Sentir pena dos culpados é trair os inocentes (Ayn Rand)
O meu olhar
deteve-se nesta frase que surgiu no mural do meu Facebook e fez-me pensar sobre
ela. Pensar sobre algo que é dito fora do seu contexto pode ser perigoso,
porque corre-se o risco de o seu sentido original poder ser subvertido. Ainda
assim, a frase é forte para que se passe sobre ela sem refletir.
Primeiro, quis
saber a quem pertencia a autoria e, depois, chegar um pouco mais à pessoa. Ayn
Rand foi uma escritora e filósofa norte-americana de origem judaico-russa,
conhecida pelo sistema filosófico designado de Objetivismo e pelos seus
romances. Nasceu em 1905, em S. Petersburgo e morreu em 1982, em Nova Iorque.
Opunha-se ao coletivismo, ao estatismo e ao anarquismo, defendendo os direitos
individuais, incluindo os direitos de propriedade, constituindo uma influência
para os liberais e conservadores americanos.
A frase é
dura e eu não concordo com ela. Sentir pena dos culpados (partindo do pressuposto
de que o são efetivamente) é sinal de que ainda resta humanidade em nós. Sentir
compaixão pelo culpado pode significar que se lamenta o facto de ele não dispor
de ferramentas internas que o impeçam de agir mal. Essa pena é o que permite
que haja lucidez para não se agir com o culpado usando da mesma vileza, garantindo
a nossa integridade. É o que evita o “olho por olho e dente por dente” e a
escalada da violência. Não se responde a um ato bárbaro com réplica igual.
Não pude
deixar de pensar no conflito israelo-palestiniano, onde só há lideranças culpadas
e cidadãos inocentes, em ambos os lados. Desta forma, a argumentação que vou
lendo nas opiniões polarizadas relativamente ao conflito não é sustentável e só
o amplia. Retroceder historicamente e dizer-se que quando o Estado de Israel
foi criado, já existia a Palestina com palestinianos ou que já no tempo de
Jesus aquele lugar era designado de Palestina pode ser verdadeiro, mas não
resolve nada, porque mesmo nessa altura, independentemente do nome, conviviam muçulmanos,
judeus e até cristãos, portanto, a Palestina será terra de todos sem que uns se
queiram impor aos outros. Então, quando se alega que se é para retroceder
historicamente, também Portugal seria território de muçulmanos, acusando os
outros de desconhecimento histórico, eu não posso deixar de me interrogar se
essas pessoas saberão que antes dos muçulmanos estiveram os celtas, os iberos,
os romanos, os suevos e visigodos, tudo antes da invasão muçulmana, em 711.
Depois dela, deu-se o movimento da reconquista cristã, expulsando-os da
Península. Portanto, dizer que Portugal seria dos muçulmanos é exercício de
retórica. O mesmo que é aplicado à Palestina, quando uns alegam que
originalmente a terra era dos judeus, fundamentando com passagens bíblicas do
Antigo Testamento, mas esquecendo que não foi Deus que ditou o texto. Toda a
Bíblia foi escrita por homens e comporta quer a interpretação destes quer os
seus interesses. Ler a Bíblia literalmente é o mesmo que ler literalmente
poesia. É apenas estúpido. A discussão sobre a antiguidade e pertença destes
territórios em concreto parece a discussão sobre quem nasce primeiro, se o ovo
se a galinha. Evidentemente, se a discussão se centrar na história mais
recente, desde a fundação do Estado de Israel, poderá fazer mais sentido. É
verdade que Israel foi alargando as suas fronteiras a cada guerra travada e não
o deveria ter feito nem a comunidade internacional o deveria ter aceitado.
Também é verdade que os países árabes, em abono da verdade, nunca estiveram
dispostos a aceitar Israel e o objetivo de alguns é a extinção deste Estado.
Não há inocentes no processo. Há dois povos sofridos que não se entendem. Uns
que viram o seu território diminuído e outros que viveram séculos escorraçados
e massacrados, de forma apátrida. Interrogo-me se haveria esta questão se a
Europa não tivesse feito o que fez aos judeus… Reis e Governos incompetentes
que não souberam manter quem lhes trazia riqueza. Portugal está em dívida pelo
massacre dos judeus, em 1506, no reinado de D. Manuel. Este teve, pelo menos, a
clarividência de pôr fim ao motim com as tropas reais e de castigar os culpados.
No entanto, as mais de 4000 vidas não foram recuperadas. No resto da Europa, por
essa altura, o cenário terá sido pior e sem falar do progrom, no século XX! A
tentativa de remediar a situação após a Segunda Guerra Mundial, arranjando uma
pátria onde este povo, finalmente, pudesse ter descanso, terra também associada
às suas origens, não correu bem. Uns sentiram-se invadidos e os outros acossados.
Apesar da situação difícil para
todos, não é legítimo aceitar ações terroristas bárbaras, atrocidades
animalescas, em que bebés e crianças são decapitadas. Isto não é de gente.
Demasiado demoníaco. Ações destas que são realizadas sob o slogan de querer
libertar a Palestina não podem ser levadas a sério. Ações destas tornam os
palestinianos reféns e carne para canhão. O Hamas conseguiu o que pretendia:
impeliu Israel a agir. Depois de um ataque a civis, a jovens que se divertiam
num festival, iria haver reação, naturalmente. Não serve o argumento de que os
israelitas também causaram muitos danos ao povo palestiano, ainda que seja
verdade, mas nunca desta forma tão desavergonhada e cruel de querer apenas
gerar caos e usar os próprios cidadãos como escudo humano. É o que fazem esses
cobardes sem escrúpulos. Sujeitam os próprios irmãos à carnificina, porque se
misturam e se escondem no meio deles, forçando uma intervenção cega e
catastrófica no que à perda de vidas diz respeito. O Hamas não quer libertar a Palestina,
quer antes exterminar Israel. No entanto, o Hamas não é o povo palestiniano nem
o seu legítimo representante. Para haver paz duradora, seria necessário a total
destruição das células terroristas e a sua não aceitação pelo próprio povo e o
reconhecimento de dois Estados equitativos: o palestiniano e o israelita. Cada um
com a sua cultura, tradições e respeito mútuo. Há, porém, Estados vizinhos que
preferem ver toda a região em polvorosa, por não saberem viver em paz.
Chegar ao século XXI e ver que o
Homem não aprendeu nada ao longo da História é desconcertante, desolador e
gerador de angústia. Todos caberão, mais cedo ou mais tarde num buraco de dois
metros e quarenta de comprimento por um de largura. Haverá necessidade de
tornar a sua existência e a dos outros deplorável?
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário