitar ações terroristas bárbaras, atrocidades animalescas, em que bebés e crianças são decapitadas. Isto não é de gente. Demasiado demoníaco. Ações destas que são realizadas sob o slogan de querer libertar a Palestina não podem ser levadas a sério. Ações destas tornam os palestinianos reféns e carne para canhão. O Hamas conseguiu o que pretendia: impeliu Israel a agir. Depois de um ataque a civis, a jovens que se divertiam num festival, iria haver reação, naturalmente. Não serve o argumento de que os israelitas também causaram muitos danos ao povo palestiano, ainda que seja verdade, mas nunca desta forma tão desavergonhada e cruel de querer apenas gerar caos e usar os próprios cidadãos como escudo humano. É o que fazem esses cobardes sem escrúpulos. Sujeitam os próprios irmãos à carnificina, porque se misturam e se escondem no meio deles, forçando uma intervenção cega e catastrófica no que à perda de vidas diz respeito. O Hamas não quer libertar a Palestina, quer antes exterminar Israel. No entanto, o Hamas não é o povo palestiniano nem o seu legítimo representante. Para haver paz duradora, seria necessário a total destruição das células terroristas e a sua não aceitação pelo próprio povo e o reconhecimento de dois Estados equitativos: o palestiniano e o israelita. Cada um com a sua cultura, tradições e respeito mútuo. Há, porém, Estados vizinhos que preferem ver toda a região em polvorosa, por não saberem viver em paz.

Chegar ao século XXI e ver que o Homem não aprendeu nada ao longo da História é desconcertante, desolador e gerador de angústia. Todos caberão, mais cedo ou mais tarde num buraco de dois metros e quarenta de comprimento por um de largura. Haverá necessidade de tornar a sua existência e a dos outros deplorável?

 

Nina M.

 

 

           

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