Divagações
Não há vidas perfeitas. Aliás, a
perfeição é uma utopia que existe apenas para nos obrigar a procurar a melhor
versão de nós mesmos, a partir das escolhas que vamos fazendo e que são de
nossa responsabilidade. Muitas vezes, escolhemos mal, outras, escolhemos não
escolher, apesar de intuirmos o caminho, por diferentes razões, porque por
exemplo, o desconhecido assusta e é mais seguro prendermo-nos ao que já conhecemos.
No entanto, todos faremos o que nos é possível e o melhor que sabemos ou
podemos mediante as circunstâncias em que vivemos. Não há, portanto, qualquer
razão para a falta de empatia e julgamentos sumários inadvertidos em relação
aos outros e às suas escolhas.
Creio que a maioria de nós, numa
análise séria, sente-se ficar aquém do que gostaria, porque talvez ninguém se
realize plenamente em todas as suas dimensões. Como disse Eça (cito livremente),
a vida vivida é sempre diferente da vida sonhada, por isso se rotulou um
vencido da vida. Seremos todos um pouco vencidos da vida e o grau da derrota é tão
mais elevado quanto menor for a realização na área que mais valorizamos. A
angústia agrava-se se tivermos consciência de que há sempre uma escolha e que
uma quota parte da responsabilidade pelo fracasso é nossa.
Assim, a minha vida é confortável,
devo reconhecê-lo, mas longe da perfeição, porque eu sou falha. Desde logo, sou
falha na escrita. Dizia-me uma pessoa que descobriu as minhas linhas que
deveria dedicar-me só à escrita para poder produzir mais - e talvez melhor -
acrescento. Respondi que morreria de fome. Se existisse só eu talvez me devesse
essa tentativa, mas a responsabilidade materna não me permite tal aventura.
Terei de assumir a escolha, naturalmente. Não há vidas perfeitas. Ninguém tem
tudo o que pretende ou o que sonha e escolher implica optar por um caminho da
encruzilhada, deixando de percorrer os outros, pelo menos plenamente, deixando
cair as outras possibilidades. Pode ser angustiante por não sermos capazes de
saber o que teria sido a vida se tivéssemos optado por outro percurso, no caso
de concluirmos que fizemos a opção errada. Sempre se pode mudar, estarão a
pensar. É verdade. Sempre se pode mudar e, nesse caso, cá vem a escolha mais
uma vez.
A vida é feita deste círculo vicioso
imenso e difícil, mas também quem pensa que veio a este mundo para
obrigatoriamente ser feliz, como se à nascença fosse decretado o direito à
felicidade, engana-se. Quando muito pode-se nascer com o dever de procurar a
felicidade, seja ela o que for. Julgo que andará ligada ao sentido que
conferimos à nossa existência ou, por outras palavras, ao enchimento que damos à
nossa essência, mas é um palpite, porque é um conceito demasiadamente complexo
e facilmente confundível com alegria, prazer e bem-estar, que são correlatos
dela, mas diferentes. Uma vida feliz não tem de ser necessariamente alegre ou prazerosa
a todo o instante e ser feliz também não exclui a dor e sabe acolher os
momentos de tristeza. Está-se alegre e é-se feliz. A alegria é uma emoção
passageira, tal como o prazer, mas a sensação de vida feliz será mais
duradoura.
Certo é que não há almoços grátis nem
vidas feitas. Cada um tem de fazer a sua o melhor que puder e souber, se
possível, com boas escolhas que conduzam a uma vida boa, conscientes de que não
há garantias nem seguros de viagem.
A consciência da finitude talvez
possa ajudar o ser a trilhar o caminho que lhe é próprio e mais natural. Será por
isso que, frequentemente, muitas pessoas que tiveram a experiência de quase
morte mudam radicalmente a sua vida, porque compreendem e sentem visceralmente
não poderem perder tempo.
Desta forma, invejar a vida alheia e
estabelecer comparações da sua vida com outras é apenas estúpido e infantil,
porque mesmo aquelas que nos parecem fáceis e cheias de magia terão as suas
angústias. Não deixa de ser verdade que umas serão mais fáceis do que outras,
mas devemos preocupar-nos exclusivamente com a nossa e fazermos com ela o
melhor que conseguirmos.
Apesar de não haver vidas perfeitas,
a maioria delas também tem sempre aspetos positivos que devemos valorizar. Não há
perfeição, mas também não há só miséria.
Nina M.
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