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sábado, 30 de setembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 341

 Imbecilidades a esmo

              

               Os tempos estranhos que vivemos proporcionam imbecilidades a esmo, sem hipótese de controlo. Embirro com censores puritanos, metidos a moralistas e que tentam coartar a liberdade artística e individual. Esforçaram-se corajosamente os nossos antepassados para alguns, atualmente, se lembrarem de puxar do rançoso lápis azul e se porem traçar o que, na opinião deles, pode ou não ser publicável ou exposto.

            Há duas ou três semanas, fiquei perplexa com o designado grupo dos trinte e sete, que subscreveram a petição para a remoção da estátua de Camilo, no Largo Amor de Perdição, por estar abraçado a uma mulher nua e que, na interpretação dos doutos subscritores, não honraria a memória de Ana Plácido, o amor da vida do escritor. Espantou-me, de imediato, que Rui Moreira, o presidente da autarquia, tivesse dado ouvidos a semelhante dislate. Com certeza, estaria num dia mau. Cedo se viu na contingência de mudar de ideias, porque segundo constaria das atas e como parecia óbvio, a estátua foi lá colocada com autorização do executivo em funções, naquela altura, em 2012. O autor da obra veio a terreiro explicar que a mulher representa todas as figuras femininas da obra camiliana e não a esposa, como se alegava. Entretanto, a escultura era apelidada pelo presidente da Câmara como “feia e de “mau gosto”. Já os signatários entendiam que Camilo aparecia abraçado a “um exemplar mais ou menos pornográfico”, tratando-se de uma “humilhação da mulher desnuda perante o homem vestido” e uma “menorização” de Ana Plácido. Provados os factos, isto é, de que a autarquia tinha aceitado a doação, Rui Moreira não pode decidir por si só a sua remoção. Entretanto, seis mil signatários (números da altura) já se tinham organizado para uma petição a favor da manutenção da obra.

            Evidentemente, todos temos a liberdade de gostar ou não gostar da escultura, mas considerar a obra pornográfica só me dá vontade de rir! Não terão nunca os signatários da referida petição visto uma mulher nua? Desconhecerão eles grandes obras preservadas nos melhores museus do mundo, em que o corpo humano aparece enaltecido, através de uma beleza rara? Em que é que o nu artístico pode ser ofensivo? Concordarei que não é obra que me encante particularmente, mas também não me ofende. Compreenderia mais rapidamente se alegassem apenas a falta de estética da obra, argumento que pode ser discutido, mas repudio a fundamentação puritana da sua condição pornográfica. Este comportamento está ao nível dos pais americanos que se queixaram do professor que mostrou a estátua do David aos seus alunos! Um mundo onde o sexo e a pornografia vendem mais do que nunca, onde é possível encontrar, com apenas um clique, vídeos eróticos e pornográficos, feitos com gente de carne e osso, virem alegar o despudor do calhau negro esculpido é de uma imbecilidade inenarrável!

            Pouco tempo depois, esta semana, nova polémica causada pelo lançamento de um livro infantil, onde são apresentados os vários tipos de família que fogem aos padrões tradicionais. Ora vamos lá ver se nos entendemos… O livro ainda é mais fácil de resolver do que a estátua, porque quem não gosta, não compra. Assunto encerrado. Ah e tal, mas nas escolas podem lê-lo às nossas criancinhas e desvirtuá-las!... Senhor, dai-me paciência, será caso para dizer, porque em Teu nome continuam a perpetrar-se os maiores atropelos e a maior discriminação, quando a Palavra fala no acolhimento de todos!

Não adianta tapar o sol com a peneira. Se houve aspeto positivo que a democracia trouxe foi a liberdade individual, desde que ela não atropele a liberdade dos outros. Atualmente, existem, sim, famílias monoparentais, famílias com dois pais ou duas mães. Essas pessoas têm o direito de serem respeitadas e os outros o dever de as respeitarem. Têm, fundamentalmente, o pleno direito de serem quem são e que só a elas diz respeito. Seres inteligentes compreendem que o fundamental numa família é o amor e o cuidado, independentemente de ela ser tradicional ou não. Aliás, as famílias tradicionais não são garantia de coisa nenhuma. Não faltam crianças abusadas, maltratadas e negligenciadas por famílias com pai e mãe. Portanto, não só não compreendo a sandice como a considero um absurdo. Depois, quem colocar o intelecto em funcionamento perceberá que aquelas que devem ser protegidas em primeira instância são as crianças e que haver histórias com as quais elas se possam identificar e compreender a sua realidade, sem receio da diferença, ensinando a todos a tolerância e a aceitação, porque o fundamental é o amor familiar, é muito positivo. É função da escola semear a tolerância e a aceitação do outro, ensinar a não discriminar.

Para ser mais clara ainda, a orientação sexual de cada um só a ele diz respeito e não é uma escolha que se faz. Ninguém escolhe ser heterossexual ou homossexual. Apenas se é e com todo o direito a ser quem se é. O facto de um casal homossexual poder criar uma criança não fará dela, obrigatoriamente, homossexual. Ela será como a sua natureza a presentear. Não sei o que há de difícil para compreender! Gostaria que a horda de imbecis que invadiram o lançamento do livro fossem capazes de compreender o tamanho da estupidez! Se a forma de vida do outro não interfere com a sua, apreciando ou não (tem esse direito também), só tem de respeitar e nada mais.

            Por último, o suposto grupo de ativistas preocupados com o planeta não passa de meia-dúzia de arruaceiros que desconhecem os seus deveres. Também invadiram um evento e mostraram uma falta de respeito inacreditável para com um representante do Governo português. Não é admissível e a sociedade portuguesa deveria deixar claro que não compactua com estas libertinagens. Todos temos o direito à indignação e à manifestação, mas em caso algum se pode recorrer à violência ou à humilhação do outro, neste caso, com a agravante de se tratar de um representante do Estado, goste-se ou não das suas políticas e eu não sou particular fã deste executivo. Não vale tudo em democracia e para que não se acabe, é preciso zelar por ela. Portanto, ao contrário do que foi noticiado, não foi um grupo de ativistas que quis erguer a sua voz, porque estes são pacíficos, foi um grupo de imbecis mal-educados, que ao serviço de uma agenda política, quiseram ter os seus cinco minutos de fama.

            O mundo anda desconcertado! Razão, tinha o Camões.

 

Nina M.

           

 

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