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sábado, 16 de setembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 339

 

Divagações

               Não há vidas perfeitas. Aliás, a perfeição é uma utopia que existe apenas para nos obrigar a procurar a melhor versão de nós mesmos, a partir das escolhas que vamos fazendo e que são de nossa responsabilidade. Muitas vezes, escolhemos mal, outras, escolhemos não escolher, apesar de intuirmos o caminho, por diferentes razões, porque por exemplo, o desconhecido assusta e é mais seguro prendermo-nos ao que já conhecemos. No entanto, todos faremos o que nos é possível e o melhor que sabemos ou podemos mediante as circunstâncias em que vivemos. Não há, portanto, qualquer razão para a falta de empatia e julgamentos sumários inadvertidos em relação aos outros e às suas escolhas.

Creio que a maioria de nós, numa análise séria, sente-se ficar aquém do que gostaria, porque talvez ninguém se realize plenamente em todas as suas dimensões. Como disse Eça (cito livremente), a vida vivida é sempre diferente da vida sonhada, por isso se rotulou um vencido da vida. Seremos todos um pouco vencidos da vida e o grau da derrota é tão mais elevado quanto menor for a realização na área que mais valorizamos. A angústia agrava-se se tivermos consciência de que há sempre uma escolha e que uma quota parte da responsabilidade pelo fracasso é nossa.

Assim, a minha vida é confortável, devo reconhecê-lo, mas longe da perfeição, porque eu sou falha. Desde logo, sou falha na escrita. Dizia-me uma pessoa que descobriu as minhas linhas que deveria dedicar-me só à escrita para poder produzir mais - e talvez melhor - acrescento. Respondi que morreria de fome. Se existisse só eu talvez me devesse essa tentativa, mas a responsabilidade materna não me permite tal aventura. Terei de assumir a escolha, naturalmente. Não há vidas perfeitas. Ninguém tem tudo o que pretende ou o que sonha e escolher implica optar por um caminho da encruzilhada, deixando de percorrer os outros, pelo menos plenamente, deixando cair as outras possibilidades. Pode ser angustiante por não sermos capazes de saber o que teria sido a vida se tivéssemos optado por outro percurso, no caso de concluirmos que fizemos a opção errada. Sempre se pode mudar, estarão a pensar. É verdade. Sempre se pode mudar e, nesse caso, cá vem a escolha mais uma vez.

A vida é feita deste círculo vicioso imenso e difícil, mas também quem pensa que veio a este mundo para obrigatoriamente ser feliz, como se à nascença fosse decretado o direito à felicidade, engana-se. Quando muito pode-se nascer com o dever de procurar a felicidade, seja ela o que for. Julgo que andará ligada ao sentido que conferimos à nossa existência ou, por outras palavras, ao enchimento que damos à nossa essência, mas é um palpite, porque é um conceito demasiadamente complexo e facilmente confundível com alegria, prazer e bem-estar, que são correlatos dela, mas diferentes. Uma vida feliz não tem de ser necessariamente alegre ou prazerosa a todo o instante e ser feliz também não exclui a dor e sabe acolher os momentos de tristeza. Está-se alegre e é-se feliz. A alegria é uma emoção passageira, tal como o prazer, mas a sensação de vida feliz será mais duradoura.

Certo é que não há almoços grátis nem vidas feitas. Cada um tem de fazer a sua o melhor que puder e souber, se possível, com boas escolhas que conduzam a uma vida boa, conscientes de que não há garantias nem seguros de viagem.

A consciência da finitude talvez possa ajudar o ser a trilhar o caminho que lhe é próprio e mais natural. Será por isso que, frequentemente, muitas pessoas que tiveram a experiência de quase morte mudam radicalmente a sua vida, porque compreendem e sentem visceralmente não poderem perder tempo.

Desta forma, invejar a vida alheia e estabelecer comparações da sua vida com outras é apenas estúpido e infantil, porque mesmo aquelas que nos parecem fáceis e cheias de magia terão as suas angústias. Não deixa de ser verdade que umas serão mais fáceis do que outras, mas devemos preocupar-nos exclusivamente com a nossa e fazermos com ela o melhor que conseguirmos.

Apesar de não haver vidas perfeitas, a maioria delas também tem sempre aspetos positivos que devemos valorizar. Não há perfeição, mas também não há só miséria.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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