Imbecilidades a esmo
Os tempos estranhos que vivemos
proporcionam imbecilidades a esmo, sem hipótese de controlo. Embirro com
censores puritanos, metidos a moralistas e que tentam coartar a liberdade
artística e individual. Esforçaram-se corajosamente os nossos antepassados para
alguns, atualmente, se lembrarem de puxar do rançoso lápis azul e se porem
traçar o que, na opinião deles, pode ou não ser publicável ou exposto.
Há duas ou
três semanas, fiquei perplexa com o designado grupo dos trinte e sete, que
subscreveram a petição para a remoção da estátua de Camilo, no Largo Amor de Perdição,
por estar abraçado a uma mulher nua e que, na interpretação dos doutos subscritores,
não honraria a memória de Ana Plácido, o amor da vida do escritor. Espantou-me,
de imediato, que Rui Moreira, o presidente da autarquia, tivesse dado ouvidos a
semelhante dislate. Com certeza, estaria num dia mau. Cedo se viu na
contingência de mudar de ideias, porque segundo constaria das atas e como
parecia óbvio, a estátua foi lá colocada com autorização do executivo em
funções, naquela altura, em 2012. O autor da obra veio a terreiro explicar que
a mulher representa todas as figuras femininas da obra camiliana e não a
esposa, como se alegava. Entretanto, a escultura era apelidada pelo presidente
da Câmara como “feia e de “mau gosto”. Já os signatários entendiam que Camilo
aparecia abraçado a “um exemplar mais ou menos pornográfico”, tratando-se de
uma “humilhação da mulher desnuda perante o homem vestido” e uma “menorização”
de Ana Plácido. Provados os factos, isto é, de que a autarquia tinha aceitado a
doação, Rui Moreira não pode decidir por si só a sua remoção. Entretanto, seis
mil signatários (números da altura) já se tinham organizado para uma petição a
favor da manutenção da obra.
Evidentemente,
todos temos a liberdade de gostar ou não gostar da escultura, mas considerar a
obra pornográfica só me dá vontade de rir! Não terão nunca os signatários da referida
petição visto uma mulher nua? Desconhecerão eles grandes obras preservadas nos
melhores museus do mundo, em que o corpo humano aparece enaltecido, através de
uma beleza rara? Em que é que o nu artístico pode ser ofensivo? Concordarei que
não é obra que me encante particularmente, mas também não me ofende. Compreenderia
mais rapidamente se alegassem apenas a falta de estética da obra, argumento que
pode ser discutido, mas repudio a fundamentação puritana da sua condição pornográfica.
Este comportamento está ao nível dos pais americanos que se queixaram do
professor que mostrou a estátua do David aos seus alunos! Um mundo onde o sexo e
a pornografia vendem mais do que nunca, onde é possível encontrar, com apenas
um clique, vídeos eróticos e pornográficos, feitos com gente de carne e osso,
virem alegar o despudor do calhau negro esculpido é de uma imbecilidade
inenarrável!
Pouco tempo
depois, esta semana, nova polémica causada pelo lançamento de um livro infantil,
onde são apresentados os vários tipos de família que fogem aos padrões
tradicionais. Ora vamos lá ver se nos entendemos… O livro ainda é mais fácil de
resolver do que a estátua, porque quem não gosta, não compra. Assunto
encerrado. Ah e tal, mas nas escolas podem lê-lo às nossas criancinhas e
desvirtuá-las!... Senhor, dai-me paciência, será caso para dizer, porque em Teu
nome continuam a perpetrar-se os maiores atropelos e a maior discriminação,
quando a Palavra fala no acolhimento de todos!
Não adianta tapar o sol com a peneira. Se houve aspeto
positivo que a democracia trouxe foi a liberdade individual, desde que ela não
atropele a liberdade dos outros. Atualmente, existem, sim, famílias
monoparentais, famílias com dois pais ou duas mães. Essas pessoas têm o direito
de serem respeitadas e os outros o dever de as respeitarem. Têm,
fundamentalmente, o pleno direito de serem quem são e que só a elas diz
respeito. Seres inteligentes compreendem que o fundamental numa família é o
amor e o cuidado, independentemente de ela ser tradicional ou não. Aliás, as
famílias tradicionais não são garantia de coisa nenhuma. Não faltam crianças
abusadas, maltratadas e negligenciadas por famílias com pai e mãe. Portanto,
não só não compreendo a sandice como a considero um absurdo. Depois, quem
colocar o intelecto em funcionamento perceberá que aquelas que devem ser
protegidas em primeira instância são as crianças e que haver histórias com as
quais elas se possam identificar e compreender a sua realidade, sem receio da
diferença, ensinando a todos a tolerância e a aceitação, porque o fundamental é
o amor familiar, é muito positivo. É função da escola semear a tolerância e a
aceitação do outro, ensinar a não discriminar.
Para ser mais clara ainda, a orientação sexual de cada um só
a ele diz respeito e não é uma escolha que se faz. Ninguém escolhe ser heterossexual
ou homossexual. Apenas se é e com todo o direito a ser quem se é. O facto de um
casal homossexual poder criar uma criança não fará dela, obrigatoriamente, homossexual.
Ela será como a sua natureza a presentear. Não sei o que há de difícil para
compreender! Gostaria que a horda de imbecis que invadiram o lançamento do
livro fossem capazes de compreender o tamanho da estupidez! Se a forma de vida
do outro não interfere com a sua, apreciando ou não (tem esse direito também),
só tem de respeitar e nada mais.
Por último, o
suposto grupo de ativistas preocupados com o planeta não passa de meia-dúzia de
arruaceiros que desconhecem os seus deveres. Também invadiram um evento e
mostraram uma falta de respeito inacreditável para com um representante do
Governo português. Não é admissível e a sociedade portuguesa deveria deixar
claro que não compactua com estas libertinagens. Todos temos o direito à
indignação e à manifestação, mas em caso algum se pode recorrer à violência ou
à humilhação do outro, neste caso, com a agravante de se tratar de um
representante do Estado, goste-se ou não das suas políticas e eu não sou
particular fã deste executivo. Não vale tudo em democracia e para que não se
acabe, é preciso zelar por ela. Portanto, ao contrário do que foi noticiado,
não foi um grupo de ativistas que quis erguer a sua voz, porque estes são
pacíficos, foi um grupo de imbecis mal-educados, que ao serviço de uma agenda
política, quiseram ter os seus cinco minutos de fama.
O mundo anda
desconcertado! Razão, tinha o Camões.
Nina M.
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